
Marcello Brito
Engenheiro de alimentos, professor e diretor do FDC Agroambiental.
Esse texto trata de uma opinião do colunista e não necessariamente reflete a posição do Agro Estadão
Opinião
A taxação de Trump: ataque ao Brasil ou guerra ideológica?
A ilusão de que podemos simplesmente “encontrar novos mercados” é ingênua
11/07/2025 - 08:00

O que prometia ser uma quarta-feira tranquila, marcada pelo feriado de 9 de julho em São Paulo, transformou-se em um verdadeiro caos político e econômico com o anúncio do presidente americano Donald Trump: uma tarifa de 50% sobre produtos importados do Brasil. Com sua conhecida imprevisibilidade — batizada de “trumpulência” pelo economista Marcos Troyjo — Trump desferiu um dos mais severos golpes econômicos já vistos contra o Brasil em seus mais de cinco séculos de história.
Mais preocupante do que a decisão em si foi a reação interna: políticos brasileiros — inclusive governadores de estados-chave — apressaram-se em transformar a questão em mais um embate ideológico entre Trump e Lula, esquecendo que o verdadeiro alvo é o país como um todo. A diplomacia, que deveria ser a bússola em tempos de crise internacional, foi substituída por um circo retórico nas redes sociais.
Não me proponho a comentar os impactos sobre os setores de petróleo, mineração ou aviação, que serão enormes. Foco aqui no agronegócio, setor em que atuo e estudo há anos. Lamento ver análises rasas ganhando espaço na imprensa: dizer que “apenas 6% das exportações do agro vão para os EUA” e, portanto, o impacto seria pequeno, é ignorar completamente a complexidade das cadeias produtivas envolvidas.
Vamos a dois exemplos práticos e estratégicos: laranja e café. Mais de 90% da laranja produzida no Brasil vira suco e 98% desse suco é exportado — com os Estados Unidos respondendo por 37% desse volume. No caso do café, 60% da produção é destinada ao mercado externo, sendo os EUA responsáveis por quase 15% dessas exportações. Uma tarifa de 50% nesses produtos praticamente inviabiliza o comércio com um de nossos principais parceiros.
A ilusão de que podemos simplesmente “encontrar novos mercados” é ingênua. A capacidade de absorção dos mercados tradicionais é limitada. Além disso, um aumento repentino na oferta para os outros clientes tradicionais tende a derrubar os preços internacionais, afetando negativamente os produtores brasileiros — justamente os pequenos e médios, maioria entre os 340 mil estabelecimentos que cultivam café, laranja e frutas cítricas. Estamos falando de cerca de 3 milhões de empregos diretos e indiretos.
Minimizar essa crise é, na prática, dizer a milhões de brasileiros que eles são irrelevantes.
Há ainda o efeito bumerangue: mais de 75% dos americanos consomem café diariamente. O Brasil detém 30% do mercado de café dos EUA. Se a tarifa entrar em vigor em 1º de agosto, os consumidores americanos enfrentarão escassez, aumento de preços ou ambos. O Vietnã, ainda que tenha tido sua tarifa reduzida, não possui capacidade para substituir, no curto e médio prazos, o volume que o Brasil deixará de exportar.
O momento exige competência, diplomacia e estratégia. A condução dessa crise não pode ser feita por atores ideológicos ou tuiteiros impulsivos. O Itamaraty já demonstrou ao longo da história que possui a sofisticação necessária para lidar com crises como esta. Cabe ao governo brasileiro devolver o protagonismo à nossa diplomacia profissional, afastando-se do amadorismo que tem marcado a política externa recente.
Como diz um velho ditado: “Não precisamos de países amigos, precisamos de países que nos respeitem e sejam bons parceiros comerciais.” Que essa máxima guie nossas ações daqui em diante.

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