Economia
Produção de grãos cresce no país e expõe gargalos logísticos
De 2010 a 2023, a dependência do transporte rodoviário para o escoamento da safra aumentou de 44,7% para 54,2%, elevando os custos logísticos e agravando déficit de armazenagem

Igor Savenhago
29/01/2025 - 07:30

Quanto mais grãos o Brasil produz, mais cresce a dependência do transporte rodoviário. Atualmente, 54,2% da produção é escoada por caminhões para empresas de beneficiamento, tradings e portos, segundo levantamento anual do Grupo de Pesquisa em Logística da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-LOG), realizado em parceria com o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA). Em 2010, essa participação era de 44,7%.
A dependência das rodovias expõe fragilidades estruturais e logísticas que geram custos adicionais para os agricultores. Tiago Cinpak, produtor de soja em Lucas do Rio Verde (MT), enfrenta o desafio de escoar 100 mil sacas por safra pela BR-163, a única via disponível. “Com a falta de armazéns, essa soja vai para a rodovia mais rápido, concentrando o fluxo e aumentando os atrasos”, afirma. Embora tenha construído armazéns próprios há três anos, afirma que muitos produtores ainda dependem de cerealistas, cuja capacidade é insuficiente para atender ao ritmo da colheita.
Segundo o levantamento, transportar soja de Mato Grosso até o Porto de Xangai, na China, via Porto de Santos, custou US$ 116,47 por tonelada em 2024. Desse total, 73% (US$ 83,99) correspondem ao percurso terrestre de 2 mil km até o terminal portuário, enquanto a rota marítima de 18 mil km representou 27% (US$ 32,48). Juntas, as operações por terra e mar correspondem a 24% das despesas dos importadores chineses.
Para Thiago Guilherme Pêra, pesquisador da Esalq e membro do Conselho Científico Agro Sustentável (CCAS), o Brasil mantém sua competitividade, mas enfrenta gargalos que limitam seu potencial. Ele lembra que a dependência rodoviária não é o único desafio. Déficit de armazenagem e acesso restrito a terminais comprometem a eficiência, com caminhões aguardando horas em filas para descarregar.
Com isso, a escassez de caminhões eleva os fretes, que devem subir de 15% a 20% em 2025, segundo o estudo. O cenário é agravado por fatores externos, como a desvalorização do real, tensões geopolíticas e o aumento do preço do petróleo. “Com o diesel representando 50% do custo rodoviário, o ano será desafiador para o transporte agro”, analisa Pêra.
Ferrovias e hidrovias
Nos últimos 13 anos, enquanto o transporte rodoviário cresceu expressivamente, as ferrovias tiveram aumento tímido e representam apenas 2,46% das operações, segundo a Esalq. No mesmo período, as exportações de soja mais que triplicaram. “Não fossem os investimentos recentes em hidrovias [no Arco Norte], teríamos uma situação bastante caótica”, diz Thiago Guilherme Pêra, referindo-se às alternativas aos Portos de Paranaguá (PR) e Santos (SP).
Dos 30 mil km de malha ferroviária, apenas um terço está em uso. A distância média de 600 a 700 km entre fazendas e terminais ferroviários é um dos principais entraves, exigindo mais investimentos públicos e incentivos ao setor privado. “O Brasil destina de 0,4% a 0,6% do PIB para logística de transportes. Nos Estados Unidos e na China, esse percentual é de 2%”, pontua Pêra.
“O Brasil é um caso atípico. Tem dimensões continentais, volume gigantesco de produção percorrendo elevadas distâncias concentradas nas rodovias, e capacidade de armazenagem insuficiente.” Em regiões como o Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), o déficit chega a 80% em alguns locais, segundo a Esalq.
Diante disso, um dos caminhos a curto prazo seria aumentar a produtividade do transporte rodoviário com gestão e tecnologias. “Criar um sistema de informações integrado, que traga previsibilidade e rastreabilidade em tempo real, é uma solução bastante interessante”, diz Pêra.
Armazenagem
A capacidade atual do Brasil para armazenagem está bem distante do que é previsto para a colheita. Segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a safra 2024/2025 deverá ser de 322 milhões de toneladas (8,2% a mais que a anterior) e os armazéns podem guardar até 210 milhões de toneladas. A maior parte está em cooperativas e cerealistas, enquanto as unidades públicas podem receber 1,7 milhão de toneladas.
“Como o país faz várias safras por ano, a colheita é escalonada e, por isso, o déficit não chega a ser tão grande, mas existe. A armazenagem é um tema que está gritando no nosso ouvido”, diz Arnoldo de Campos, diretor de Operações e Abastecimento da Conab. Segundo ele, existem 64 unidades públicas em operação e a intenção é retomar ações de incentivo a novas construções. “A armazenagem é cara. Com a reforma tributária, ela vai entrar como serviço, o que vai diminuir impostos. Além disso, o governo está ciente de que precisamos aperfeiçoar as linhas de investimento, já que o agro cresce e exige mais a cada ano.”
Para o presidente da Câmara Temática de Infraestrutura e Logística do Agronegócio do Ministério da Agricultura, Edeon Vaz, a falta de armazenagem impede negociações mais vantajosas para os produtores. Ele avalia que iniciativas como a construção de armazéns por empresas para aluguel ajudam a mitigar o problema, mas defende incentivos para que os produtores adquiram suas próprias estruturas.
Vaz explica que é difícil dimensionar o impacto das perdas causadas pelos gargalos logísticos devido aos múltiplos fatores envolvidos, mas alguns são mais claros, como a falta de armazenagem, que afeta a venda do grão. “Com a soja disponível, o produtor escolhe o momento ideal para vender. Já no balcão, entregue à trading, a venda é imediata, com deságio de até 10% ou 12%.” Ele conclui: “O Brasil aplica poucos recursos na armazenagem, e isso deve ser uma política dirigida pelo governo federal, com crédito de prazos e juros adequados”.

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