Economia
“Nordeste tem laranja, precisa de indústria”: supersafra escancara gargalo e aponta oportunidades
Produtividade pressiona fábricas processadoras de laranja e expõe urgência de investimentos, do cultivo ao beneficiamento da fruta

Paloma Santos | Brasília | paloma.santos@estadao.com
14/08/2025 - 08:00

O avanço da citricultura no Nordeste, em especial na Bahia e em Sergipe, evidencia uma realidade paradoxal: há laranja em abundância, mas falta indústria para processá-la. A produção cresce, a tecnologia no campo evolui, mas o parque industrial da região não acompanha esse ritmo. O resultado são carregamentos parados, produtores com prejuízo e pomares inteiros com colheitas comprometidas.
As longas filas nos pátios industriais chegam a acumular 200 veículos. Os caminhoneiros ficam até três dias aguardando para descarregar. Em todo o Nordeste, há apenas duas processadoras de grande porte: a Maratá e a Top Fruit, ambas localizadas em Sergipe. Segundo a Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Sergipe (Faese), algumas unidades interrompem o recebimento e há relatos de descarte de frutas nas estradas.
“A demanda é muito grande, tanto que a gente está pensando em ampliação em 30% da capacidade da indústria por causa dessa demanda de laranja”, afirmou Djalma Faria, gerente agrícola da Maratá. Segundo ele, a unidade vem operando com carga máxima e um aumento de 30% na quantidade de laranja processada por dia em relação ao mesmo período do ano passado.
Na Top Fruit, a situação é a mesma. Operações no limite. Tanto que o sócio proprietário da fábrica, Raelmo de Melo, não conseguiu atender à reportagem e pediu compreensão. “Tivemos um problema e a fábrica está parada. Tenho uma fila com 200 caminhões lá fora, preciso resolver o quanto antes”, disse.

Alta de preços em 2024 impulsionou investimentos na produção
Desde 2020, a cultura da laranja apresentava uma queda significativa no valor bruto de produção. No entanto, em 2024, apresentou uma valorização intensa, em função da baixa produtividade registrada no Sudeste — maior polo nacional. Com isso, os citricultores nordestinos chegaram a receber R$ 2.400 por tonelada, muito acima do preço normal.
Com dinheiro na mão, investiram nas lavouras, “o que acarretou neste pico de produção, em que as fábricas não tiveram capacidade de absorver tamanha safra”, explicou a economista da Faese, Paloma Gois. O mercado reagiu negativamente à superoferta, reduzindo os valores pagos pelo produto. Hoje, está em torno de R$ 600 a tonelada.
A Faese orienta que os produtores tentem vender, mesmo com preços baixos, articulando melhor a entrega. “Recomendamos também que os produtores não se desestimulem e nem parem os tratos culturais. O importante agora é tentar manter a sanidade e nutrição dos pomares.”
De acordo com o último levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), referente a 2023, a Bahia é o quarto maior produtor nacional, com Valor Bruto de Produção (VBP) de R$ 610.084, seguido de Sergipe, com R$ 394.859. Porém, mesmo sem dados oficiais, especialistas e gestores públicos acreditam em números mais robustos.
Produtores lidam com preços baixos e dificuldades de escoamento
Em Umbaúba, no sul de Sergipe, o produtor Marcos Trindade cultiva 200 hectares de laranja, com produtividade média de 30 toneladas por hectare. Filho de citricultor, explica que, desde menino, sabe que o período entre maio e julho é o mais difícil para distribuir a produção. Porém, com 51 anos, é testemunha da evolução da citricultura nordestina.

“O Sergipe e a Bahia têm investido em tecnologia de produção de uma forma que não deixam nada a desejar para a produção do Sul, do Sudeste, de São Paulo, algo que, no passado, era impensável”, justifica. “E há quem diga que nós não estamos nem na metade da capacidade de produção do Sergipe e Bahia”, complementa.
A dificuldade, segundo ele, está no processamento. “Quem escoa isso é a indústria, que está com limitações de processos. A indústria aqui está trabalhando 24 horas porque não dá conta da oferta. Um carro meu, para ser entregue, para ser descarregado, passa quase dois dias para descarregar”. O valor pago praticamente não cobre os custos, mas ele entende que as oscilações fazem parte do mercado.
Para Valter Cardoso, também de Umbaúba, o cenário é diferente. Pequeno produtor, ele planta três hectares e está com o pomar repleto de frutas maduras. “Normalmente, a gente só leva na beneficiadora e eles já pegam, mas esse ano tá diferente. A gente vai lá e eles não querem pegar a fruta. Tá cheio.”

Há três meses, ele tenta vender. “Se eu não tirar esse mês, eu vou perder toda a produção”, relata. O prejuízo estimado: “Uns 10 mil reais”. “Se eu perder, vou ficar sem poder cuidar do sítio. Não vou poder comprar o adubo, produto para pulverizar, não vou poder manter a propriedade, não vou poder limpar para produzir outra safra.”
Valter tentou outros caminhos, mas não conseguiu. “Procurei outros mercados pra botar pro comércio, mas o transporte tá fechado. Não tem comprador com a laranja, entendeu? […] Os caras falam: não tem carro pra carregar a laranja”. O escoamento para São Paulo não compensaria. É muito caro.
Em Vitória da Conquista (BA), os efeitos da superprodução foram minimizados devido ao acesso rodoviário. “Aqui, a gente não está tendo essa dificuldade, pelo fato da localização geográfica nossa, que fica bem às margens da BR-116. Então, tem uma conexão boa com a região Sudeste, a região de São Paulo, que pega essa fruta para processar e exportar, principalmente para os Estados Unidos”, diz Breno Pereira, citricultor e secretário de Agricultura local.
Segundo Breno, apenas ele e outro produtor atuam no município com os citros. Mas, graças ao potencial de clima e solo da região, um projeto local pretende estimular e apoiar 40 pequenos produtores. “Aqui, é uma região produtora de café há 50 anos e nós estamos buscando implantar a citricultura como diversificação.”

Superoferta regional, parque limitado
A engenheira agrônoma Mari Anna, consultora e representante da Associação Brasileira de Citros de Mesa (ABCM) no Nordeste, acredita que “há um desalinhamento entre o mercado comprador e o mercado produtivo neste momento. […] É um déficit industrial”.
“O que a gente produz hoje, em relação à área plantada, é maior em relação a números de matéria-prima do que as indústrias locais são suficientes para moer.” Ela lembra que, apesar da Bahia possuir o maior parque citrícola plantado, não tem indústrias que ajudem a dar vazão à cadeia produtiva.
Segundo ela, a citricultura nordestina ainda está em estruturação. “A citricultura está em desenvolvimento, diferente do resto do país, que é consolidada, estruturada. […] Gosto de falar que é uma cadeia em desenvolvimento”.
Para secretaria, gargalo está no planejamento
A Secretaria da Agricultura de Sergipe informou as duas indústrias processam, juntas, quatro mil toneladas por dia. “Temos em Sergipe uma produção de laranja com alto nível de excelência, que não perde para nenhum país do mundo em tecnologia”, afirmou o secretário Zeca Ramos da Silva ao Agro Estadão.
Na avaliação do gestor, o estado não tem problemas no escoamento da produção. “Pelo que conversamos com a indústria, aproximadamente 35% da laranja processada é de Sergipe. Outra parte (cerca de 65%) vem do norte da Bahia. Logo, podemos ver que Sergipe não tem problema com o escoamento da produção”, disse.
Para o secretário, o gargalo está no escalonamento da colheita e também no atendimento às exigências de qualidade do mercado internacional. “É necessário um planejamento na colheita e escala de entrega nas indústrias que são os maiores compradores. Agora em 2025, as indústrias estão pedindo aos produtores agendamento das entregas, coisa que não acontecia no passado”.
A Secretaria de Agricultura da Bahia não se manifestou até o fechamento da reportagem.

Há espaço para pequenos e grandes investidores
Para o produtor e empresário Vagner Batista, idealizador da Rota da Laranja e representante da Maratá Inhambupe (BA), além do déficit no parque industrial, uma dificuldade é falta de diversificação de espécies. “Plantamos em grande parte, uma variedade só, que é a pera rio. Consequentemente, a gente tem um acúmulo de safras.”
Segundo ele, o produtor pequeno é o que tem mais dificuldade e precisa de apoio. “Ele não tem caminhão, ele não tem um plano B pra fazer outra coisa”. Em situações normais, a empresa busca priorizar o recebimento do material fornecido pelos pequenos empreendedores rurais.
O ideal, de fato, é a construção de uma nova indústria, que pode levar de dois a três anos, a um custo de meio bilhão de reais. “Tecnicamente, a gente está evoluindo muito. É uma região que precisa da atenção de novos investidores. A gente não tem pragas e doenças que tem no Sudeste e no Sul. Além disso, temos terras aqui comparadas a outras regiões ainda com preços competitivos”, destaca.
Vagner aponta ainda um caminho, mais imediato e barato: a criação de novas indústrias, menores, de suco natural. “São mais fáceis de serem montadas e consomem uma quantidade de laranja pequena, mas já vai ajudar.”

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