Economia
Tarifaço: cacau pode perder U$ 36 milhões só em 2025
Indústria processadora já prevê ociosidade de 37% com as novas tarifas; principal produto afetado é a manteiga de cacau

Paloma Santos | Brasília | paloma.santos@estadao.com | Atualizada em 06.08.2025, às 09h08
04/08/2025 - 14:32

A tarifa adicional de 40% anunciada pelo governo dos Estados Unidos sob produtos brasileiros também impacta o setor de cacaueiro. A estimativa é que, caso a tarifa seja mantida, o setor possa perder pelo menos US$ 36 milhões apenas em 2025, estimou a Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau (AIPC) em nota divulgada nesta segunda-feira, 5.
As indústrias moageiras têm os EUA como o segundo maior comprador de manteiga de cacau. Cerca de 20% das exportações totais do setor — que inclui outros derivados da amêndoa, como o licor, o cacau em pó, e a pasta de cacau — são destinadas ao mercado norte-americano.
Em 2024, as exportações de derivados de cacau cresceram, totalizando 50.257 toneladas, um aumento de 6,2% em relação às 47.335 toneladas exportadas em 2023. A Argentina liderou o ranking de destinos, com 23.3 mil toneladas em importações, seguida pelos Estados Unidos (8.1 mil toneladas) e Países Baixos (6.2 mil toneladas). Só no primeiro semestre de 2025, segundo a AIPC, as exportações aos EUA ultrapassaram US$ 64 milhões.
Para Anna Paula Losi, presidente-executiva da AIPC, a medida compromete o produto brasileiro. “Com essa taxa de 50%, o nosso produto perde a competitividade no mercado americano”, disse. “Eles têm como conseguir fazer manteiga de outros mercados que estarão bem mais competitivos do que o brasileiro”.
A entidade também defende a continuidade das negociações e pede ao governo medidas emergenciais que incluam a prorrogação do prazo e a criação de linhas de crédito específicas para o setor e apoio à diversificação de mercados.
Segundo Anna, diferentemente do pó de cacau, a manteiga tem maior valor agregado e não pode ser absorvida facilmente por outros mercados. “É um produto mais caro e, por ser mais caro, é normalmente consumido por países mais ricos. Então, quais seriam os outros destinos dessa manteiga? Ela poderia ir para a Europa, mas a União Europeia é o maior produtor de derivado do mundo”, justifica.
De acordo com a dirigente, a impossibilidade de redirecionar esse volume compromete a operação das indústrias moageiras. “Não tem porque eu produzir manteiga, porque o Brasil não vai conseguir consumir essa manteiga e se eu tiver um excesso de manteiga, eu vou trazer desequilíbrio para o mercado.”
Por isso a associação já estima uma ociosidade da indústria processadora, que está em 23,83% por conta da escassez da amêndoa, podendo atingir até 37%, se considerados os dados consolidados de 2024.

Produtores não devem ser afetados
Atualmente, a produção nacional de cacau, estimada em 190 mil toneladas em 2024, é insuficiente para abastecer o mercado interno. Ela é cultivada por cerca de 90 mil agricultores — em sua maioria, produtores familiares.
Assim, toda a matéria-prima utilizada pela indústria de moagem para produzir os derivados para exportação é importada da África sob regime de drawback, que permite a importação de insumos com suspensão de tributos, desde que destinados à exportação.
Desta forma, de imediato, a taxação não causa impacto para os produtores de cacau, como defende a presidente da Associação Nacional dos Produtores de Cacau (ANPC), Vanuza Barroso. “Nós, produtores rurais, estamos isentos de tarifa de Trump. A gente produz para o consumo interno”.
A produtora lembra que a demanda global supera a oferta de cacau. “Hoje existe um déficit global estimado em quase 500 mil toneladas. Ou seja, está faltando cacau no mundo”. Em 2024, o preço da amêndoa atingiu níveis recordes, com um aumento de até 150% em relação ao ano anterior. O salto foi impulsionado pela alta da demanda global e a redução na oferta devido a problemas climáticos e fitossanitários em importantes regiões produtoras, como na Costa do Marfim.
João Tavares, um dos maiores produtores do país, figura entre uma minoria que exporta o cacau fino, amêndoa especial que pode custar de duas a cinco vezes o valor das bolsas internacionais. Proprietário da Fazenda Leolinda, em Uruçuca (BA), de 700 hectares, colhe entre sete e 10 mil arrobas por ano.
O principal destino das amêndoas especiais produzidas por ele é a Europa. Na avaliação do empresário, o impacto não será significativo e a indústria de moagem pode buscar mercado na Europa. “É um cacau importado, então, obrigatoriamente, esse cacau deve ser retornado para o mercado externo. Então, se ele obrigatoriamente tem que voltar para o mercado externo, que impacto ele pode ter no mercado interno que ele é deficitário?”, justificou.

Newsletter
Acorde
bem informado
com as
notícias do campo
Mais lidas de Economia
1
Pouco espaço em casa? Veja como fazer uma horta vertical
2
Chamada de nova soja, cannabis pode gerar quase R$ 6 bilhões até 2030
3
Fazendas e usinas de álcool estavam sob controle do crime organizado
4
Conheça a frutinha 'parente' da jabuticaba e pouco explorada
5
Pilão entra no mega-acordo do café e acende alerta sobre concentração de mercado
6
EUA caem para 7º lugar entre destinos da carne bovina brasileira em agosto

PUBLICIDADE
Notícias Relacionadas

Economia
BB já liberou R$ 40 bilhões em financiamentos na safra 25/26
Banco vai oferecer R$ 230 bilhões em financiamentos para o agronegócio nesta safra, volume 2% superior se comparado à temporada passada

Economia
Importações de milho pela China caem 90,5% em agosto
No acumulado do ano, as compras somaram 880 mil toneladas, recuo de 92,9% na comparação com igual período do ano passado

Economia
Safra 2025/2026 deve bater novo recorde com 353,8 milhões de toneladas
Conab projeta que a soja pode chegar a 177,6 milhões de toneladas, com uma área 3,7% superior em comparação com a temporada passada

Economia
Acordo Mercosul-EFTA é avanço para carne de frango, avalia ABPA
O acordo prevê uma cota 1 mil toneladas de carne de frango por ano, com tarifa zero, a ser redistribuída entre os países do Mercosul
Economia
Juros menores nos EUA fortalecem real e pressionam exportações do agro
Professor Fava Neves analisa corte de juros, oscilação do dólar e efeitos sobre soja e milho
Economia
EUA avaliam ajuda para agricultores em meio a impasse com a China
Agricultores dos EUA ainda não venderam soja da nova safra à China e acumulam perdas bilionárias; safra recorde de milho pressiona ainda mais
Economia
Margem da indústria de carnes segue pressionada por tarifa dos EUA
Associação que reúne empresas como JBS, Marfrig e Minerva cobra que governo brasileiro siga na busca por negociações com Trump
Economia
Anec prevê até 18,07 milhões de toneladas exportadas em setembro
Alta de milho e farelo compensa ritmo menor da soja