Economia
Tarifas chinesas: gargalos logísticos podem limitar avanço das exportações brasileiras
Com tarifas chinesas sobre os EUA, Brasil vê aumento nas exportações de grãos, mas dependência do modal rodoviário e falta de armazenagem são desafios

Sabrina Nascimento | São Paulo | sabrina.nascimento@estadao.com
12/03/2025 - 08:00

Com a imposição de tarifas chinesas sobre produtos agrícolas norte-americanos, especialistas apostam em um aumento das exportações do agronegócio brasileiro. No entanto, desafios logísticos e de infraestrutura podem ser limitadores.
Em relatório divulgado na última semana, a Associação Brasileira dos Exportadores de Cereais (ANEC) alertou que o cenário de conflito tarifário entre China e Estados Unidos pode aumentar a demanda pelos produtos brasileiros. “Mas o país pode não usufruir totalmente dessa oportunidade de mercado, já que a logística interna ainda é um fator limitante no escoamento da produção”, avaliou.
Um dos fatores que pode comprometer a competitividade dos grãos brasileiros é o custo elevado do frete rodoviário. Atualmente, segundo dados da Esalq/Log, o modal rodoviário é responsável pela maior parte do escoamento das cargas agrícolas até os portos, representando 54,2% do total. Em seguida, o transporte ferroviário é responsável por 33,4%, enquanto o modal hidroviário corresponde a 12,4%.
Neste ano, com uma das maiores safras da história do Brasil, os custos estão pressionados diante de uma demanda crescente. Levantamento da Esalq/Log indica uma elevação de aproximadamente 70% no valor do frete em março na comparação com janeiro. “Como a gente tem uma colheita muito concentrada, isso gera pico no sistema e causa gargalos logísticos. Então, a gente tem dois lados pressionando o frete. O lado da demanda de transporte aumentando e também o custo de transporte com o diesel”, destaca Thiago Guilherme Péra, coordenador da Esalq/Log.
De acordo com a Esalq/Log, na safra 2024/25, o custo para levar a soja colhida em Mato Grosso, principal estado produtor de grãos, até a China está em torno de US$ 120 por tonelada, via porto de Santos (SP). Na temporada anterior, esse valor era de US$ 109,70. “O que chama atenção é que, por volta de 70% desse custo, é transporte interno, o restante é marítimo. Então, nós precisamos ganhar mais essa competitividade”, sinalizou Péra, em conversa com o Agro Estadão.
Nesse cenário, a capacidade dos portos também é um ponto de alerta. Olivier Girard, sócio-presidente da Macroinfra Consultores, aponta que o Brasil já fechou 2024 utilizando grande parcela de sua capacidade portuária para movimentar grãos — 91,3%.
Segundo projeção da consultoria, caso novos investimentos em infraestrutura portuária não sejam feitos, a previsão é de que essa capacidade seja totalmente saturada entre 2027 e 2028. “Os três terminais de grãos do Porto de Santos estão movimentando com capacidade acima de 90%. E a partir de 70% já falamos que tem gargalo. Existe gargalo do lado portuário, mas existe também gargalo de movimentação interna dentro do país, como, por exemplo, falta de ferrovia”, afirma Girard.
Falta de ferrovias e armazenagem
Conforme o especialista da Macroinfra, o grande problema do Brasil não está apenas na infraestrutura portuária, mas também na falta de ferrovias que conectem as principais regiões produtoras de grãos, como o Mato Grosso e o MATOPIBA (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), ao sistema logístico nacional. “Nós não temos ferrovia suficiente. O custo de produção no Brasil é um dos mais baixos do mundo, mas o custo de transporte é alto devido à infraestrutura deficiente”, explicou o sócio-presidente da Macroinfra Consultores.
Com isso, no médio prazo, os especialistas preveem que o Brasil continuará dependente do transporte rodoviário, uma vez que não há grandes projetos para reduzir essa dependência, especialmente na área ferroviária. “Vamos ficar cada vez mais dependentes dos caminhões, caso a gente não amplie mais os investimentos no setor ferroviário, que ao longo dos últimos anos caiu a sua participação nas movimentações de grãos para exportação”, afirma o coordenador da Esalq/Log.
Além do mais, a capacidade de armazenagem também é um gargalo, uma vez que, o Brasil consegue armazenar em torno de 70% de sua produção, levando a uma pressão sazonal no escoamento da safra. “Sem uma infraestrutura adequada de armazenagem, ficamos reféns de um escoamento concentrado na colheita, o que gera picos e sobrecarrega o sistema logístico”, destaca Péra.
Reorganização das exportações para atender à China
Na visão do sócio-presidente da Macroinfra Consultores, mesmo com um custo elevado, a China deve pagar mais caro pelos grãos brasileiros perante a disputa comercial com os EUA, podendo aumentar o volume das exportações.
No entanto, Girard alerta que, apesar desse aumento na demanda chinesa, os gargalos logísticos do Brasil podem dificultar o crescimento acelerado dos embarques, resultando em uma possível reorganização das exportações no curto prazo. “O problema será enfrentado, mas acredito que a China acabará pagando mais caro pelos nossos grãos, o que pode resultar em uma reorientação das exportações, concentrando-as mais na China do que em outros mercados”, afirmou o especialista.
Segundo dados da Anec, entre janeiro e fevereiro deste ano, a China foi o destino de 79% das exportações brasileiras de soja, representando um aumento em relação aos 75% registrados no mesmo período do ano passado.

Newsletter
Acorde
bem informado
com as
notícias do campo
Mais lidas de Economia
1
Tarifa: enquanto Brasil espera, café do Vietnã e Indonésia pode ser isento
2
COP 30, em Belém, proíbe açaí e prevê pouca carne vermelha
3
A céu aberto: produtores de MT não têm onde guardar o milho
4
Exportações de café caem em julho, mas receita é recorde apesar de tarifaço dos EUA
5
Rios brasileiros podem ser ‘Mississipis’ do agro, dizem especialistas
6
Violência no campo: roubos e furtos de máquinas agrícolas crescem 37,5% no 1º semestre

PUBLICIDADE
Notícias Relacionadas

Economia
Brasil e México vão ampliar cooperação agropecuária
Governo mexicano se comprometeu em adotar protocolo de regionalização em caso de surtos de doenças em granjas brasileiras

Economia
Agropecuária gera mais de 100 mil empregos no ano, aponta Caged
Apesar do crescimento de 6,08% de janeiro a julho, foi o segmento que menos gerou novos postos de trabalho no período

Economia
Colheita de café atinge 91,3% nas áreas de atuação da Cooxupé
Mais cooperativa de café arábica do mundo, a Cooxupé reúne 21 mil famílias em três regiões de Minas Gerais e uma de São Paulo

Economia
México deve habilitar 14 novos frigoríficos para exportar carne bovina brasileira
Com a autorização, serão 50 unidades aptas a exportar ao País; saiba quais Estados deverão ser contemplados
Economia
Venda de máquinas agrícolas avança, mas com alerta para colheitadeiras
Enquanto o mercado interno cresceu 83,1% em julho, as exportações caíram quase pela metade, segundo levantamento da Abimaq
Economia
Santa Catarina receberá porto da Coamo com aporte bilionário
Com investimento de R$ 3 bilhões, novo terminal terá três berços de atracação e deve começar a operar em 2030
Economia
Internet aumenta em 37% a produtividade agrícola no Paraná
Com 62% de área coberta, expansão da internet no campo gerou aumento de R$ 2 bilhões no PIB no Estado
Economia
México ocupa lugar dos EUA e se torna 2º maior mercado da carne bovina brasileira
Comitiva do ministro Geraldo Alckmin chegou ao México nesta terça-feira, 26, para negociar expansão de acordos comerciais entre os dois países