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Agropolítica

Estados, municípios ou Ibama: quem deve fazer o controle dos javalis no Brasil?

Deputados correm para aprovar lei nacional antes do STF; especialista defende descentralização e SP destaca programa de controle pioneiro

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Paloma Santos | Brasília | paloma.santos@estadao.com

16/10/2025 - 05:00

Caça controlada é a única forma de manejo autorizada legalmente para controle dos javalis. Foto: Adobe Stock
Caça controlada é a única forma de manejo autorizada legalmente para controle dos javalis. Foto: Adobe Stock

O avanço dos javalis (Sus scrofa) sobre lavouras e áreas de preservação reacendeu uma disputa política e jurídica que vai definir quem tem poder para controlar o animal no Brasil. Enquanto o Congresso Nacional tenta aprovar uma lei federal que autoriza o abate e a comercialização dos produtos resultantes do manejo, o Supremo Tribunal Federal (STF) deve discutir se Estados e municípios têm competência para fazer o controle de espécies invasoras.

Atualmente, a caça controlada é a única forma de manejo autorizada legalmente. O abate é autorizado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) por meio de normativas específicas. Para isso, é necessário obter autorização e registro como controlador. 

Os dados mais recentes do Ibama apontam para 1,183 milhão de javalis abatidos legalmente até 2024. Os números, baseados nas informações autodeclaradas pelos CACs (sigla para Colecionadores, Atiradores desportivos e Caçadores), são a única fonte de informações sobre o quantitativo desses animais. 

Segundo especialistas, a quantidade real de javalis é cerca de seis vezes maior ao de animais abatidos. A espécie, extremamente adaptável, se reproduz com grande velocidade e encontrou no Brasil as condições ideias para viver: água e alimento em abundância, com ausência de predadores. 

O pesquisador do Núcleo de Pesquisa e Conservação da Fauna (NPC), Paulo Bezerra, explica que os javalis — e os “javaporcos”, resultado do cruzamento entre o animal trazido da Europa para o Brasil por criadores e o porco doméstico — são onívoros selvagens, de hábitos noturnos. “Não é um animal silvestre, não tem interação ecológica. O javali não faz nenhum bem”. Para o pesquisador, trata-se de um animal que é extremamente prejudicial aos biomas brasileiros. 

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Em Bonito (MS), cartão-postal nacional, conforme mostrado pelo Agro Estadão, lideranças locais estimam que 14% das lavouras de milho tenham sido perdidas só neste ano devido aos ataques dos javalis. Além de lavouras, os animais destroem nascentes e atacam espécies nativas, como tatus, cotias e aves que fazem ninhos no solo. 

Em virtude dos prejuízos causados ao agronegócio e ao meio ambiente, São Paulo, Goiás e Santa Catarina já aprovaram leis próprias com diretrizes para o controle e erradicação dos javalis. Mato Grosso do Sul e Minas Gerais também discutem regulamentações regionais.

Discussão no Congresso Nacional

Na Câmara dos Deputados, tramita o PL 4253/2025, do deputado Alceu Moreira (MDB-RS), que busca estabelecer uma lei nacional para o controle de espécies exóticas invasoras, como o javali. A proposta define competências de Estados e municípios, autoriza o abate e cria regras para o aproveitamento econômico da carne, couro e outros subprodutos.

Apensado a ele (tramitando em conjunto), está o PL 3895/2025, do deputado Marcos Pollon (PL-MS), que institui o Fundo Nacional de Incentivo ao Controle de Fauna Exótica Invasora (FNICFEI). O fundo prevê o pagamento de até R$ 100 por animal abatido e permite que a carne resultante do manejo, após inspeção sanitária, seja doada a escolas, hospitais e entidades assistenciais.

Os projetos tramitam em regime ordinário, com aprovação conclusiva nas comissões — ou seja, podem virar lei sem passar pelo plenário, salvo se houver recurso — e aguardam a designação de relator(a) na Comissão de Saúde.

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Espécie se adaptou ao Brasil e se reproduz com grande facilidade. Foto: Adobe Stock

Constitucionalidade em debate no STF

A bancada do agronegócio pressiona para votar os textos antes que o STF fixe entendimento contrário à autonomia dos Estados.

Há cerca de 15 dias, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a repercussão geral da matéria tratada e vai discutir se os Estados podem autorizar a caça de espécies exóticas invasoras em seus territórios ou se a competência é exclusiva da União. A decisão a ser tomada, em data ainda não definida, deverá ser seguida por todas as instâncias da Justiça.

São Paulo defende modelo descentralizado

Em nota enviada ao Agro Estadão, a Secretaria de Agricultura e Abastecimento de São Paulo (SAA) afirmou que o Estado “vem avançando de forma pioneira na gestão e controle de espécies exóticas invasoras, especialmente do javali-europeu”.

A respeito do Decreto n.º 69.645/2025, que criou a Política Estadual de Controle e Manejo do Javali, o órgão destacou a atuação conjunta das áreas de Agricultura, Meio Ambiente, Saúde e Segurança Pública. Segundo a pasta, o modelo paulista “une rigor técnico, segurança jurídica e eficiência administrativa”.

“A descentralização é compatível com a Constituição e fortalece a cooperação federativa. A coordenação nacional permanece com o órgão federal, mas os estados executam e fiscalizam as ações”, diz a nota.

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Especialista defende urgência na descentralização

O professor Paulo Bezerra, do Núcleo de Pesquisa e Conservação da Fauna, explica que grande parte dos países que enfrentam o problema descentralizaram o controle. “Isso aumenta a precisão do combate e leva em conta as particularidades ambientais, econômicas, sociais e culturais de cada região. Quanto mais descentralizar melhor. O município pode gerir e legislar de forma mais precisa”, justifica.

Além disso, segundo ele, a gestão centralizada pelo governo federal vem se mostrando ineficaz. “Basta observar: desde 2019, quando o Ibama passou a contabilizar os abates pelo Simaf [Sistema Integrado de Manejo de Fauna], o número de javalis abatidos cresce cerca de 35% ao ano, mesmo com milhões de animais caçados. Ou seja, o modelo atual não funciona”, afirma.

Bezerra também enfatiza que não é coerente deixar a gestão do fundo de incentivo à caça (como prevê o PL 3895/2025) nas mãos do Ministério do Meio Ambiente (MMA). “O MMA não possui qualquer compromisso com o produtor rural, tampouco obrigação moral, ética ou jurídica de realizar o abate de javalis”.

O especialista ressalta que quase 100% dos abates são realizados em áreas privadas. “Na prática, as unidades de conservação de proteção integral, que por normativas internas só podem usar caça passiva [armadilhas, cevas e iscas], servem de refúgio e criadouros naturais de javalis — um problema comum em todo o país”.

Para se ter uma ideia, neste ano, devem ser abatidos, em todo o Estado de São Paulo, cerca de 220 mil javalis em áreas privadas. Enquanto isso, a Fundação Florestal — responsável por 10% do território paulista — deve abater apenas cerca de 250 animais, mesmo com empresa contratada para isso.

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Produtores rurais devem ser capacitados e acompanhados

Outro problema apontado pelo pesquisador é que apenas 7% a 10% dos produtores rurais realizam o controle diretamente. “A maioria terceiriza. É necessário ampliar a caça passiva nas propriedades”. 

Mas, na avaliação dele, além da caça ativa e da ampliação do uso de armadilhas, é fundamental criar no País um sistema de Assistência Técnica e Gerencial — modelo de extensão rural desenvolvido pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) — para javalis, semelhante ao trabalho que é feito junto às cadeias produtivas.

“Esse sistema não deve ser um curso de caça, mas sim um programa de assistência técnica e gerencial para uso de armadilhas e monitoramento populacional, com duração de pelo menos dois anos — até que os produtores rurais dominem a técnica e consigam controlar e monitorar a população de javalis em suas regiões”, reforça.

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