Agropolítica
Nova geopolítica: ganhos do agro dependerão de posicionamento do Brasil, alertam especialistas
Existem oportunidades para o setor produtivo no curto, médio e longo prazos, mas será necessária a formulação de novas estratégias

Sabrina Nascimento | São Paulo | sabrina.nascimento@estadao.com
07/05/2025 - 08:00

As mudanças no cenário geopolítico global vêm desenhando novos contornos para o agronegócio tropical. A avaliação é de que o Brasil tem diante de si um cenário de oportunidades no curto, médio e longo prazos, mas que o benefício total dessas transformações dependerá do grau de protagonismo com que o país se posicionar. Esse foi o tom do painel “Mudanças na geopolítica e impactos no Agro Tropical”, promovido pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), em parceria com o Estadão e Broadcast.
Para André Pessôa, presidente da Agroconsult, os impactos positivos da nova conjuntura global já são sentidos nas principais cadeias produtivas, como carnes e soja — este último com ganhos através da valorização dos prêmios para exportação. No entanto, o executivo alerta que os maiores ganhos virão no médio e longo prazos.
“A China, por exemplo, estava preparada para esse novo cenário [guerra comercial]. Eles estão com estoques cheios de milho e proteína”, destacou. Segundo ele, diferentemente da primeira guerra comercial com os Estados Unidos (entre 2018-2019), o governo chinês desta vez está “jogando truco” e parece que a carta está com eles.
Ainda mencionando o acordo comercial feito entre as duas potências mundiais ainda no primeiro conflito tarifário, Pessôa salientou que a pandemia impediu a concretização das normas da negociação. Isso, de acordo com o especialista, poderia ter resultado em prejuízos para o agro brasileiro.
Agora, a expectativa é de que um novo pacto seja selado. “Há apetite dos dois lados para um avanço [de acordo], e os chineses estão revendo seus planos de abastecimento, o que abre janelas para rever acordos e consolidar novas parcerias”, disse.
A principal mensagem neste momento, segundo ele, é que o Brasil deve adotar uma postura mais agressiva, não em negociações, mas com uma postura menos defensiva, formulando suas próprias estratégias. “Se ficarmos esperando uma nova organização global, vamos apenas nos beneficiar de forma passiva. Precisamos mapear onde estão nossas oportunidades e avançar em áreas estratégicas”, reforçou.
Multiplicação dos riscos
Na visão da CEO do Rabobank Brasil, Fabiana Alves, com a geopolítica atual, os riscos para o agro se multiplicaram, mas ainda estão sob controle. “Risco climático, câmbio, commodities e agora a geopolítica. Apesar disso, no curto prazo, não há impactos negativos relevantes. Podemos até ver ganhos em algumas commodities, como café e celulose, embora sejam limitados”, disse.
A executiva também destacou o papel do Brasil no abastecimento da China, cuja demanda deve crescer. Segundo ela, tudo vai depender da forma como os outros players [países] se reposicionarem no quadro mundial. “O Brasil está bem posicionado, mas precisamos colocar a casa em ordem, especialmente no atendimento de crédito ao pequeno e médio produtor, sem esquecer da grande indústria”, ressaltou.
Alves reforçou ainda que a agenda de sustentabilidade não deve sair da pauta. Citando a China, que está em um processo intenso de restauração florestal, ela destacou a relevância das discussões para regulação do mercado de carbono. “O mercado de carbono pode ser a próxima commoditie exportada pelo Brasil. E isso vai acontecer independentemente da geopolítica. O mundo vai precisar de carbono e é uma demanda democrática”, afirmou.
Visão do velho continente
Pedro Miguel da Costa, embaixador do Brasil junto à União Europeia, compôs o painel de debate na tarde desta terça-feira, 6. Direto de Bruxelas, na Bélgica, ele reforçou que o bloco enfrenta hoje três conflitos com naturezas distintas: a guerra na Ucrânia, uma nova fase nas relações com os Estados Unidos e um relacionamento tenso com a China. Isso, segundo ele, reforça a discussão sobre segurança alimentar, autonomia e competitividade.
Costa pontuou ainda que há um novo protecionismo em ascensão, e que a sustentabilidade está no centro da agenda. “A legislação antidesmatamento, por exemplo, não é apenas ambiental. Tem como objetivo controlar o uso da terra em países terceiros”, alertou, ponderando que, como o Brasil já é o maior fornecedor agrícola para a União Europeia, precisa se preparar para os desafios futuros.
E o desafio futuro deve bater na porta logo mais. Conforme ele, é possível que, no segundo semestre deste ano, o agro brasileiro sofra mais ataques, pois serão intensificados os trabalhos para aprovação do acordo Mercosul-UE no Parlamento e na Comissão do bloco europeu. “O Brasil precisa estar atento: o acesso ao mercado europeu é um selo de qualidade que abre portas em outros destinos”, destacou.
Ele reforçou ainda que, apesar da resistência que virá, o momento geopolítico favorece o Brasil, uma vez que há uma maior abertura para discutir o acordo, que, segundo ele, pode ser um divisor de águas, inclusive com efeitos indiretos no setor energético e, por consequência, no agro.
A era do milho
Em relação à safra de grãos 2025/26, a perspectiva é otimista. Pessoa destacou que parte da área de soja da temporada atual (2024/25) deve migrar para o milho verão, acompanhando uma tendência que ele apelidou de “década do milho”.
Porém, esse movimento não representa uma retração da soja. Pelo contrário. Ele acredita que ainda existe espaço para expansão da cultura. “Os preços [das commodities] devem melhorar e, mesmo com a soja ainda crescendo, a produção de milho de verão volta a ser atrativa”, salientou. Ele ponderou, entretanto, que o fator que inibe investimentos no campo atualmente é a taxa de juros. Mas, apesar disso, com os fatores atuais, “o horizonte é positivo” para o agronegócio do Brasil.

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