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Agropolítica

Conferência expõe divergências entre setor do tabaco e órgãos do governo

Setor produtivo teme mudanças regulatórias, crescimento do mercado ilegal e impacto na cadeia que gera US$ 2,89 bilhões em exportações

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Sabrina Nascimento | São Paulo | sabrina.nascimento@estadao.com

18/11/2025 - 16:07

Parte da comitiva que foi a Genebra, na Suíça, na tentativa de evitar medidas danosas à cadeia do tabaco. Foto: Sinditabaco/Divulgação
Parte da comitiva que foi a Genebra, na Suíça, na tentativa de evitar medidas danosas à cadeia do tabaco. Foto: Sinditabaco/Divulgação

Uma comitiva de cerca de 40 representantes do setor do tabaco brasileiro está em Genebra, na Suíça, durante esta semana, para acompanhar, do lado de fora, as discussões da 11ª Conferência das Partes (COP11) da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (CQCT). O grupo se mobilizou para garantir que a delegação oficial do Brasil não apoie medidas consideradas danosas ao setor.

Apesar da ida até a Suíça, o grupo não tem acesso à área de debate. No primeiro dia do encontro, a comitiva chegou a ser impedida de se aproximar da área do evento. Nesta terça-feira, 18, no entanto, o grupo foi recebido pelo embaixador brasileiro em Genebra, Tovar da Silva Nunes, que se comprometeu a realizar sessões diárias para repassar o andamento das negociações.

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“A partir de amanhã [quarta-feira], das 9h às 11h, poderemos conversar com os delegados brasileiros e cobrar posicionamentos”, disse Giovane Luis Weber, produtor de tabaco em Santa Cruz do Sul (RS). Ele, que também é digital influencer, com mais de 78 mil seguidores no Instagram, faz parte da comitiva do setor. 

Uma história familiar na produção de tabaco

A participação de Weber na comitiva representa um legado familiar. O agricultor é a terceira geração de uma família dedicada à fumicultura. 

Antes de assumir a propriedade onde vive com a esposa, Weber acompanhou os avós e pais produzirem na mesma terra. Hoje, a área tem 11,5 hectares, dos quais quatro são destinados ao tabaco — espaço suficiente, segundo Giovane, para garantir a renda principal da família. “A gente tem ainda 3,5 hectares de área preservada, um pedacinho potreiro e o resto é área preservada, de mata nativa. Outros quatro hectares a gente utiliza para subsistência, ou seja, são plantados milho, mandioca, feijão, verduras, frutíferas, cana-de-açúcar, batata doce. […]  Então, você vê como o tabaco é uma renda boa, porque precisa de pouca terra e libera outra área de terra para a gente ter a subsistência”, destacou em conversa com o Agro Estadão. 

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Diferentemente dos antecedentes, Weber opera uma produção mais tecnológica, com estufa de secagem, maquinário moderno que reduz os esforços físicos, mas também eleva custos e responsabilidade. “Não tenho mais mão de obra terceirizada, mas isso aumentou o meu custo. Eu preciso colher bem, vender bem, para também conseguir pagar esses investimentos que fiz na propriedade e que me geram custos de longo prazo”, diz. 

Assim como Weber, a quase totalidade dos fumicultores brasileiros — entre 90% e 95% — produz dentro do sistema integrado. Sem acesso a linhas de crédito, como o Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) — retiradas, segundo o setor, após decisões vinculadas às diretrizes da Convenção-Quadro —, os produtores dependem desse modelo para financiar e garantir a venda da safra. 

No sistema integrado, a empresa fornece sementes, insumos, análise de solo e assistência técnica. O produtor financia esses insumos, quita na entrega do tabaco e há contrato de compra garantida. O modelo é considerado determinante pelo setor para manter o padrão de qualidade reconhecido por mais de 100 países.

Um gigante econômico

Atualmente, o Brasil é o segundo maior produtor de tabaco — atrás apenas da China —, mas líder global em exportações há mais de 30 anos. Somente no ano passado, foram exportadas 447 mil toneladas de tabaco, gerando US$ 2,89 bilhões.

Outros números também ajudam a dimensionar o peso econômico da cadeia. Conforme levantamento do Sindicato da Indústria de Tabaco (SindiTabaco), a produção está presente em mais de 525 municípios, envolvendo 138 mil produtores rurais. 

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Na safra 2024/25, foram 310 mil hectares plantados, responsáveis por cerca de 720 mil toneladas de tabaco. Essa produção sustenta diretamente 44 mil empregos na indústria, além de outras 533 mil pessoas na cadeia produtiva no campo. 

O cenário faz o presidente do Sinditabaco, Valmor Thesing, afirmar que o setor vive “um de seus melhores momentos produtivos”. “O que nós tivemos nos últimos cinco anos foi o seguinte: exceto esta safra 24/25, que mencionei, nas safras 23 e 22, quando o Rio Grande do Sul enfrentou problemas climáticos, houve quebra na produção. Mesmo assim, o tabaco foi uma das culturas menos atingidas, em razão da resiliência proporcionada pelas boas práticas agrícolas”, salientou. 

Para a safra atual, as expectativas seguem positivas. “Nós estamos estimando outra safra acima da expectativa, com volume semelhante ao que nós tivemos esse ano. Lógico que nós temos ainda novembro, dezembro e janeiro, que, tendo em vista a eventualidade de La Niña, pode afetar um pouco, mas a previsão é muito boa”, disse. 

Risco ao setor produtivo

Mas é justamente esse avanço econômico que, segundo lideranças do setor, entra em choque com a postura regulatória que o Brasil leva para a COP11. Entre os temas que mais preocupam a comitiva, está a possibilidade de o País defender a retirada dos filtros de cigarros sob justificativa ambiental.

Porém, o setor alega que, atualmente, as bitucas representam 0,21% dos resíduos na natureza e o filtro é feito de celulose e biodegrada em 3 meses a 3 anos. Além disso, há o temor de que, se aprovada, a mudança desviaria consumidores para o mercado ilegal, que já responde por 32% das vendas. “O padrão global é cigarro com filtro. Se você tira por decreto, o consumidor vai migrar para o ilegal. É algo que não tem lógica econômica nem social”, aponta o presidente do SindiTabaco. 

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A preocupação com a expansão do mercado ilegal se baseia em dados do passado. O contrabando já representou 50% do mercado e só recuou após operações da Receita Federal e da Polícia Federal. Retomar esse patamar, segundo o Sinditabaco, poderia significar um rombo bilionário na arrecadação, além de reduzir a compra de tabaco produzido legalmente.

Ainda conforme Thesing, há um descompasso entre o discurso oficial da Comissão Nacional para Implementação da Convenção-Quadro sobre Controle do Uso do Tabaco e de seus Protocolos (Conicq) e os documentos e propostas que vêm sendo preparados pelo governo brasileiro para levar à conferência. 

Segundo ele, as intenções apresentadas publicamente de proteção aos produtores não condizem com o que está sendo discutido internamente, o que gera insegurança para toda a cadeia produtiva. “A secretária-executiva da Coniq afirma em algumas matérias que ‘oferecer alternativas aos agricultores que cultivam tabaco é a prioridade’, mas nunca houve movimento nesse sentido. Tanto é que já tentaram reduzir ou até proibir a assistência técnica, e já tentaram tirar o tabaco do acordo entre União Europeia e Mercosul, mas nós conseguimos colocar de novo”, salientou. 

O Agro Estadão entrou em contato com a Coniq, mas não obteve resposta até a publicação deste conteúdo. O espaço segue aberto.

Nota de repúdio

Deputados federais que participam da comitiva do setor de tabaco na COP11 emitiram uma nota de repúdio em razão do impedimento do ingresso do grupo na área deliberada para o evento. No comunicado, os parlamentares apontam que foram formalmente designados em missão oficial pela Câmara dos Deputados e que cada um representa democraticamente seu respectivo Estado da Federação. 

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Eles defendem que “a tentativa de impedir o acesso dessa missão oficial não se resume a uma barreira individual. Constitui, na prática, uma restrição institucional, uma forma de censura dirigida ao Poder Legislativo brasileiro, que viola o princípio da representação democrática, fere o equilíbrio entre os Poderes e agride o dever constitucional de fiscalização e acompanhamento das políticas públicas especialmente quando estas afetam setores produtivos inteiros e milhões de famílias brasileiras”. 

O grupo reitera que ”nenhuma deliberação internacional que possa influenciar diretamente a economia nacional, a produção agrícola, o comércio, o emprego e a vida de milhares de brasileiros pode ocorrer sem o devido acompanhamento parlamentar, assegurado pela Constituição como expressão da soberania popular”.

“Em defesa do interesse público, reafirmamos nosso compromisso com o diálogo, com a preservação de direitos e com a proteção das comunidades que vivem, produzem e trabalham nas cadeias produtivas afetadas pelas decisões tomadas no âmbito da COP 11”, finalizam

Assinam o documento:

  • Deputado Pezenti (MDB/SC);
  • Deputado Marcelo Moraes (PL/RS);
  • Deputado Heitor Schuch (PSB/RS);
  • Deputado Dilceu Sperafico (PP/PR);
  • Deputado Afonso Hamm (PP/RS);
  • Deputado José Rocha (UB/BA).

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