Sustentabilidade
Decisão do Cade põe fim à Moratória da Soja em janeiro de 2026
Plenário confirmou posição da Superintendência-Geral, mas manteve a moratória até dezembro de 2025, suspendendo o acordo em janeiro de 2026

Sabrina Nascimento | São Paulo | sabrina.nascimento@estadao.com | Atualizada às 16h48
30/09/2025 - 15:41

O Tribunal do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), por maioria, decidiu acatar, parcialmente, as medidas preventivas da Superintendência-Geral do órgão contra a Moratória da Soja estabelecidas em agosto deste ano. Na prática, a decisão desta terça-feira, 30, mantém o acordo vigente até 31 de dezembro de 2025, suspendendo, porém, a aplicação da Moratória a partir de 1º de janeiro de 2026.
Segundo o órgão antitruste, a decisão visa garantir tempo para que empresas e agentes públicos dialoguem sobre a aplicação do acordo. Vigente desde 2006, a moratória limita a compra de soja oriunda de áreas desmatadas na Amazônia após 22 de julho de 2008, marco estabelecido pelo Código Florestal Brasileiro.
O conselheiro José Levi, divergindo parcialmente do relator, destacou a necessidade de alinhar a decisão do Cade às orientações do Supremo Tribunal Federal (STF). “Eu sugiro, voto […] de modo a fazer valer no espaço decisório próprio dessa autoridade da concorrência uma decisão vigente e vinculante do Supremo Tribunal Federal […] dando parcial provimento aos recursos voluntários de modo a suspender, ou melhor, manter suspensa a eficácia da medida preventiva […] até 31 de dezembro de 2025, tempo para que as partes privadas e os agentes públicos possam dialogar”, afirmou.
O relator do caso, conselheiro Carlos Jacques, defendeu a manutenção integral da medida. “Ela gera efeitos imediatos no funcionamento do mecanismo de moratória da soja, ela gera efeitos imediatos no próprio funcionamento de mercado”, disse. Segundo Jacques, postergar a análise do processo “não seria nem regimentalmente defensável e não seria prudente também”.
O presidente do Cade, Gustavo Augusto, reforçou que a medida preventiva não entra em conflito com a legislação ambiental, mas estabelece condições para evitar decisões unilaterais por parte de multinacionais. “Não dá pra deixar multinacional estrangeira ficar regulando um produto essencial à vida humana porque estamos falando de alimentação. Soja é proteína […]. Toda cadeia da carne depende da soja”, afirmou. Ele também ressaltou que o prazo de início do cumprimento, em 1º de janeiro de 2026, permite que as empresas se adequem às regras.

Foto: Cade/Reprodução
Aprosoja-MT e CNA comemoram
Em nota divulgada após o julgamento desta terça-feira, 30, a Associação Brasileira dos Produtores de Soja de Mato Grosso (Aprosoja-MT) disse que os votos do relator e do presidente do Cade, sobre as medidas preventivas da Superintendência-Geral, reforçam os indícios de cartel e as distorções geradas por esse mecanismo e suas práticas anticoncorrenciais que lesam o ambiente de mercado justo e competitivo.
“As manifestações da Superintendência-Geral do Cade, do relator e do presidente mostram que o fim da moratória é um passo essencial para o Brasil reafirmar que sustentabilidade e legalidade não se opõem, afinal não se pode simular políticas ambientais como pretexto para a exclusão econômica”, disse o comunicado.
A Aprosoja-MT afirmou ainda que seguirá vigilante e atuante para garantir que produtores que respeitam a lei também tenham o direito de produzir, prosperar e contribuir com o desenvolvimento do país.
Também em nota, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) reafirmou sua convicção com relação à ilegalidade da moratória da soja, respeitando a decisão do Cade. “A CNA está confiante que a moratória será encerrada, no mais tardar, em 1º de janeiro de 2026”, salientou.
Antes dos votos dos conselheiros
Antes da análise do caso pelos conselheiros do Cade, representantes de entidades favoráveis e contrárias à suspensão da moratória da soja apresentaram suas argumentações.
Representando a Associação Brasileira dos Produtores de Soja de Mato Grosso, o Dr. Marco Aurélio afirmou que a moratória da soja “é uma política declarada de restrição à compra do grão”. Segundo ele, “traders, em sua maioria estrangeiras, como principais players do mercado relevante da soja, exercem posição dominante, chegando a 87%, 90% e, em alguns municípios, até 100% do mercado de grãos de soja”.
Ele lembrou ainda que, a partir de 2012, as empresas chegaram a dizer que áreas legalmente abertas não seriam mais compradas pelas principais traders do mercado, mesmo que totalmente validadas pelo Sistema Nacional do Meio Ambiente. “No seu artigo 12, o Código Florestal, é muito claro em dizer, e é um dos códigos florestais mais rígidos de todo o globo, que cada proprietário ou produtor rural tem, sim, direito ao usufruto e algozo de 20% no bioma amazônico, sendo 80% do seu território, da sua propriedade, dedicada à preservação ambiental. Então houve um grande pacto para que não houvesse mais a compra de grãos de soja de áreas desflorestadas a partir de 2008”, defendeu.
Na sequência, a dra. Amanda Flávio de Oliveira, representante da CNA, citou as perdas econômicas causadas pela moratória. “Trata-se no exercício feito pela CNA, especificamente pela nossa consultoria econômica, de, em um período de 2018 a 2020, uma perda acumulada de R$ 55,1 bilhões de IPI dos municípios afetados. Trata-se, nesse mesmo período, de uma perda acumulada dos preços pagos aos produtores rurais de R$ 4,01 bilhões. Trata-se, em três anos, no mesmo período, de um aumento médio do peso do óleo de soja em 16%”, apontou.
Oliveira argumentou ainda que a decisão do Cade sobre a Moratória refere-se à soberania do Brasil. “Nós vamos aplicar a lei brasileira que estabelece a política nacional de proteção da Amazônia, o Código Florestal. Ou nós vamos ceder a exigências de um comprador minoritário nosso, que é a União Europeia?”, questionou em sua fala.
A favor da Moratória
Por sua vez, o dr. Daniel Gustavo Santos Rocha, procurador federal pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), destacou que o acordo não viola qualquer dispositivo do Código Florestal. “A moratória não é ilegal, pois a lei estabelece um piso, e não um teto, de proteção ambiental. O compromisso assumido pelo Brasil na esfera internacional estabelece um padrão ainda mais rigoroso, voltado ao desmatamento zero”, defendeu.
Ele ponderou ainda que o acordo não impediu o avanço da produção de soja na região. “Ao longo dos quase 20 anos de vigência do pacto, a produção de soja na região aumentou mais de 400%, enquanto o desmatamento nas áreas monitoradas foi reduzido pela metade”, disse. Segundo Rocha, o acordo trouxe um equilíbrio notável a essa “sensível equação: garantir a produção sustentável na Amazônia”.
O representante da Advocacia Geral da União, representando o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, dr. Ricardo Cavalcante Barroso, reforçou a importância do pacto para se atingir as metas climáticas. “Estamos falando de instrumentos essenciais para que o Brasil possa atingir efetivamente os índices necessários para afastar a ameaça climática e alcançar as metas de desmatamento zero”, disse. “O acordo da moratória é muito exitoso e exemplar, não apenas no combate ao desmatamento e na redução de gases de efeito estufa, mas também na própria formatação desses instrumentos econômicos, que são igualmente relevantes para o cumprimento das metas nacionais de combate às mudanças climáticas”, acrescentou.
A Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) refutou o argumento de formação de cartel. O advogado da entidade, dr. Francisco Ribeiro Todorov, disse que “não existe qualquer correlação entre a atividade da moratória da soja e o cartel de compras”. “O cartel de compras é onde as empresas se reúnem para fixar preços de produtos que eles adquirem. Nada tem a ver com a moratória”, disse.
Ele lembrou ainda que o acordo foi utilizado pelo governo brasileiro no âmbito da investigação da Seção 301, aberta pelos Estados Unidos contra o Brasil sob o argumento de práticas desleais de comércio. “Ao longo dos anos, ela, a moratória, se consolidou como um dos mecanismos mais eficazes para conter o avanço do desmatamento na Amazônia, impulsionado pela expansão da agricultura. A sua manutenção é essencial, não apenas para a proteção ambiental, mas também para garantir a credibilidade internacional e a sustentabilidade do agronegócio brasileiro”, disse, citando um trecho da avaliação do Ministério da Agricultura e Pecuária arquivado junto à defesa do Brasil no processo aberto nos EUA.

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