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Welber Barral

Conselheiro da Fiesp, presidente do IBCI e ex-secretário de Comércio Exterior do Brasil

Esse texto trata de uma opinião do colunista e não necessariamente reflete a posição do Agro Estadão

Opinião

Tarifas e a suprema corte dos EUA

Mesmo que a Casa Branca perca e as tarifas sejam consideradas inconstitucionais, Washington ainda dispõe de meios para impor barreiras comerciais.

11/11/2025 - 13:00

Foto: Adobe Stock
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A audiência da última semana na Suprema Corte dos Estados Unidos sobre o uso da International Emergency Economic Powers Act (IEEPA) confirmou o que analistas já antecipavam: o governo Trump provavelmente perderá o caso. Ao menos cinco juízes demonstraram desconforto com a amplitude do poder presidencial para impor tarifas, sinalizando inclinação para limitar o uso da IEEPA como instrumento de política comercial.

O ponto de maior tensão foi a ausência de limites claros para a atuação do Executivo. Os juízes reconheceram a tradicional deferência à Casa Branca nas declarações de emergência nacional, mas mostraram preocupação com o risco de transformar essa prerrogativa em uma “cláusula de poder total” em matéria tarifária. Em outras palavras, a Corte parece disposta a preservar o conceito de emergência, mas não a permitir que ele se torne um atalho para a criação de tributos disfarçados.

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A discussão central girou em torno da expressão “regular importação”. A juíza Amy Coney Barrett insistiu em examinar os substantivos da lei - ”instruções”, “licenças”, “regulamentos” - para questionar se esses termos realmente poderiam incluir o poder de tarifar. Já Sonia Sotomayor lembrou que as tarifas elevadas sobre o Brasil, impostas em meio à crise política de 2025, ilustrariam o perigo de um poder sem freios. A indagação subjacente foi direta: até onde pode ir um presidente quando o Congresso já legislou detalhadamente sobre tarifas em outras seções do código comercial norte-americano?

O debate remete à tradição fundacional de desconfiança do sistema americano em concentrar poder tributário no Executivo. Desde a decisão Youngstown v. Sawyer, de 1952, a Suprema Corte alerta para os riscos de expansões presidenciais em tempos de “emergência”. O eco dessa cautela foi nítido: a Corte parece disposta a restabelecer limites institucionais e reafirmar a primazia do Congresso em matéria fiscal.

Mesmo assim, a eventual derrota da Casa Branca não encerrará o tema. Caso as tarifas sob a IEEPA sejam consideradas inconstitucionais, o governo ainda dispõe de um arsenal alternativo. Poderá recorrer à Seção 122 do Trade Act of 1974, que permite tarifas de até 15% por 150 dias; à Seção 338 do Tariff Act of 1930, que autoriza sobretaxas de 50% em casos de discriminação; à Seção 232, voltada à segurança nacional; ou à Seção 301, tradicional instrumento contra práticas comerciais desleais. Em resumo: o poder presidencial seria contido, mas não neutralizado.

A Corte também reconheceu que um eventual reembolso das tarifas seria uma operação tortuosa. Como os documentos alfandegários não identificam tarifas específicas sob a IEEPA, seria quase impossível calcular compensações retroativas. O alívio, se vier, será provavelmente apenas prospectivo. Ainda assim, ações coletivas já foram iniciadas no Distrito de Columbia buscando ressarcimentos, e deverão ganhar força conforme a decisão se aproxima.
As consequências práticas, por ora, devem ser limitadas. A maioria dos acordos bilaterais firmados por ordem executiva permanecerá válida, já que não se baseiam especificamente na IEEPA. A ambiguidade jurídica desses instrumentos acaba servindo, paradoxalmente, como escudo de continuidade.

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Para o Brasil, o julgamento é relevante por razões evidentes. Caso a Suprema Corte declare inconstitucional o uso da IEEPA, o precedente enfraquecerá a base legal das tarifas de 40% atualmente impostas às exportações brasileiras. Isso criaria uma brecha política e jurídica para negociar sua suspensão. No entanto, persiste a ameaça de que o governo norte-americano recorra à Seção 301, iniciando nova investigação contra o Brasil e mantendo parte das barreiras sob outro pretexto.

Há também fatores políticos que podem favorecer o Brasil. A Resolução 81, aprovada pelo Senado, revoga as tarifas aplicadas ao país, embora sua tramitação na Câmara (House) seja incerta até 2026. Além disso, a inflação persistente nos Estados Unidos - agravada pelo aumento de preços para o consumidor - tende a reforçar pressões internas por redução tarifária. Em um ano eleitoral (com as eleições de mid-term no final de 2026), o custo político de importações mais caras pode se tornar mais pesado que o discurso protecionista.

A decisão da Suprema Corte, esperada ainda neste ano, marcará um divisor de águas. Caso imponha limites à IEEPA, o tribunal não apenas conterá o voluntarismo tarifário presidencial, mas reafirmará a necessidade de equilíbrio entre urgência política e legalidade democrática. Para o comércio internacional, seria um pequeno retorno à previsibilidade - valor que, nestes tempos instáveis, vale tanto quanto a própria liberdade de comércio.


Welber Barral é sócio do Barral Parente Pinheiro Advogados e doutor em Direito Internacional (USP).

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