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José Carlos Vaz

Advogado e consultor, mestre em direito constitucional, ex-secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura

Esse texto trata de uma opinião do colunista e não necessariamente reflete a posição do Agro Estadão

Opinião

Política agrícola: esperando agosto

Depois que China, União Europeia, Japão e outros países fecharam acordos com os EUA, Brasil faz o que pode enquanto aguarda a sexta-feira

30/07/2025 - 13:06

Mesmo não tendo forças para enfrentar o império americano, Brasil não precisa ser afoito, ingênuo ou covarde - Foto: Adobe Stock
Mesmo não tendo forças para enfrentar o império americano, Brasil não precisa ser afoito, ingênuo ou covarde - Foto: Adobe Stock

1º de agosto está chegando. Até lá, muita angústia para os brasileiros, no aguardo do que vai acontecer. Vislumbro 3 possibilidades:

  • TACO (“Trump Always Chickens Out”) padrão: a prorrogação da aplicação das taxas por mais 30, 60 ou 90 dias. O comportamento menos provável;
  • TACO reverso: implantação das taxas como divulgadas;
  • TACO seletivo: a prorrogação da aplicação das taxas (e/ou a aplicação de taxas específicas de 10% a 25%) para alguns setores de interesse do presidente norte-americano: financiadores de sua campanha (carnes e laranja); de alto consumo da população (café e açúcar); concentrados em SP (laranja e açúcar); de interesse de sua base política (a Taurus, por exemplo). É o comportamento mais provável (se não agora, ao longo dos próximos 90 dias).

O que move Trump é, acima de tudo, o desejo de obter em 2028 um terceiro mandato (depois um quarto, quinto…). Para isso:

  1. precisará ter maioria no Congresso, para mudar a Constituição.
  2. precisará ganhar na próxima eleição legislativa, em novembro de 2026.
  3. precisará, até lá, gastar mais com os seus eleitores (como sinalizou na recente elevação da proteção aos produtores rurais norte-americanos); conter a inflação; baixar os juros e aumentar a atividade econômica internamente.

E para fazer isso tudo, não pode aumentar a tributação, razão por que fez a “derrama” sobre o comércio internacional americano na forma de pedágio (o “tarifaço”). Ele conta com o domínio do Legislativo americano e tem absoluta desconsideração pelo Judiciário norte-americano (no que não está só: poucos acreditam que a Suprema Corte vetará o uso de tarifas por razões políticas e para alavancar negociações políticas com governos estrangeiros, mas há que se tentar).

No centro de uma enorme teia decisória, Trump concentra e prioriza as negociações de acordo com o volume de arrecadação em potencial: China; União Europeia; Índia; Rússia (embora “magoado” com Putin); Japão e “tigres” asiáticos e países árabes. Antes da América Latina, ainda vêm a Austrália, o Reino Unido (e o Canadá), por razões históricas óbvias. E, na América Latina, antes do Brasil, estão o México (por conta da fronteira e de acordos anteriores), a Argentina e o Paraguai (por questões ideológicas e geopolíticas).

Aparentemente, ele já conseguiu o volume de recursos que pretendia. China, UE, Japão e quase todos os países não teriam, como não tiveram, maior resistência a pagar pelo acesso ao mercado dos Eua. O Brasil também aceitaria.

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Após a pilhagem arrecadatória, Trump voltará para uma agenda mais específica, de interesse de seus eleitores mais extremados: o Make America Great Again (MAGA), fundado na convicção de que é possível re-industrializar os EUA. Isso demandará energia, investimentos e insumos, como as terras raras. Aqui, se encaixam os relacionamentos “te amo/te odeio” com a China e a Rússia, e a perseguição aos governos do Brasil, Colômbia e México, de esquerda.

Nestes anos de Trump na Casa Branca, a relação do Brasil e do mundo com os EUA será tóxica, abusiva, irracional.

Independentemente do “tarifaço” vir ou não em 1º de agosto, há providências que poderiam ser tomadas pelo governo e pelo setor privado:

  • precisamos voltar ao modelo bem-sucedido de política externa praticado no passado: discreta, pragmática, sutil. E o presidente da República poderia parar de se dirigir a Trump por meio de discursos eleitorais e não atrapalhar a atuação dos nossos servidores estatais na interlocução com os técnicos americanos.
  • no setor privado, as empresas potencial ou efetivamente prejudicadas pelo “tarifaço” devem contratar lobistas e advogados americanos (pois parece haver espaço para decisões judiciais protetivas ou mesmo para buscar o ressarcimento de prejuízos e lucros cessantes).

Muitos têm mencionado a indisposição do governo brasileiro em negociar, o que parece não ser verdade, pois os técnicos americanos, quando contatados, informam que não têm autorização da Casa Branca para diálogos institucionais. Não há boa vontade do outro lado.

Não temos força militar ou econômica suficiente para enfrentar o império, mas também não precisamos ser ingênuos, afoitos, covardes. Ao longo do tempo, as relações de troca com os EUA vão absorver os pedágios (não só as tarifas, mas as propinas em Washington), conforme a oferta e a demanda, e o comportamento da inflação americana (Trump não pode perder votos).

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A CNA estima uma perda de US$ 5,8 bilhões nas exportações anuais de produtos do agro para os EUA, em especial na cadeia da laranja e no açúcar de cana. Há relatos de impactos expressivos em outras frutas e pescados.

No âmbito do agronegócio, não há produção sobrando no mundo, pelo que haverá quase que somente um rodízio de fornecedores. Assim, é necessário, no curto prazo, intensificar a procura de novos mercados, mesmo havendo pouco espaço para isso, e buscar maior abertura e parceria com a China.

Se confirmado o “tarifaço”, terão de ser criados mecanismos internos para estocagem e redirecionamento (com subsídios) da produção que seria destinada aos EUA, bem como para refinanciamento de dívidas.

O Ministério da Fazenda afirmou que já tem um “pacote” preparado para as cerca de 10 mil empresas que serão atingidas se o “tarifaço” entrar em vigor.

As ações esboçadas teriam como base as de crédito destinadas à economia em geral, no período crítico da Covid-19, e para a parte do RS atingida pelas enchentes de 2024, que foram importantes, mas não foram nem suficientes, nem eficazes, nem efetivas, nem eficientes.

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Haverá resistência à proposta que trago a seguir, mas acredito que, para enfrentamento de catástrofes, não dá tempo para condicionar o apoio creditício à análise caso-a-caso e ao risco bancário.

Seria conveniente implementar o protocolo, em um sistema público federal, por entes econômicos com histórico de relações comerciais com os EUA, de uma “notificação de risco potencial” de perda de capacidade financeira, caso aplicadas as tarifas anunciadas e/ou canceladas encomendas/contratos e/ou descontinuadas relações contratuais consolidadas.

Aquele protocolo ensejaria a concessão automática de uma moratória de 60 dias para o pagamento de dívidas e tributos, para que entidades (Sebrae, Senar, Sesi, Sescoop, bancos, contadores) certifiquem e quantifiquem a vulnerabilidade de capacidade financeira e elaborem um plano de reescalonamento dos compromissos.

Com isso, os credores teriam que manter a sua exposição a risco junto às empresas e produtores afetados. Mas teriam acesso a linhas de crédito para prover liquidez a eles.

Independente do “tarifaço” ser aplicado, diferido, diminuído ou cancelado, é preciso desde já começar a adotar medidas para evitar, no médio prazo, concentrações de mercado no comércio internacional brasileiro.

O vaso “trincou”. Os EUA não são confiáveis, não oferecem adequada segurança jurídica para as relações contratuais. Mas não parece ser o caso de retaliação. Então, pode-se pensar no estabelecimento de um tributo ou CIDE incidente sobre as nossas exportações àquele país, para constituição de um fundo de cobertura a apólices de seguro acionadas na ocorrência de novas situações como a do “tarifaço”.

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