Agropolítica
Cooperativas e cerealistas pedem linha especial de capital de giro para endividamentos extra bancos no RS
Entendimento é que esses agentes agropecuários também financiam produtores e não estão sendo contemplados em medidas anunciadas pelo governo federal
6 minutos de leitura 24/07/2024 - 08:00
Daumildo Júnior | Brasília | daumildo.junior@estadao.com
Em meio às discussões sobre a edição de uma Medida Provisória (MP) para anistiar a dívida dos produtores rurais do Rio Grande do Sul atingidos pelas enchentes, lideranças de cooperativas e cerealistas têm pleiteado uma linha emergencial de crédito para cobrir dívidas extra bancárias dos produtores. Ao menos duas propostas que tratam do tema foram apresentadas nos últimos dias ao ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro.
Em reunião no Ministério da Fazenda, em Brasília (DF), nesta terça, 23, representantes de cooperativas reforçaram a necessidade de uma iniciativa que ofereça aos cooperados gaúchos a condição de renegociar as dívidas com as cooperativas agropecuárias. Muitos desses endividamentos são de compra de insumos para as lavouras.
O diretor-executivo da Federação das Cooperativas Agropecuárias do Estado do Rio Grande do Sul (FecoAgro-RS), Sérgio Feltraco, explicou que essa situação não começou com as enchentes de maio, mas vem se arrastando nos últimos cinco anos.
“Nas últimas cinco safras, nós tivemos três com seca, uma boa e agora uma que pegou as enchentes nas regiões produtoras. Isso fez com que houvesse um agravamento do endividamento do cooperado junto às cooperativas”, disse ao Agro Estadão. Segundo ele, 33% de todos os recursos destinados para uma safra no Rio Grande do Sul passam pelas cooperativas, por isso, um endividamento pode comprometer as condições futuras.
A proposta das cooperativas é de que seja criada uma linha de crédito em que os recursos teriam condições melhores e mais acessíveis. A ideia é que o dinheiro seja repassado diretamente às cooperativas, mas com a finalidade de pagar as dívidas que os cooperados têm. Com isso, os cooperados teriam condições melhores para pagar a instituição financeira, com a garantia dada pela criação de um fundo garantidor, no qual os recursos seriam injetados pelo governo federal.
“Precisamos de prazo, estamos falando aí de dez anos com dois anos de carência, juros compatíveis, para permitir uma renegociação com os cooperados, e que esses recursos venham lastreados com o fundo garantidor. Esse foi o escopo da nossa proposta”, afirmou Feltraco.
Quanto aos juros, o diretor esclareceu que a proposta estipula 4% ao ano, porém com a ressalva de que sejam juros “compatíveis”, porque as cooperativas entendem que o governo pode ter algumas limitações financeiras.
“Não gira [acima de um dígito]. Só para lembrar, no ano passado, com a estiagem, foi proposta uma linha dolarizada e ela não rodou, porque ninguém quer contrair um financiamento de longo prazo com variação cambial. Precisamos de juros fixos e uma realidade econômica que dê suporte para essa renegociação. É um dinheiro que vai chegar na mão do produtor e ele é quem vai aliviar a sua conta com a cooperativa”, acrescentou.
A expectativa é de que o anúncio dessa linha para capital de giro “aconteça ao mesmo tempo” da publicação da Medida Provisória, prevista para o dia 30 de julho. A avaliação é de que ela não precisa compor o texto da MP, mas precisa seguir o mesmo ritmo.
Participaram da reunião representando o ministério da Fazenda o secretário-executivo, Dario Durigan, e o secretário-executivo adjunto, Rafael Dubeux. A sinalização, como confirmou o diretor da FecoAgro-RS, foi de que “haverá esforços” para atender as demandas.
“A gente teve a indicação de algumas possibilidades ao atendimento das nossas demandas. […] Nos foi manifestado pelo próprio secretário Rafael que o ministério [da Fazenda] tem ciência do problema, que tem uma determinação do presidente Lula de fazer uma resposta como nunca foi feita lá no Rio Grande do Sul, e que sim, o Rio Grande do Sul, nas palavras dele, deverá ter respostas diferentes e que não vão medir esforços nesse sentido”, completou Feltraco.
Reativar Pro-CDD Agro do BNDES pode ser alternativa
A segunda proposta que também está em avaliação pelo ministro Fávaro é encabeçada pelos cerealistas. Ela tem um perfil mais amplo, pois a linha para capital de giro seria para cooperativas, cerealistas e revendas. Na última semana, quando o ministro da Agricultura visitou o Rio Grande do Sul, o presidente da Associação das Empresas Cerealistas do Brasil (Acebra), Jerônimo Goergen, apresentou a proposta. Além disso, um ofício da associação foi encaminhado ao Mapa na segunda, 22, reforçando a necessidade dessa medida.
“Há um problema que, como o produtor já está endividado nos bancos, o limite do crédito dele já estava impactado. Então, tanto as cooperativas, como as cerealistas e revendas, acabaram sendo, nos últimos anos, grandes financiadores do agro, seja através do barter ou de algum recurso direto. [Com a enchente] o produtor, que já estava endividado no banco, fica numa situação de não pagar ninguém”, reforçou Goergen em entrevista ao Agro Estadão.
Na análise das cerealistas gaúchas, essa dívida pode acabar prejudicando a continuidade dos negócios além do plantio da nova safra. Além disso, a compreensão é de que a MP das renegociações das dívidas rurais deve beneficiar principalmente os pequenos produtores, que são mais numerosos. “O problema está porque o grande volume de recursos está nos médios e grandes produtores e não temos clareza do que vai exatamente acontecer com eles [na MP]”, antecipou o presidente.
A proposta apresentada por Goergen é de que seja reativado o Pro-CDD Agro, um programa de financiamento dentro do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) que iniciou em 2018, mas depois foi descontinuado. Na época, eram duas linhas, uma voltada para pessoas físicas e outra para empresas e cooperativas, que podiam buscar crédito para alongar a dívida que os produtores rurais tinham com essas pessoas jurídicas.
O Pro-CDD Agro chegou a funcionar, mas também não surtiu o efeito desejado, com poucos recursos sendo liberados. O problema era a falta de garantia, que estava centralizada em um fundo de aval solidário. Mas com uma situação de endividamento geral, o fundo acabou não saindo do papel.
A sugestão agora é que esse fundo seja construído com os recursos das medidas de apoio e socorro aos produtores gaúchos. “Se o governo reativar essas linhas, com o fundo de aval que ele já tem, ele libera mais dinheiro gastando muito menos e para mais gente, inclusive, para médios e grandes produtores”, complementou Goergen. Ele também defende que além dessa garantia, o governo entre com a equalização dos juros, que na projeção feita pela Acebra seria em torno de 3%.
Assim como na proposta das cooperativas, essa linha emergencial seria para todo o Rio Grande do Sul e “não precisa estar dentro da MP”. Segundo o presidente, a estrutura já existe, “agora é só replicar”.
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