Agro na COP30
O que agrofloresta no interior do Pará tem a ver com sabonetes e xampus?
Conheça propriedade que começou com imigrante japonês de Fukushima e que hoje produz dendê e se aventura no mundo do cacau
Daumildo Júnior* | Tomé-Açu (PA) | daumildo.junior@estadao.com
16/11/2025 - 05:00

Cada um tem o seu preferido, seja pelo cheiro ou pelos resultados. Os xampus e sabonetes fazem parte da rotina do brasileiro, que culturalmente costuma encontrá-los ao menos uma vez ao dia. E alguns desses produtos começam a ser produzidos a cerca de 180 quilômetros de Belém (PA), na propriedade de 430 hectares da família Suzuki, em Tomé-Açu (PA).
A família, de origem japonesa, não tem uma fábrica de cosméticos e materiais de higiene pessoal. O que eles “fabricam” é o dendê, matéria-prima não só do óleo comestível como desses produtos da área de beleza. Porém, o modelo de produção utilizado ali ainda é considerado novo para os moldes convencionais. A propriedade aposta no Sistema Agroflorestal com Dendê (SAF Dendê).
A inovação no cultivo começou em 2008 em um projeto de pesquisa encampado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), a Natura e a Cooperativa Agrícola Mista de Tomé-Açu (Camta). Depois de dez anos, os resultados encontrados com esse sistema integrado convenceram produtores rurais e empresas a iniciarem a transição para esse modelo. Na propriedade da família, o que era um teste feito em seis hectares passou para 50 hectares. E a ampliação deve continuar, com o acréscimo de mais 120 hectares.
“Houve uma quebra de paradigma […] Antes, por não existir a pesquisa, obviamente que nós, como produtores de monocultivo de dendê, não podíamos cultivar qualquer outra espécie de monocultivo agroflorestal junto com dendê, porque, de repente, poderia prejudicar a produtividade. Mas hoje, com a pesquisa consolidada, nós estamos expandindo”, revelou a jornalistas o produtor rural Ernesto Suzuki, segunda geração da família em solo brasileiro.

O que é o SAF Dendê?
O SAF Dendê é uma variação do Sistema Agroflorestal de Tomé-Açu (SAFTA), praticado pelos cooperados da Camta. Ambos os sistemas preconizam a produção simultânea de múltiplas espécies e culturas, tanto agrícolas como florestais, em uma mesma área. A diferença é que o SAF Dendê tem a palmeira do dendê como a principal atividade do sistema. “A partir dela é que vai se pensar nas outras plantas”, comentou o produtor.
No caso da propriedade da família Suzuki, além de dendê, há até 14 tipos diferentes de culturas nas áreas produtivas. As mais destacadas são cacau, açaí, andiroba, ipê e acerola. Ernesto conta ainda que, nas novas áreas de SAF Dendê, algumas pequenas mudanças têm sido feitas, como menos plantas de açaí ou questões de espaçamento. Nesses sistemas, é importante observar as necessidades de cada planta, devido à disputa por sol e nutrientes no solo.
Outro ponto do sistema é que há uma integração entre culturas de ciclo curto (até um ano), médio (de um ano até cinco ou seis anos) e longo (mais de sete anos). “Desde o primeiro ano, nós, agricultores, podemos ter uma receita”.
Quais as vantagens do SAF Dendê?
Um dos aspectos destacados por Ernesto é a produtividade por planta. Em um manejo convencional, são 143 plantas por hectare e cada palmeira chega a produzir 139 quilos de cacho de fruto por ano. No sistema, a quantidade de árvores de dendê cai para algo entre 81 e 99, mas a produtividade vai para 180 quilos – o que se nota também em outras árvores, como o cacaueiro, que ali chega a produzir 1,1 quilo de amêndoa seca por árvore, enquanto a média da região é de 650 a 700 gramas.

O SAF Dendê também tem demonstrado certa resiliência em condições de estresse climático, como no ano passado, em que a região Amazônica passou por uma seca. “O açaí é muito sensível à falta de água. Mesmo irrigando, a gente viu, ano passado, algumas folhas secas. Aqui, nós não observamos isso. Quer dizer, o sistema é resiliente a essas mudanças climáticas”, disse o produtor.
Outro aspecto é a parte nutricional e o uso de controles químicos. A propriedade adota um manejo orgânico, mas Ernesto afirma que o sistema favorece um convívio harmônico. Na parte de adubação, a diversidade de plantas e resíduos gerados pela agrofloresta diminui a aplicação de adubos entre 10% e 15%. Já no caso de pragas e doenças, há um “equilíbrio”.
“A gente tem notado que nesses 17 anos, até agora, por enquanto, não observamos a importância de alguma praga ou doença aqui no sistema. Existem todas [pragas e doenças], mas a gente nota que está em equilíbrio. As várias outras espécies de microrganismos estão ali controlando essas doenças”, explicou.
Do dendê ao cacau
O dendê que sai da propriedade da família Suzuki é comprado pela Natura e utilizado na linha Biōme. Como conta a diretora de Sustentabilidade da empresa, Angela Pinhati, à reportagem, a ideia é expandir as compras de produtos originados na Amazônia. “Para 2050, a Natura buscará a substituição por insumos de origem amazônica de todas as matérias-primas que podem ser substituídas em seu processo de produção”, ressaltou. Isso tem motivado a expansão do SAF Dendê na região também, já que uma das metas da empresa é alcançar 40 mil hectares desse modelo produtivo até 2035.

Mas, aproveitando a diversificação, a família de origem japonesa também começou um projeto com cacau. A Casa Suzuki é a marca dos produtos feitos com cacau cultivados na propriedade. Além de chocolates, o destaque é o licor, que tem um gosto marcante da amêndoa. “É um projeto onde nós começamos em 2023, para, de alguma maneira, agregarmos valor ao nosso produto. Iniciamos com o projeto de beneficiamento de cacau”.
O passo seguinte foi tornar a produção da matéria-prima orgânica, o que possibilitou alguns testes como meliponicultura e até cultivo de cogumelos comestíveis na área. Agora, a expectativa de Ernesto é conseguir levar e apresentar parte desses produtos para os visitantes na Conferência sobre Clima (COP 30), em novembro.
*Jornalista viajou a convite do Sistema OCB
Newsletter
Acorde
bem informado
com as
notícias do campo
Mais lidas de Agro na COP30
1
Produtores rurais preservam 29% da vegetação nativa no Brasil, aponta Embrapa
2
Veja a proposta do agronegócio brasileiro para a COP 30
3
Pecuária brasileira será apresentada na COP 30 como parte da solução climática
4
Como vai funcionar a AgriZone na COP 30; confira a programação
5
Conheça as propostas da Embrapa para adaptar o agro às mudanças climáticas
6
Comunidade na Reserva do Tapajós, no Pará, quer virar modelo de produção ribeirinha
PUBLICIDADE
Notícias Relacionadas
Agro na COP30
Brasil lança primeira concessão florestal com foco em restauração e crédito de carbono
Concessionária também poderá explorar madeira e produtos florestais de uso comercial, como raízes, cascas, frutos, sementes, óleos e resinas
Agro na COP30
Brasil lança 'Carta de Belém' e pede ação global por biocombustíveis
Manifesto apresentado na COP 30 por entidades do setor de biocombustíveis pede ação imediata para expandir produção e uso do etanol, biometano e híbridos
Agro na COP30
Governo anuncia cobrança de R$ 476,2 milhões por delitos ambientais
Divulgação foi feita durante a COP 30, envolvendo 31,8 mil hectares; processo ainda prevê adesão um termo de ajustamento de conduta (TAC)
Agro na COP30
Embrapa reúne critérios que permitem ao agro acessar financiamentos verdes
Livro lançado na COP 30 inclui fatores que embasam a Taxonomia Sustentável e definem quais práticas são consideradas de baixo carbono
Agro na COP30
Publicação da Embrapa reúne métodos para medir carbono no agro
Livro lançado na COP 30 reúne métricas que quantificam emissões e reduzem gargalos de rastreabilidade
Agro na COP30
COP 30: Be8 apresenta biocombustível que iguala desempenho do diesel
O produto, inédito no Brasil, é apontado pela companhia como solução imediata e eficaz para a descarbonização do transporte pesado
Agro na COP30
Alface corre risco e adaptação não pode esperar, alerta pesquisador
Mapas sobre risco climático para a folhosa serão lançados pela Embrapa no próximo domingo, 16, durante a COP 30
Agro na COP30
No ritmo atual, pecuária brasileira pode reduzir 79,9% das emissões até 2050
Pesquisa da FGV Agro e da Abiec mostra que emissão por quilo de carne cairia de 80 quilos de carbono para 16,1 quilos