Tiago Fischer
Engenheiro Agrônomo, professor do Insper e diretor da Stracta Consultoria
Esse texto trata de uma opinião do colunista e não necessariamente reflete a posição do Agro Estadão
Opinião
Inteligência e dados no Agro: uma fratura exposta para as estratégias de desenvolvimento
Quando falamos de estratégia e tomada de decisão nos agronegócios, seja em indústrias fornecedoras da produção, seja dentro das fazendas ou mesmo no pós-porteira (na origem e comercialização da produção), podemos dizer que há um enorme gargalo em comum: a informação
Um dos maiores entraves para o desenvolvimento de estratégias mais assertivas e confiáveis no setor está na dificuldade de acesso a informações de maneira clara e fluida.
Não é novo falar das incertezas e riscos inerentes à produção agropecuária no mundo inteiro. Fatores climáticos, variações macro e microeconômicas, movimentos sociais, variações regulatórias, etc., mudam os cenários constantemente.
Mas quando falamos de um país onde a produção de alimentos abrange territórios continentais, a complexidade de análise e a necessidade de dados aumenta em proporções estratosféricas.
Mas qual é o impacto efetivo de se trabalhar estratégias corporativas e setoriais na ausência de informações completas? Basicamente, a limitação do impacto destas estratégias. Indústrias fornecedoras de insumos e máquinas para a produção agropecuária do Brasil, por exemplo, convivem com esta dor ano após ano. A inexistência de informações completas e principalmente atualizadas sobre o mercado, sobre o comportamento de consumo, sobre as áreas plantadas (ou número de cabeças de produção pecuária) faz com que estas empresas tenham que assumir investimentos bastante expressivos para ter uma informação, ainda sim, parcial para sua decisão.
Ou seja, como se não bastassem os riscos inerentes ao próprio desenvolvimento da atividade, toda e qualquer decisão que uma indústria toma para lançar seu produto, ou medir volumes estimados de vendas para uma safra à frente, são, eminentemente, “um tiro no escuro”.
Quando se fala em dados e informações para a tomada de decisão do próprio produtor, pode-se dizer que a situação é ainda pior. Não estou dizendo que não há informação sobre preços das principais commodities, ou mesmo indicadores econômicos para se fazer uma avaliação de câmbio.
O grande problema, quando se trata das decisões do produtor, é a incerteza na tomada de decisão e, muitas vezes, a falta de conhecimento técnico para a tradução de indicadores específicos tornando o processo decisório altamente arriscado. A falta de informações e precisão que começa no início das cadeias agroindustriais com os fornecedores, aumenta com a baixa informação e capacidade analítica na produção, só cresce quando olhamos para os elos após a produção.
Assim como a indústria fornecedora, as companhias com origem na produção agropecuária, assim como as indústrias de alimentos carecem fortemente de informações mais claras e confiáveis de sua cadeia de fornecimento. Esta carência de informações leva a investir grandes montantes para ter dados que dão visibilidade, muitas vezes, apenas para um ano, já que as informações caducam de maneira acelerada. Informações e dados completos, confiáveis, capturados sistematicamente no campo e disponíveis ao público interessado sobre o agro brasileiro impactam em absolutamente toda a agenda desenvolvimentista do setor.
Do investimento para a entrada de uma startup com algoritmos e inteligência artificial, baseada nos dados de uma fazenda ou de um conjunto de produtores, até o planejamento de metas de vendas de um produto no mercado, passando por estratégias de alocação e gastos com pessoas e estoques. Além de decisões sobre momentos de compras e vendas, absolutamente todas as decisões do agro poderiam ser mais eficientes com maior acesso à informação.
Contudo, não estou dizendo aqui que não existem esforços. Empresas e institutos de pesquisa, universidades, associações de classe, entre outras instituições, fazem um papel importante de captura de dados, desenvolvimento de ferramentas analíticas e análises de resultados. Porém, frente às transformações anuais do setor, todos esses esforços tornam-se muito pouco efetivos para a real transformação sistêmica setorial. Ou seja, informação é um ativo raro, disponível para quem pode pagar e, mesmo para esses, é muito pouco eficaz e confiável.
Olhando o exemplo das bases de dados do mercado agropecuário dos Estados Unidos vemos um antagonismo absurdo. Preocupados com o impacto da informação no desenvolvimento setorial, bases de dados centrais como as do USDA (algo semelhante ao nosso ministério da Agricultura e Pecuária), disponibilizam informação sobre a produção norte-americana com curva histórica de dezenas de anos.
Mas se este é o caso, onde estão nossos órgãos de pesquisa governamentais? Onde estão as iniciativas públicas e privadas para o desenvolvimento de grandes bases de dados que permitam um acesso amplo e irrestrito em prol do setor? Minhas indagações podem parecer utópicas, mas só para aqueles que querem se apropriar da informação para benefícios pouco sistêmicos.
Infelizmente, as respostas para essas perguntas não são motivadoras. Apesar dos esforços de empresas e institutos de pesquisa especialistas, suas contribuições são pequenas quando olhamos para o desenvolvimento de sistemas e cadeias. Na contramão destes esforços, as grandes entidades de dados e pesquisa governamentais se movimentam como grandes paquidermes, apresentando dados completamente desatualizados e pouco confiáveis.
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