Agro na COP30
Belém 40 graus, COP da beleza e do caos
Se por um lado os visitantes se surpreenderam com a cultura local, por outro houve dificuldades de avançar no campo político
Artigo de opinião: Marcelo A. Boechat Morandi*
01/12/2025 - 14:54

A COP 30 em Belém revelou um contraste marcante entre a exuberância amazônica e as tensões políticas globais que atravessam as negociações climáticas. Sob um calor que chegava aos 40 graus, acompanhado de alta umidade e das tradicionais chuvas tropicais de fim de tarde, a cidade recebeu milhares de visitantes que experimentaram um pouco da complexidade amazônica.
Para brasileiros e moradores locais, o clima era cotidiano; para os estrangeiros, porém, cada chuva, cada sabor regional e cada paisagem ribeirinha eram motivo de encantamento. Ao longo da cidade, eram inúmeros os registros de celulares apontados para a Baía do Guajará, para sorvetes de sabores amazônicos e para pratos considerados “exóticos”, repletos de aromas e texturas vibrantes. As ruas e praças se encheram de movimento, com bancas de artesanato de povos indígenas e comunidades tradicionais quase sempre cheias, alimentando a economia local e promovendo uma interação cultural intensa, mesmo entre pessoas que não compartilhavam o mesmo idioma.
Mas, se a beleza se impunha, o caos — nesse caso, político e diplomático — também se fazia presente. Como afirmou Simon Stiell, secretário executivo da UNFCCC, a COP 30 ocorreu “em meio a águas políticas turbulentas”. Nada disso tinha a ver com filas de aeroporto, dificuldades de mobilidade urbana ou calor nos pavilhões, problemas já conhecidos em outras edições. O caos era outro: a dificuldade de avançar em consensos globais diante da urgência climática e das múltiplas agendas econômicas, sociais e ambientais em disputa.
No coração da conferência, estavam as negociações formais, conduzidas na BlueZone, onde delegados de 195 países buscavam alinhar interesses sob as rígidas regras do processo multilateral. A complexidade é imensa: cada decisão precisa respeitar princípios como “responsabilidades comuns, porém diferenciadas”, reconhecendo que todos devem agir, mas com pesos e obrigações distintas conforme realidades históricas e socioeconômicas. A lentidão, as tensões, os textos preliminares que vão e voltam, os rascunhos que desaparecem ou ressurgem — tudo isso faz parte da dinâmica própria do processo. A COP não é apenas um evento, mas um trabalho contínuo, acumulativo, que avança passo a passo.
Ao final, aprovou-se o chamado Pacote Político de Belém, composto por 29 decisões por consenso. O documento central, o “Mutirão Global”, reafirmou que a transição para economias de baixa emissão é irreversível, e conclamou os países a intensificar seus esforços para limitar o aquecimento a 1,5°C. Entretanto, a retirada do roadmap para eliminação gradual dos combustíveis fósseis e do roteiro para frear o desmatamento global gerou frustração. Apesar disso, mais de 80 países defenderam publicamente o tema, deixando claro que o debate continua. A Presidência da COP 30 anunciou que desenvolverá dois mapas do caminho: um para a transição energética e outro para a reversão do desmatamento.
Outros avanços foram significativos: a aprovação dos Indicadores Globais de Adaptação, tão esperados depois de anos de trabalho técnico, a criação de mecanismos para transição justa, o fortalecimento da transparência no Acordo de Paris e diretrizes que reorganizam o sistema internacional de financiamento climático. O Fundo de Perdas e Danos avançou em operacionalização, e o Fundo de Adaptação ampliou o teto de projetos, apesar da insuficiência de recursos ainda ser evidente.
Além das negociações, a Agenda de Ação impulsionou iniciativas concretas. O Fundo Florestas Tropicais para Sempre, já com US$ 6,5 bilhões mobilizados, busca assegurar financiamento permanente para proteger essas florestas. Na área de agricultura, dois destaques foram anunciados: o RAIZ, que pretende expandir experiências de recuperação de terras degradadas e agricultura resiliente; e o Plano TERRA, voltado à agroecologia e agroflorestas, fortalecendo produtores familiares e ampliando soluções baseadas na natureza.
A agricultura teve protagonismo inédito na COP 30, especialmente na AgriZone, espaço que reuniu mais de 25 mil visitantes em debates, vitrines tecnológicas e demonstrações de sistemas agroflorestais, de baixo carbono e tecnologias sociais da agricultura tropical. Delegações internacionais puderam ver no campo como ciência, inovação e práticas sustentáveis moldam um modelo agrícola que alia produção de alimentos e energia com mitigação e adaptação climática.
Belém, com sua beleza vibrante e suas contradições, tornou-se a metáfora perfeita do momento climático global: rica em potenciais, marcada por desafios profundos e colocada diante da urgência de acelerar ações. Como afirmou Simon Stiell, a conferência manteve a humanidade “na luta por um planeta habitável”.
Entre a beleza e o caos, a mensagem da COP 30 é clara: precisamos ir mais rápido, mais longe e agir juntos — e o tempo para isso é agora.
*Marcelo A. Boechat Morandi é Chefe de Relações Internacionais da Embrapa
Newsletter
Acorde
bem informado
com as
notícias do campo
Mais lidas de Agro na COP30
1
Produtores rurais preservam 29% da vegetação nativa no Brasil, aponta Embrapa
2
Quais os resultados o Agro do Brasil espera ao final da COP 30? Confira 5 pontos
3
Campo sustentável: entenda o que é bioeconomia
4
Fávaro descarta decisão “abrupta” e “impositiva” sobre o Plano Clima
5
Atração da COP 30: açaí vai da subsistência ribeirinha ao mercado global
6
Governo “dá sinais trocados” quando trata de Seguro Rural, avalia especialista
PUBLICIDADE
Notícias Relacionadas
Agro na COP30
Com fim da COP 30, qual o futuro da AgriZone?
Inovação brasileira, elogiada pelo setor e visitantes estrangeiros, pode virar centro internacional e ser replicada na COP31, na Turquia
Agro na COP30
COP 30 termina com Agro satisfeito, apesar de poucos avanços e problemas de representatividade
Cresce entendimento de que sistemas agroalimentares terão papel importante na próxima COP, que será realizada na Turquia e presidida pela Austrália
Agro na COP30
Seguradoras se preparam para cumprir normas socioambientais: como isso afeta o Seguro Rural?
CNSeg lançou, durante a COP 30, plataforma de consulta que seguradoras poderão acessar antes de firmar contratos
Agro na COP30
Governo “dá sinais trocados” quando trata de Seguro Rural, avalia especialista
Setor cobra mais previsão em orçamento, que atualmente pode ser contingenciado e tem gerado incerteza para seguradoras
Agro na COP30
ABPA defende atualização de bancos de dados internacionais sobre uso da terra
Segundo o presidente da associação, Ricardo Santin, produtores brasileiros podem ser penalizados por informações antigas
Agro na COP30
O que é e como aderir ao Protocolo de Carne de Baixo Carbono
Lançado durante a COP, protocolo receberá adesões a partir do início do próximo ano; MBRF deve pagar bônus pela carne certificada
Agro na COP30
Entenda o que é a taxonomia sustentável
Instrumento define critérios científicos para atividades agrícolas e combate práticas de greenwashing
Agro na COP30
Fávaro descarta decisão “abrupta” e “impositiva” sobre o Plano Clima
Em entrevista exclusiva, ministro fala sobre as metas climáticas e crítica países que “não põem a mão no bolso” para bancar financiamento climático