
Celso Moretti
Engenheiro Agrônomo, ex-presidente da Embrapa
Esse texto trata de uma opinião do colunista e não necessariamente reflete a posição do Agro Estadão
Opinião
O Brasil precisa voltar a produzir ureia – e com urgência
A vulnerabilidade na oferta de fertilizantes compromete a produtividade, eleva os custos e ameaça a competitividade do campo
25/07/2025 - 15:34

O Brasil é uma potência agrícola. Somos líderes globais na produção de soja, milho, café, suco de laranja, carne bovina, frango e tantos outros produtos que alimentam o mundo. No entanto, essa potência tem um calcanhar de Aquiles: a dependência quase total de fertilizantes importados. Este tema já foi abordado diversas vezes nesta coluna, mas a sensação é de que estamos pregando no deserto. Faltam lideranças executivas que pensem além da próxima eleição, com foco no médio e longo prazos.
Entre os nutrientes essenciais à produção agrícola, a ureia simboliza uma fragilidade estratégica que não pode mais ser ignorada. Atualmente, mais de 90% da ureia utilizada nas lavouras brasileiras é importada. Isso nos torna extremamente vulneráveis a eventos externos — guerras, sanções econômicas, interrupções logísticas e decisões políticas de países exportadores. Uma crise internacional, como a guerra na Ucrânia, o conflito entre Irã e Israel ou as recentes sanções da União Europeia contra produtos russos, é suficiente para disparar os preços ou comprometer o fornecimento. O impacto é direto: o produtor sente no bolso, a produtividade cai, o preço dos alimentos sobe — e a inflação ameaça o prato do brasileiro.
O mais alarmante é que essa dependência poderia ter sido evitada. O Brasil já contou com uma indústria nacional de ureia relativamente bem estruturada, com unidades distribuídas pelo território nacional capazes de atender parte significativa da demanda interna. No entanto, nos últimos anos, assistimos a um processo de desmonte: fábricas foram fechadas, investimentos travados e a dependência externa se agravou.
No final de maio, a Petrobras anunciou a retomada da produção de fertilizantes nitrogenados, com promessa de gerar valor integrando a cadeia de óleo, gás natural e transição energética. Por ora, é apenas uma promessa. Em agosto do ano passado a estatal reativou uma fábrica no Paraná, que estava fechada desde 2020. Outras duas plantas privadas funcionam em Sergipe e na Bahia. A logística para o produto chegar até as principais regiões produtoras é cara, o que reduz a competitividade da ureia nacional em comparação ao insumo importado.
Talvez como reação aos possíveis impactos das sanções europeias sobre a ureia russa e seus reflexos no agronegócio brasileiro, o governo apressou-se em anunciar metas pouco críveis — como a de que, em dois anos, a Petrobras será responsável por fornecer 35% da ureia utilizada na agricultura nacional. Como não há mágica, e a reativação da indústria exige investimentos robustos e estrutura produtiva, é provável que o país continue, por muitos anos, dependente da ureia importada.
Produzir ureia no Brasil não é apenas uma questão econômica — é uma questão de segurança nacional. É urgente reativar fábricas desativadas, incentivar a construção de novas unidades e estabelecer uma política de Estado voltada à autossuficiência, ainda que parcial, em fertilizantes estratégicos. Dispomos de matéria-prima abundante, como o gás natural. Temos tecnologia, mercado consumidor interno garantido e capacidade industrial. O que falta é decisão política, vontade e visão estratégica.
Retomar a produção nacional de ureia significa gerar empregos, dinamizar cadeias produtivas, reduzir custos agrícolas e proteger o país das incertezas do mercado global. O agronegócio brasileiro precisa de insumos estáveis e previsíveis para manter sua competitividade. E, convenhamos, um país que pretende liderar a segurança alimentar global não pode abrir mão da soberania sobre seus insumos mais essenciais.
O momento de agir é agora. Retomar a produção de ureia é investir no futuro da agricultura, da economia e da estabilidade do Brasil.

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