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Celso Moretti

Engenheiro Agrônomo, ex-presidente da Embrapa

Esse texto trata de uma opinião do colunista e não necessariamente reflete a posição do Agro Estadão

Opinião

A volta do Brasil como epicentro do cacau está próxima?

Durante boa parte do século passado, o Brasil ocupou lugar de destaque na produção mundial de cacau 

05/05/2025 - 08:00

Foto: Adobe Stock
Foto: Adobe Stock

Entre as décadas de 1930 e 1980, o “ouro negro” brotava com vigor no sul da Bahia, tendo Ilhéus e Itabuna como polos efervescentes dessa cadeia. O cacau era símbolo de prosperidade e moldou não apenas a economia, mas também a cultura local — imortalizada nas obras de Jorge Amado, como Cacau e Gabriela, Cravo e Canela.

Mas esse império ruiu com a chegada da vassoura-de-bruxa no final dos anos 1980, uma doença fúngica que devastou a produção baiana e lançou a região numa crise econômica e social profunda. De lá para cá, o Brasil nunca mais ocupou seu lugar de protagonismo no setor. Hoje, mais de 60% da produção global está concentrada na África Ocidental, em países como Costa do Marfim e Gana que produzem, respectivamente, 2 milhões e 700 mil toneladas ao ano.

No entanto, o cenário internacional começa a virar. A produção africana encolheu nos últimos anos, pressionada por mudanças climáticas, envelhecimento das lavouras e recorrência de doenças. O resultado? A cotação do cacau disparou — em 2024, a tonelada da amêndoa chegou a beirar os 13 mil dólares. Para o consumidor, o reflexo é imediato: os ovos de Páscoa subiram quase 10% este ano, acumulando 43% de alta nos últimos três.

Essa crise global escancarou uma janela de oportunidade para o Brasil. E como é praxe no agronegócio nacional, os olhos se voltaram para a adoção de tecnologia e inovação. A aposta agora vem de grupos empresariais que desejam transformar o oeste baiano — conhecido por sua produção de grãos como soja e milho — no novo epicentro do cacau brasileiro.

A proposta é ambiciosa: investir mais de 300 milhões de dólares para cultivar cacau em áreas de cerrado, com alta tecnologia. O palco é novamente o estado de Jorge Amado. Só que desta vez, em uma região distante 1000 quilômetros de Ilhéus e Itabuna: o oeste baiano. A região, que congrega municípios como Luís Eduardo Magalhães, transformou-se nas últimas décadas numa potência agrícola, sobretudo na produção de soja, milho e algodão. Agora, recebe o cacau. O modelo prevê plantios irrigados, fertilização controlada e aumento no adensamento das lavouras, com 1600 plantas por hectare — cinco vezes mais do que o modelo tradicional. Já há áreas produzindo 3 toneladas por hectare, seis vezes mais que a média da Costa do Marfim.

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Se tudo correr conforme o planejado, o Brasil poderá plantar até 500 mil hectares em uma década, atingindo uma produção de 1,6 milhão de toneladas por ano. Isso nos colocaria como o segundo maior produtor global, com ganhos imensos em competitividade, autonomia e inserção geopolítica.

Mas é preciso cautela. O tamanho do projeto é proporcional ao tamanho dos desafios. A produção em larga escala exige um controle rigoroso de riscos fitossanitários, investimentos em mecanização da colheita, estratégias de comercialização que resistam à volatilidade dos preços e, principalmente, compromisso com boas práticas ambientais. Não se trata apenas de produzir mais, mas de produzir com responsabilidade — conciliando desenvolvimento com conservação.

Além disso, há uma dimensão social e histórica que não pode ser ignorada. O renascimento do cacau deve se conectar com o legado deixado no sul da Bahia. Reerguer essa cultura milenar é também uma oportunidade de resgatar conhecimentos, fortalecer economias regionais e recontar uma história que parecia ter sido interrompida pela praga de um fungo.

O Brasil já mostrou inúmeras vezes que sabe aproveitar momentos críticos para se reinventar no campo. Que essa nova empreitada no cacau seja mais uma prova de nossa capacidade de transformar crise em oportunidade — e amargura em sabor. Se houver visão estratégica, articulação pública e privada e compromisso com inovação sustentável, o “ouro negro” pode voltar a brilhar. Desta vez, com mais força e propósito.

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