
Celso Moretti
Engenheiro Agrônomo, ex-presidente da Embrapa
Esse texto trata de uma opinião do colunista e não necessariamente reflete a posição do Agro Estadão
Opinião
Brasil e Índia: potências agrícolas em busca de cooperação estratégica
Combinação de vantagens abre uma janela de oportunidades para que os dois países aprofundem parcerias comerciais, técnicas e científicas
12/09/2025 - 07:00

O agronegócio é um dos pilares do desenvolvimento econômico tanto do Brasil quanto da Índia. Os dois países, que compartilham trajetórias de grandes democracias do Sul Global, possuem vantagens comparativas distintas e, ao mesmo tempo, complementares. Essa combinação abre uma janela única para aprofundar parcerias comerciais, técnicas e científicas que podem reposicionar ambos no cenário global da segurança alimentar e da sustentabilidade.
O Brasil consolidou-se como uma potência agroexportadora. É líder em soja, milho, café, carnes e açúcar. Sua força vem da abundância de terras, do clima favorável e de décadas de pesquisa agrícola, capitaneadas pela Embrapa, que transformaram o país em referência mundial em agricultura tropical. Além disso, a matriz energética majoritariamente renovável dá ao agro brasileiro um diferencial competitivo em sustentabilidade, cada vez mais valorizado nos mercados internacionais.
A Índia, por sua vez, é o maior produtor de leite do mundo e está entre os principais em arroz, trigo, especiarias e leguminosas. Seu grande trunfo é o mercado interno, de 1,4 bilhão de consumidores, aliado à diversidade agroecológica e ao avanço em digitalização no campo. O país tem sabido integrar tecnologia da informação ao setor agrícola, criando soluções que reduzem custos e aumentam a eficiência, especialmente para pequenos e médios produtores. O país também avança rápido na agricultura digital, com uso de TI e fintechs rurais.
O comércio entre as duas nações já existe, mas é modesto diante do potencial. O Brasil exporta para a Índia óleo de soja, açúcar e milho, enquanto importa defensivos agrícolas, medicamentos veterinários e especiarias. Há amplo espaço para expansão: os indianos demandam mais proteínas animais, e os brasileiros podem diversificar sua base de fornecedores de insumos estratégicos.
No campo científico, há sinais promissores. Instituições como a Embrapa e o ICAR (Indian Council of Agricultural Research) já dialogam em áreas como biotecnologia, melhoramento genético e agricultura tropical. A união da expertise brasileira em produção em larga escala com a força indiana em tecnologias digitais pode resultar em soluções inovadoras de baixo carbono, fundamentais diante dos desafios climáticos globais.
As oportunidades de cooperação são vastas. Bioenergia — etanol, biogás e biodiesel — pode se tornar um vetor de convergência entre dois países que buscam reduzir emissões sem comprometer a produção de alimentos. A parceria pode abarcar o desenvolvimento conjunto de máquinas agrícolas adaptadas a pequenas propriedades; a formação de talentos, com programas de intercâmbio para jovens pesquisadores e extensionistas; além da ampliação recíproca do acesso a mercados — com frutas frescas, feijões, óleos vegetais e proteínas brasileiras conquistando espaço na Índia, e com arroz, chá e produtos processados indianos alcançando maior presença no Brasil. O cardápio é promissor.
Brasil e Índia não precisam se ver como concorrentes no agronegócio global. Podem ser aliados estratégicos, capazes de ampliar sua influência em fóruns internacionais, propor soluções conjuntas para segurança alimentar e promover práticas agrícolas mais inclusivas e sustentáveis. Em um mundo em transição, essa parceria pode transformar vantagens comparativas em vantagens competitivas.
*Este artigo foi escrito em parceria com Angelo de Queiroz Maurício, adido agrícola do Brasil na Índia

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