Agropolítica
Setor produtivo cobra reformulação urgente do crédito rural e alerta para colapso no RS
Lideranças do agro denunciam endividamento histórico, falhas no seguro rural e impactos nas famílias rurais
Redação Agro Estadão*
21/11/2025 - 12:01

O endividamento dos produtores rurais do Rio Grande do Sul diante dos eventos climáticos extremos foi tema de debate realizado em conjunto pela Comissão de Agricultura (CRA) e pela Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado Federal na última quarta-feira, 19. A reunião, solicitada pelo senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS), também teve o objetivo de identificar falhas na operacionalização do crédito rural e propor soluções imediatas.
Ao abrir os trabalhos, o senador Hamilton Mourão, integrante da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), afirmou que a crise do Rio Grande do Sul “é inédita, profunda e fora da curva”, destacando que o país não pode tratar o tema com morosidade.
“Em muitos casos, o produtor final, elo mais vulnerável da cadeia, não tem tido assegurado, de forma plena, o arcabouço normativo que deveria protegê-lo. Quando falham os mecanismos de crédito, seja por insuficiência regulatória, por deficiências de acompanhamento ou por ausência de políticas anticíclicas eficazes, falha a capacidade do produtor rural de se manter ativo, competitivo e resiliente”, afirmou.
O chefe do Departamento de Regulação, Supervisão e Controle das Operações do Crédito Rural e do Proagro (Derop) do Banco Central, Cláudio Filgueiras Pacheco Moreira contou que visitou pessoalmente algumas propriedades gaúchas e ressaltou que o Rio Grande do sul representa quase 98% na parte do endividamento da Medida Provisória 1.314/2025. A proposta autorizou o uso de superávit financeiro do Ministério da Fazenda, no limite de R$ 12 bilhões, e recursos livres de instituições financeiras para criação de linhas de crédito rural.
Filgueiras destacou que a inadimplência média já chega a 7,9%, e entre grandes produtores passa de 10%. “O produtor que financia 100% do custeio, mesmo com taxas equalizadas, hoje não consegue fechar a conta. O modelo, da forma como está, não se sustenta”, declarou. “Não estamos diante de um evento isolado. Estamos diante do maior estresse financeiro da agricultura brasileira em décadas. O País precisa rever profundamente sua política de financiamento rural”, completou
Critérios de crédito mais rigorosos
Secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Guilherme Campos reconheceu que o Rio Grande do Sul “vem passando por algo absolutamente inédito, fora da curva, agravado pelas condições climáticas”. Ele disse que o governo federal vem dando atenção especial [ao Estado], sempre em busca de recursos para fazer frente à demanda tão grande na recomposição e reformulação das dívidas de produtores. Os critérios são de ordem climática com eventos ocorridos em 1.436 municípios do País, dos quais 459 são do Rio Grande do Sul.
“Para nosso azar, e azar ainda maior para o produtor do Rio Grande do Sul, o Brasil vem passando por uma verdadeira doença de recuperações judiciais muito discutíveis, que colocou os agentes das instituições financeiras com muita preocupação na concessão de créditos. Isso vem colocando critérios cada vez mais rigorosos porque, no frigir dos ovos, quem corre o risco é a instituição financeira, ela bota os seus critérios. Temos que estar vigilantes e atentos para que os critérios não sejam abusivos e fora das regras do jogo estabelecido pelo Banco Central, isso é papel nosso”, defendeu.
Campos afirmou que o governo federal já direcionou mais de R$ 32 bilhões ao estado desde o início da crise — R$ 20 bilhões em ações emergenciais e R$ 12 bilhões via MP 1.314/2025. “Estamos ao lado dos produtores. Mas é preciso reconhecer: nenhuma medida emergencial, por maior que seja, resolve uma crise estrutural. A mudança necessária é a reformulação do Programa de Seguro Rural”, afirmou. Ele defendeu ainda que é preciso dar prioridade para o projeto da senadora Tereza Cristina que redesenha o seguro rural brasileiro.
Renegociação
Subsecretário-substituto de Política Agrícola e Meio Ambiente do Ministério da Fazenda, Francisco Erismá Oliveira Albuquerque disse que os recursos da União “são muito escassos”. A ideia, segundo ele, é focalizar naqueles produtores que mais precisaram, nos municípios onde houve perda comprovada e naqueles em que houve decretação de emergência ou estado de calamidade. Todos os produtores que possuem crédito rural com recurso controlado têm assegurado o direito de pleitear renegociação junto aos bancos.
“Quem vai fazer essa renegociação é a instituição financeira, que vai avaliar a capacidade de crédito e a capacidade econômica de cada um dos beneficiários, mas a norma autoriza que o produtor vá buscar essa renegociação”, esclareceu.
Execução de dívidas
O presidente da Associação dos Produtores e Empresários Rurais (Aper), Arlei Romeiro indicou “um evento adverso que vem longa” data e prejudica o setor. Seria a “forma como as políticas públicas de crédito rural são conduzidas pelas instituições financeiras, especialmente cooperativas de crédito”.
Ele denunciou ilegalidades e irregularidades cometidas pelas instituições financeiras — principalmente em relação à execução de dívidas — e disse que famílias foram destruídas pelas pressões e falta de condição de seguir na atividade rural, mesmo diante de alternativas legais que dão suporte para prosseguir na atividade.
Em resposta às acusações de Arlei Romeiro, o representante do BC disse que as instituições financeiras não podem ficar com as terras nem com a produção das propriedades rurais. “Isso para mim foi uma surpresa. Se uma instituição financeira retomar um bem, ela tem que imediatamente fazer o leilão e vender esse bem. Na minha experiência à frente do crédito rural há mais de oito anos, eu nunca vi uma instituição financeira receber soja. Normalmente ela recebe os recursos. Ela pode indexar o preço da soja, que é o contrato com algum indicador, mas ela não recebe a soja, esse não é o padrão de uma instituição financeira”, assegurou.
*Com informações da Agência Senado e da FPA
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