Sustentabilidade
Estudos na Amazônia e no Cerrado mostram vantagens econômicas da produção sustentável
Embrapa e Banco Mundial testaram viabilidade financeira da Integração Lavoura Pecuária-Floresta e de Sistemas Agroflorestais

Igor Savenhago | Ribeirão Preto (SP)
20/09/2025 - 08:00

Estudos inéditos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) em parceria com o Banco Mundial reforçam a viabilidade financeira da Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF) e dos Sistemas Agroflorestais (SAFs). Além de indicarem ganhos de produtividade, os dados oferecem subsídios para políticas públicas de conservação ambiental e resiliência climática, de segurança alimentar, de geração de emprego e renda, e de linhas de crédito rural, especialmente voltadas à agricultura familiar. Também trazem desafios e recomendações para ampliar, na Amazônia e no Cerrado, a adoção de sistemas de produção sustentáveis.
Os sistemas ILPF integram agricultura, pecuária e floresta numa mesma área, por meio de sucessões, consórcios ou rotações de culturas. Já os SAFs associam árvores frutíferas ou madeireiras a lavouras de ciclo curto, como grãos, e a cultivos semiperenes, como banana, mandioca e abacaxi.
Pela primeira vez, a análise desses modelos vai além do impacto ambiental e agronômico, demonstrando que também são economicamente vantajosos em comparação com os sistemas convencionais. Foram avaliadas cinco experiências nos dois biomas, implantadas desde os anos 1990, em estados como Pará, Rondônia e Mato Grosso – todas monitoradas pela Embrapa -, com destaque para indicadores de rentabilidade, uso eficiente da terra e redução da pressão por abertura de novas áreas.
Os resultados, que consideram áreas atualmente ocupadas por pastagens de médio vigor — que ainda sustentam a pecuária, mas já apresentam perda de produtividade -, poderão embasar estratégias do Banco Mundial e favorecer a inserção desses sistemas em programas como o Plano Safra da Agricultura Familiar. “Na Amazônia, em particular, é urgente expandir sua adoção”, afirma Judson Valentim, pesquisador da Embrapa Acre.
Leonardo Bichara Rocha, economista agrícola sênior do Banco Mundial, destaca a relevância do trabalho. “A pesquisa comprova que, além de benefícios ambientais, ILPF e SAFs asseguram retornos econômicos superiores aos modelos tradicionais. Essa é uma evidência central para orientar políticas públicas e mecanismos financeiros voltados ao uso sustentável da terra”, avalia.

ILPF apresenta maior rentabilidade
Segundo a síntese, a conversão de 20,8 milhões de hectares do Cerrado em ILPF poderia gerar US$ 23,5 bilhões em receita líquida ao ano, movimentar US$ 59,9 bilhões na economia e criar 159,5 mil empregos. Na Amazônia, a transformação de 22 milhões de hectares de pastagens de médio vigor em ILPF teria potencial de injetar US$ 56,2 bilhões na economia brasileira.
Esse sistema mostrou desempenho econômico mais consistente. No Cerrado, por exemplo, uma fazenda de ILPF obteve lucro bruto 8% superior ao de uma propriedade de monocultivo agrícola e mais que o dobro de uma de pecuária extensiva. A taxa interna de retorno e o retorno sobre o investimento também superaram os obtidos pelos modelos convencionais.
O estudo demonstra, ainda, que a ILPF reduz custos unitários e aumenta a produtividade animal e agrícola. “Essas características tornam o sistema uma alternativa capaz de reduzir o desmatamento e otimizar o uso de recursos naturais”, observa Júlio César dos Reis, da Embrapa Cerrados.
SAFs garantem diversificação e renda a longo prazo
Os sistemas agroflorestais, mais comuns em propriedades familiares, demandam investimento inicial elevado, mas revelaram lucratividade significativa em prazos mais longos. A inclusão de cultivos de maior valor agregado, como açaí e cacau, aumentou a rentabilidade em modelos avaliados no Pará e em Rondônia.
Um dos SAFs apresentou retorno de US$ 9,20 para cada dólar investido, graças à combinação de amêndoas de cacau e açaí. Segundo Valentim, a característica diversificada desses arranjos garante segurança financeira ao produtor. “Se um produto tem preço baixo em determinada safra, outro pode compensar a perda, tornando o sistema mais resiliente”, explica.
Por outro lado, há, conforme o pesquisador, a necessidade de políticas de crédito com tempos de carência mais longos, já que o retorno dos investimentos aos produtores tem um prazo médio estimado em seis anos.

Desafios para ampliar a adoção
Apesar do potencial, os pesquisadores identificam entraves que dificultam a expansão de ILPF e dos SAFs. Entre eles, políticas de crédito pouco adaptadas ao fluxo de caixa de longo prazo, carência de assistência técnica especializada, mão de obra limitada e ausência de infraestrutura adequada em regiões afastadas das áreas tradicionais de produção de soja e milho no Cerrado. Os pesquisadores recomendam investimentos em ferrovias e hidrovias, como estratégia para conquistar novos mercados e potencializar a competitividade.
No campo ambiental, a falta de regulamentação da Lei da Lei 14.119/2021, que institui a Política Nacional de Pagamentos por Serviços Ambientais, também é apontada como obstáculo. Além disso, os especialistas alertam para lacunas de conhecimento econômico-financeiro sobre esses sistemas, em parte pela dificuldade de coleta de dados de campo e pela diversidade de metodologias aplicadas.
Perspectivas
A ILPF ocupa cerca de 17 milhões de hectares no Brasil, o que representa 7% da área agropecuária nacional. Para os pesquisadores, a integração de informações econômicas, sociais e ambientais é fundamental para embasar novas políticas e ampliar a escala de adoção dessas práticas sustentáveis.
“Ao apontar não apenas o potencial como também barreiras para a adoção e lacunas de conhecimento sobre os sistemas de ILPF e os SAFs, esperamos que esta síntese possa estimular uma agenda de pesquisa que leve à construção de um banco de dados robusto sobre esses sistemas no Brasil”, conclui Reis.

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