Agropolítica
China X EUA: Agro vê tarifas com cautela, mas indica que Brasil tem oportunidades
Setor de carne suína e de frango descarta alta nos preços internos; o de milho e sorgo vê que Brasil tem condições de atender demanda chinesa e o de algodão projeta vantagens e desvantagens
Daumildo Júnior | Brasília | daumildo.junior@estadao.com | Sabrina Nascimento | São Paulo | sabrina.nascimento@estadao.com
04/03/2025 - 15:26

O início das taxações americanas sobre produtos do México, Canadá e China nesta terça-feira, 4, causou uma escalada no conflito comercial entre as nações. Os chineses anunciaram retaliações sobre produtos agropecuários dos Estados Unidos, como soja, algodão, milho e carnes. Dependendo do produto, a tarifa adicional é de 10% ou 15%.
Esse movimento nas relações de venda e compra pode trazer benefícios para o Agro brasileiro. No entanto, a máxima da prudência tem sido observada pelos produtores e exportadores brasileiros de commodities agropecuárias. O Agro Estadão conversou com algumas das principais entidades representativas do setor para entender o clima e as possíveis oportunidades para o Brasil.
Frango e suínos
No caso das carnes de frango e suína, a taxa que Pequim definiu foi de 15% e 10%, respectivamente. O presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), Ricardo Santin, afirma que “ainda é cedo” para tirar conclusões sobre o impacto para as exportações brasileiras dessas carnes.
“Da outra vez, houve uma troca de tarifas, mas depois acabou resultando em um acordo. Naturalmente, estando como está, é possível que o Brasil seja mais procurado exatamente por ser uma alternativa que vai se tornar mais barata”.
No ano passado, o país asiático importou 562,2 mil toneladas de frango brasileiro e 241 mil toneladas de carne suína. Na comparação com 2023, os volumes foram 17,6% e 38% menores, respectivamente. No ranking dos principais países compradores desses produtos brasileiros, a China ficou em primeiro nos destinos de carne de frango e em segundo para a carne suína.
O presidente da ABPA explica que não necessariamente o volume geral de exportações brasileiras deva aumentar, mas pode acontecer de os preços serem reajustados e haver uma troca de destinos — outros mercados perderem volumes na hora das negociações. “Isso, talvez, possa fazer preço. Não significa que vamos vender muito mais volume [geral], mas você pode realocar volumes de outros mercados. Isso vai depender da dinâmica de mercado”.
No dia a dia das negociações, os exportadores brasileiros tendem a priorizar os clientes cativos. “Eles não vão mexer nesses aí”, pondera Santin. A parte flexível está nas vendas à vista, imediatas, que costumam ser mais elásticas nos preços e volumes. “Essa parte flutuante é que vai, talvez, ter uma migração [para a China]. Mas ainda não dá para determinar uma porcentagem”.
Outros pontos levantados na análise de Santin é a destinação da produção norte-americana e possíveis retaliações do México e Canadá. Os mexicanos, por exemplo, são grandes compradores de carne suína e de frango norte-americanos. Uma taxação mexicana nesses produtos pode causar outras dinâmicas no mercado internacional.
Quanto a um possível impacto no mercado interno, o presidente da ABPA diz que não deve ter efeitos práticos. As carnes estão na mira do Governo Federal para que os preços internos possam abaixar. Com mais exportações, o valor interno desses produtos poderia subir e pressionar a inflação dos alimentos. Santin aponta que o risco disso acontecer é inexistente.
“Nossa indústria deixou o aumento da disponibilidade estável para o mercado interno desde a pandemia. Esses movimentos que estão se acenando não influem no nosso mercado interno, que é o nosso maior cliente. O Brasil não vai tirar comida do mercado brasileiro para jogar numa venda à vista que amanhã pode parar. Você conquista uma cota de mercado com oferta e é difícil de conquistar. Esse risco não há”, garante.

Milho e sorgo
A China não figura entre os principais compradores do milho brasileiro, respondendo por apenas 6% das exportações do grão do no ano passado. No entanto, junto com a Argentina e os Estados Unidos, o Brasil faz parte da Aliança Internacional do Milho (Maizall), uma coalizão de associações de produtores de milho responsáveis por 50% da produção mundial do grão e cerca de 80% do comércio internacional.
Com o cenário atual, em que a Argentina enfrenta problemas climáticos na safra e os Estados Unidos estão envolvidos em uma disputa comercial com a China, o presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Milho e Sorgo (Abramilho), Paulo Antônio Bertolini, acredita que o Brasil tem potencial para se posicionar como uma alternativa viável e segura para atender à demanda chinesa. “O Brasil é o único país com condições de responder rapidamente à demanda. Temos área para expansão, tecnologia, qualidade de produto, sustentabilidade e produtores extremamente competentes”, afirma Bertolini.
Ao Agro Estadão, Bertolini lembra que a abertura do mercado chinês para o milho brasileiro ocorreu recentemente, no final de 2022. No ano seguinte, o país asiático se tornou o principal destino das exportações brasileiras do produto. Esse avanço ocorreu justamente no ano em que o Brasil teve uma produção recorde de mais de 130 milhões de toneladas de milho, o que fortaleceu a posição do país no mercado global.
No entanto, em 2023, a China também teve uma boa safra de milho — sendo o segundo maior produtor mundial, atrás apenas dos Estados Unidos —, o que resultou em uma redução significativa nas importações do Brasil. Cenário repetido em 2024, quando a China importou 13,64 milhões de toneladas do cereal — recuo de 49,7% na comparação com 2023.
Por isso, o setor enxerga com cautela o atual conflito comercial. “Não podemos esperar grandes mudanças na importação de milho pela China. Além do mais, a China começa com o plantio de sementes transgênicas este ano, o que deve gerar um incremento significativo na sua produtividade e produção do país”, ressalta o presidente da Abramilho.

Algodão
A Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa) avalia que as tarifas chinesas impostas sobre os Estados Unidos terão efeitos positivos e negativos para o setor.
Entre as vantagens apontadas por Gustavo Piccoli, presidente da Abrapa, estão a melhoria do prêmio de venda na Ásia e uma maior competitividade do algodão brasileiro na China, maior importador global. “Temos a possibilidade de aumentar as exportações no curto prazo”.
No ano passado, o Brasil ultrapassou os Estados Unidos e se consolidou como o maior exportador mundial de algodão, vendendo cerca de 2,8 milhões de toneladas do produto, de acordo com dados do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa). Os chineses responderam por cerca de 50% dessa fatia.
No entanto, como efeito negativo, a guerra comercial entre as duas maiores potências econômicas globais pode estimular uma menor competitividade dos produtos têxteis da China (maior indústria têxtil do planeta) nos Estados Unidos, que é o principal importador do produto. “A demanda chinesa por algodão importado pode ser reduzida”, destaca Piccoli.
O presidente da Abrapa indica, ainda, como desvantagem, um aumento da concorrência em outros mercados, além da queda nas cotações da Bolsa de Nova York, que servem de base para os contratos no Brasil.

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