Economia
Tarifas trocadas entre China e EUA beneficiam soja do Brasil, mas há limitações, indicam especialistas
No campo, produtores esperam a consolidação de uma safra recorde e optam por prudência diante das incertezas no mercado

Sabrina Nascimento | São Paulo | sabrina.nascimento@estadao.com
07/03/2025 - 14:45

Cautela. Essa é a palavra em comum entre produtores brasileiros de grãos e analistas de mercado quando o assunto é o novo conflito comercial entre os Estados Unidos (EUA) e a China. Apesar do cenário se desenhar favorável ao aumento das exportações de soja do Brasil para o país asiático, o desdobramento da disputa tarifária tem exigido monitoramento.
Em Sorriso (MT), município conhecido como a capital do agronegócio devido a sua liderança na produção nacional de soja, os agricultores reconhecem as vantagens de uma maior demanda chinesa, porém, ponderam os custos de produção antes de travarem qualquer negócio. “A guerra comercial, às vezes, tem efeito positivo em curto prazo, mas ao longo do tempo isso pode ocasionar outros problemas. Então, é algo que a gente não pode se apegar”, destacou Diogo Damiani, presidente do Sindicato Rural de Sorriso.


Um dos aspectos positivos apontados por Damiani é o preço do prêmio pago pela soja nos portos brasileiros — valor adicional aplicado sobre a cotação da oleaginosa na Bolsa de Chicago. No início desta semana, quando os EUA ampliaram para 20% as tarifas sobre os produtos chineses e Pequim respondeu taxando o setor agrícola norte-americano, com tarifa de 10% sobre a soja, o produtor observou uma elevação no valor adicional. “Por conta dessa retaliação, o prêmio da soja brasileira subiu cerca de US$ 1”, comentou, durante conversa com o Agro Estadão.
O relato remete à experiência do primeiro governo Trump, quando o Brasil se beneficiou com o aumento nos prêmios pagos pela soja. Levantamento da consultoria Cogo Inteligência em Agronegócio apontou que, durante a guerra comercial entre EUA e China (2018-2019), o Brasil observou um aumento médio de 148% nos prêmios pagos pela soja, com os valores subindo de US$ 1 para US$ 2,5 por saca. Esse crescimento ocorreu devido à necessidade da China de concentrar suas compras no Brasil. “Não estou dizendo que vai acontecer novamente, mas isso foi o que aconteceu e mostra que o resultado se reflete nos prêmios”, ressalta Carlos Cogo, sócio-diretor da consultoria.
Após a primeira guerra comercial, Brasil se tornou maior fornecedor de soja para a China
Diante da perda de competitividade do grão norte-americano na primeira guerra comercial entre as duas maiores potências econômicas, o Brasil se consolidou como o principal fornecedor de soja para a China.
Entre 2000 e 2016, EUA e Brasil se alternavam na liderança das exportações de soja para Pequim. No entanto, desde 2017, o cenário mudou, com os chineses preferindo o grão brasileiro.
No ano passado, as exportações de produtos do complexo soja brasileiro para a China somaram US$ 31,6 bilhões, com um crescimento anual médio de 17,4% desde 2000. Em comparação, os EUA exportaram US$ 12,8 bilhões, registrando um incremento anual médio de 10,5% no mesmo período.

O analista de grãos da consultoria Agro do Itaú BBA, Francisco Queiroz, acredita que o Brasil poderá ganhar mais espaço no mercado chinês, mas não nos mesmos níveis da primeira guerra comercial. “Falando especificamente da soja, a gente enxerga com bons olhos essa questão das tarifas, porque eventualmente podemos ganhar um pouco mais de espaço na China, mas isso é bem mais limitado. Nós não vemos, por exemplo, os prêmios explodindo como em 2018, quando chegaram a US$ 3 por bushel em outubro. A nossa expectativa segue de preços mais pressionados, com patamares mais baixos”, pontuou.
Safra recorde no Brasil pode potencializar exportações para a China
A situação deste ano apresenta um cenário distinto. Em 2018, o governo chinês impôs uma tarifa de 25% sobre a soja dos EUA, mas em 2024, a tarifa foi reduzida para 10%. Segundo a Scot Consultoria, a China tem adotado uma postura mais moderada. “Ao contrário da postura agressiva de 2018, a resposta da China atualmente parece ser um ajuste tático”, aponta a consultoria.
A China tem aplicado tarifas de forma moderada, com o objetivo de influenciar o mercado sem causar um impacto abrupto, o que parece tornar a soja americana menos competitiva. “Se a tarifa fosse muito alta, os preços da soja brasileira poderiam subir de maneira agressiva, o que não seria vantajoso para a própria China”, explica a Scot Consultoria.
Embora a resposta da China ainda esteja sendo observada, há um impacto positivo para a soja brasileira. A possível elevação nas vendas para a China poderia gerar cerca de US$ 491 milhões a mais às exportações brasileiras, um pequeno aumento de aproximadamente 1,55% em relação ao total da receita de 2024.
O sócio-diretor da consultoria Cogo Inteligência em Agronegócio, lembra que o Brasil, neste ano, possui um excedente maior de soja devido a uma safra recorde, estimada em mais de 166 milhões de toneladas, conforme a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). “Com o volume extra de soja, podemos realmente ter um aumento de participação no mercado chinês, com isso começando a se refletir em números a partir de abril”, destaca Cogo. Segundo projeções da consultoria, os embarques de soja brasileira para a China devem crescer 7% este ano, alcançando 105,5 bilhões de toneladas.
O especialista ressalta que, diferentemente da primeira guerra comercial, onde o Brasil saiu favorecido, pois na época a Argentina enfrentava problemas de safra, desta vez, o país pode ter que enfrentar essa concorrência. “A Argentina não é um player importante no algodão, mas é um player importante em soja e em milho. Então, nessas duas commodities o país pode ser um competidor do Brasil para ocupar espaço”, afirma.
Levantamento da Bolsa de Cereais argentina, divulgado nesta sexta-feira, 07, indica que, nos últimos dias, chuvas abundantes distribuídas principalmente no Centro e Sul da região agrícola, melhorou a condição das lavouras de soja em nível nacional, apesar do déficit hídrico no norte de Santa Fé. Diante desse cenário, a projeção de produção em 49,6 milhões de toneladas foi mantida.
Soma-se a esse quadro, o possível aumento de competitividade do grão argentino que teve o imposto de exportação reduzido até junho deste ano.
Exportadores e produtores optam pela prudência
As projeções positivas ainda são vistas com prudência. Na visão de Sérgio Mendes, diretor-geral da Associação Brasileira dos Exportadores de Cereais (Anec), embora seja possível observar um impacto positivo imediato, é preciso cautela. “No primeiro momento, é possível achar que as medidas terão um ótimo impacto para a economia brasileira, já que a China vai se fixar ainda mais como um parceiro comercial estratégico da América do Sul. Mas, só teremos certeza da situação com o passar do tempo”, afirmou ao Agro Estadão.
Já o presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil), Maurício Buffon, classificou o momento como “muito delicado e de uma grande especulação de mercado”. Segundo ele, a situação pode estimular alguns bons momentos de negócio, tanto para a soja disponível na safra 2024/25, quanto para a safra futura (2025/26), a ser plantada a partir de setembro. No entanto, Buffon destaca que é necessário atenção. “Temos que ficar muito atentos porque nós não sabemos até quando essas tarifas vão ficar no mercado. Essa guerra comercial é uma guerra incerta […] esse é o nosso alerta para o produtor: buscar a maior informação”, disse o presidente da Aprosoja Brasil, em vídeo.

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