José Carlos Vaz
Advogado e consultor, mestre em direito constitucional, ex-secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura
Esse texto trata de uma opinião do colunista e não necessariamente reflete a posição do Agro Estadão
Opinião
Política Agrícola e a pedra filosofal
Seguro é tão crédito quanto financiamento, “barter” ou usar recursos próprios. Crédito decorre de confiança baseada em evidências.
23/09/2025 - 14:54

Esta coluna não tem preocupação metodológica e não é um trabalho acadêmico. Não escrevo para explicar, confundir, obter concordâncias ou coletar críticas, mas para provocar reflexões.
Assim, peço ao leitor que aceite o conceito, derivado do Wikipedia, que aqui uso para passar a ideia do que seria a pedra filosofal: “uma lendária substância que seria o remédio contra todos os males, que conteria os segredos do rejuvenescimento, que seria o elixir da vida e para imortalidade, que poderia transformar metais em ouro ou prata”.
Uma solução mágica, fácil, absoluta e eficaz em todas as situações. Algo que estaria no final do arco-íris. Como achar na rua um bilhete premiado ou tropeçar na ponta de um potosí enterrado.
E o que tem a ver uma pedra filosofal com política agrícola? Explico.
Em um passado distante, quando secretário no ministério da Agricultura, ouvi do seu então titular, recém-empossado, o conselho que ele recebeu de um ex-ministro, quanto à atuação no cargo: “não fique em Brasília, viaje pelo país e prometa, e quando cobrado pelas promessas, viaje para o exterior”.
Os responsáveis pela política agrícola sempre são tolhidos pelo ministério da Fazenda e têm que se valer do apoio parlamentar e/ou do presidente da República para superar os entraves criados pela área econômica. E em um governo petista ainda têm que conviver com a realidade de muitos ministros da agricultura e nenhuma política agrícola organizada, e muita “bola nas costas”.
É um cargo difícil o de ministro da Agricultura (tanto que costuma sepultar a carreira política de quem passa por ali). Nunca consegue fazer políticas estruturantes, pois a área econômica só pensa em cortar verbas; a frente parlamentar já aprendeu a negociar direto com o presidente da república (que para isso tem sempre uma conta para apresentar); os empresários do setor só pensam nos interesses próprios e imediatos; os produtores rurais têm que ficar nas propriedades (na gestão do chove/não chove) e não conseguem se organizar macropoliticamente (apenas sindical e casuisticamente).
Então, o ministro tem que ir ao interior e ouvir muito, e prometer que fará forte apelo ao governo. E voltar a Brasília para narrar e propor, dar entrevistas e viajar de novo, pois só quando a “água bater no bumbum dos políticos e do presidente” é que alguma coisa será feita. Enquanto isso o culpado é o ministro (daí aquele conselho: “mova-se ou vai levar chumbo”).
O que mais facilmente pode ser prometido? Crédito rural, pois o dinheiro não é do governo, mas dos depositantes em banco. E o risco também não é do governo, mas dos acionistas dos bancos.
No passado, o crédito rural era rapidamente operacionalizado, tanto para contratar quanto para prorrogar, mas ficou muito burocrático e lento. Não tem havido força política (falta competência ou vontade?) para enfrentar os burocratas do Banco Central (que continua a aplicar suas metodologias “lanterna na popa” no crédito rural) e do Tesouro (que dos bancos públicos querem mais dividendos do que bons programas de financiamento). Talvez porque a contrapartida seria a de praticar subsídios em níveis menores e em públicos mais específicos, o que tiraria votos e contribuições.
Depois do novo “colapso” do sistema de crédito rural bancário, evidenciado pelos números apresentados na carteira do Banco do Brasil (mas que são colheita do ciclo passado), ficou mais difícil gerir uma crise de renda no setor rural somente com linhas de crédito ou prorrogações. As recentes MPs 1314 e 1316 vieram mais para resolver o problema de bancos do que para viabilizar a continuidade empresarial dos devedores.
Corrijo: até daria, pelo menos para os pequenos produtores, não estivesse o crédito rural tão mal gerido que acabou ficando como na música do Chico: “Quem te viu, quem te vê. Quem não conheceu não pode mais ver pra crer. Quem jamais esquece não pode reconhecer”.
Presentemente, quando um ministro da agricultura é pressionado (ou um secretário de política econômica ou agrícola, um dirigente de crédito rural ou um executivo de uma empresa do agronegócio), só lhe resta um mecanismo de escape (até chegar ao aeroporto): falar sobre um bezerro de ouro, um seguro rural (mais que rural, “filosofal”) barato, simples, superavitário, lucrativo, abrangente, benevolente, fácil.
Mas seguro é tão crédito quanto é o financiamento. Ou o “barter”. Ou a decisão de plantio com recursos próprios:
- “crédito” NÃO no sentido impróprio praticado no Brasil, de “uma relação contratual onde o credor cede dinheiro ou coisa com valor comercial, ao devedor, para futura devolução, com juros”. Esta é a definição de “empréstimo”, não de “crédito”.
- “crédito” SIM como “uma relação de confiança entre as partes em um determinado negócio”.
Conceder um financiamento, vender uma apólice de seguro, adiantar insumo por entrega futura de produto, alocar capital próprio em um empreendimento é uma relação em que há crédito, decorrente da CONFIANÇA na vontade e na capacidade do devedor para cumprir com as obrigações assumidas (inclusive consigo mesmo).
Alguém cede dinheiro ou coisa com valor comercial, ou assume compromisso de assunção de risco, em favor de um produtor rural, porque confia e acredita naquele compromissado, e na sua atividade, e no seu fluxo de receitas (devendo as garantias ser consideradas mero reforço de segurança, e não razão por si só para dar o crédito).
A decisão de dar crédito decorre de uma análise de risco, que possibilite uma avaliação do possível retorno/rentabilidade de acordo com a estratégia do credor e as suas expectativas para os diversos contextos envolvidos.
O risco é calculado objetivamente (subjetivos são os parâmetros a serem utilizados na projeção dos cenários possíveis), com base em um conjunto de informações e dados captados sem contaminação e diretamente de fonte “limpa e cristalina”. Não temos isso no agronegócio brasileiro (embora seu risco efetivo seja o melhor do agro mundial e dos melhores no mercado de crédito brasileiro).
Não é possível implantar um sistema amplo, sólido e sustentável de crédito (financeiro, comercial ou securitário) para a atividade produtiva rural sem base de dados; sem segregação patrimonial entre produtor e empreendimento; sem transparência contábil, financeira e contratual e possibilidade de “securitização” em todas as operações envolvendo compra e venda de insumos e produtos agropecuários; sem um regime específico para a constituição, monitoramento e excussão de garantias rurais.
Sem fazer isso, falar em seguro rural é só discurso e merece o bordão da Escolinha: não me venha com chorumelas!
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