Agropolítica
Impasse na conciliação prolonga incertezas sobre demarcação de terras
Queda de braço entre indígenas e ruralistas se arrasta, enquanto o Congresso tenta manter Marco Temporal
Igor Savenhago | Ribeirão Preto
26/02/2025 - 08:00

Os entraves na demarcação de terras indígenas e no debate sobre a Lei do Marco Temporal (14.701/23), atualmente em fase de audiências de conciliação no Supremo Tribunal Federal (STF), aumentam as incertezas e acirram os conflitos fundiários no Brasil.
O Marco Temporal é uma tese que defende que os povos indígenas têm direito apenas às terras que estavam sob sua posse ou uso contínuo na data de promulgação da Constituição Federal de 1988, algo que o STF declarou ser inconstitucional em 2023, mas que foi restabelecido pelo Congresso, que aprovou uma nova lei retomando esse entendimento.
O texto foi vetado pelo presidente Lula, mas o veto acabou revogado pelos parlamentares. Em nova ação de inconstitucionalidade no STF, criou-se uma comissão de conciliação para o tema que seria finalizada no dia 24 de fevereiro, mas foi adiada e deve funcionar até o dia 2 de abril.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) deixou a mesa de negociação alegando desequilíbrio na representatividade – das 24 cadeiras, apenas seis eram ocupadas por indígenas. O coordenador jurídico da Apib, Maurício Terena, afirma que, desde o início das discussões, a entidade identificou uma grave ameaça aos direitos territoriais indígenas. “A condução dos magistrados pode ser considerada inapropriada em um contexto de diversidade cultural. […] Diversos recursos foram ajuizados e até agora não houve resposta.” A expectativa para o desfecho da conciliação é de “pé no chão”, afirma Terena. “Esperamos que as medidas legislativas não avancem, por seu caráter inconstitucional.” Segundo ele, há ainda uma esperança mais remota de que a União também abandone a conciliação.

Para o deputado Pedro Lupion (PP/PR), presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), os conflitos no campo devem se agravar se o assunto não avançar no STF. “Acredito menos do que já acreditei [em uma solução]. Com mais invasões e violência, fica mais difícil.” Ele cita invasões em Guaíra, no Paraná, e em Mato Grosso do Sul por indígenas paraguaios que, segundo ele, se passam por brasileiros para reivindicar terras. “Áreas invadidas não podem entrar nas negociações”, afirma.
Segundo o deputado, é possível que o Congresso se mobilize para votar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 48/2023, que amplia o poder do Legislativo para suspender atos normativos de outros poderes. Lupion defende a legalidade do Marco Temporal e diz haver votos suficientes para alterar a Constituição, se necessário.
Já o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) afirma que a suposta manutenção de um marco temporal prorroga a insegurança jurídica e física nos territórios e no entorno das questões fundiárias. E que as demarcações e a defesa dos direitos originários dos indígenas são pautas prioritárias. “A salvaguarda do direito territorial é premissa para que os povos indígenas mantenham seus modos de vida, suas culturas e seus conhecimentos, conforme previsto no artigo 231 da Constituição, além de também propiciar benefícios a toda a sociedade com a proteção dos ecossistemas desses territórios”, declarou o MPI, em nota ao Agro Estadão.
Demarcações suspensas
Em 2024, a Funai realizou onze declarações de limites de terras indígenas e cinco homologações. De acordo com Sheila de Carvalho, secretária de Acesso à Justiça do Ministério da Justiça, todas as situações se adequaram à legislação vigente sobre o Marco Temporal, ou seja, foram feitas levando em consideração como estava a ocupação desses territórios no momento da promulgação da Constituição de 1988. Mas só tiveram andamento aquelas que não dependiam de questões avaliadas pelo Supremo. “Outros procedimentos demarcatórios ainda estão sob análise e não devem ser concluídos até que haja uma decisão do STF.”
A secretária acrescenta que o ministério tem atuado para a defesa do que está estabelecido na Constituição Federal e participado ativamente das reuniões de conciliação. “O governo brasileiro quer a conclusão desse processo o mais rápido possível para que possa dar cabo das obrigações devidas em relação a garantir acesso a direitos no Brasil.”

Indenização a produtores rurais
A indefinição sobre o Marco Temporal também impacta a discussão sobre a indenização de produtores rurais por terras demarcadas. Em setembro de 2023, o STF decidiu que os que ocuparam as áreas “de boa-fé”, por meio de procedimentos judiciais regulares, têm direito a indenização. E que os pagamentos deverão ser feitos de forma apartada do processo demarcatório.
Enquanto não há uma jurisprudência definitiva, a análise tem sido caso a caso. Em setembro do ano passado, por exemplo, o STF fechou uma negociação para encerrar uma disputa pela Terra Indígena Ñande Ru Marangatu com fazendeiros da região de Antônio João (MS) – que deixaram a área de forma pacífica. O impacto do acordo foi previsto em R$ 146 milhões para os cofres públicos – R$ 28 milhões para compensar benfeitorias feitas nos imóveis e R$ 118 milhões pelo Valor da Terra Nua (VTN) – índice que limita territorialmente a área rural.
Ao Agro Estadão, o ministro da Agricultura e Pecuária (Mapa), Carlos Fávaro, disse que “se o Estado precisa acomodar indígenas em alguma propriedade, deve indenizar pelo valor comercial, em dinheiro, à vista, o proprietário que tem a sua escritura, a sua posse”. Segundo Fávaro, “é possível dialogar sem transgredir a legislação e acomodar sem excesso”.
Para o advogado Vitor Rhein Schirato, professor de Direito Administrativo da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e sócio do escritório Rhein Schirato Meireles Advogados, a previsão de indenizações distorce o que diz a Constituição: que terrenos ocupados indevidamente não devem ser indenizados, independentemente se foram ou não de boa-fé. “Se usarmos, então, o marco temporal de 88, será um marco temporal distorcido.”
Schirato diz ainda que as tentativas de conciliação no Supremo agravam o quadro, já que a falta de previsibilidade sobre os resultados das audiências representa uma alta insegurança jurídica, exatamente o contrário do que prega a Constituição. “A grande questão é saber como vai ficar essa mediação. Se vai resolver o caso ou voltar para a estaca zero e começar um novo processo.”
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