Agropolítica
Queda nos investimentos e aumento de dívidas: cenários previstos após anúncio do Plano Safra 2024/2025
Governo federal justifica que foi necessário manter taxas de juros para incremento dos recursos equalizados no Plano Safra 2024/2025

Rafael Bruno
04/07/2024 - 14:45

“O Plano Safra mais caro de todos os tempos” e “dois planos ordinários”, são conclusões de especialistas em crédito rural após a divulgação dos recursos e taxas de juros dos programas agrícolas para a agricultura familiar e empresarial, na tarde desta quarta-feira, 3,
Majoritariamente, as críticas são sobre o plano voltado aos médios e grandes produtores rurais, que contará com R$ 400,59 bilhões para o seguimento. Apesar do incremento de 10% em relação ao ciclo passado, as taxas de juros permaneceram de 7% a 12% ao ano entre as linhas de custeio e investimento.
Para o analista que considera o plano safra mais caro da história, Ademiro Vian, que também é ex-diretor da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), os produtores serão penalizados e o acesso ao crédito deve diminuir, fato que pode acarretar em menor produtividade e crescimento das dívidas no campo.
“O produtor não vai deixar de plantar, então as consequências disso [alta taxa de juros] é que ele vai tomar menos crédito, tomando menos crédito ele vai ter um potencial de botar menos insumos e com isso ele diminui a produtividade”, alerta.
Vian destaca que diante deste prognóstico, “se os preços das commodities lá na frente não forem ajustados ao orçamento [do produtor], pode haver um aumento do endividamento”. Conforme o analista, o setor rural já passa por um aumento de endividamento e o atual plano safra pode vir a agravar este cenário.
Já o consultor José Carlos Vaz, que já foi secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, considera o que chamou de “um plano safra ordinário, mas bom, para a agricultura familiar, e ordinário e medíocre na agricultura empresarial.”
Vaz destaca ainda a preocupação com as margens estreitas, piores relações de troca, aumento dos custos de produção e elevação de juros de mercado.
“O plano safra da agricultura empresarial vai ser ‘jantado’ pelas prorrogações do crédito rural”, afirma o consultor, que explica que diante deste cenário os médios e grandes produtores rurais e as cooperativas de produção provavelmente vão pedir mais prorrogação do que o esperado, assim, comprometendo os recursos do Tesouro reservados para o setor agrícola empresarial.
O ex-secretário do Mapa também diz que a vigência do novo plano safra será um período complicado para os fabricantes de máquinas e implementos, conturbado para os investidores e doloroso para as revendas que correm risco de crédito, isso porque os produtores terão menor liquidez em 2023/2024, desta forma, reduzindo ou não fazendo novos investimentos.
Além disso, existe a preocupação do não cumprimento das performances previstas nos direitos creditórios vinculados a CRA (Certificado de Recebíveis do Agronegócio) ou CDCA (Certificado de Direitos Creditórios do Agronegócio), adquiridos ou não por Fiagros, afirma o especialista.
Entre o Plano Safra 2023/24 e o atual, a Selic, taxa básica de juros, caiu de 13,75% para 10,50% a.a. Para o ex-ministro da Agricultura, Francisco Turra, com a redução já efetivada da Selic em três pontos seria lógico esperar uma redução desse nível nos juros do crédito rural. “Nem o Moderfrota chegou a esse nível, baixou um por cento apenas, o atual cenário de juros elevados acarretará em endividamento certo”, reforça.

Apesar de também considerar os juros altos, o atual ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, justificou a manutenção da maioria das taxas ao atual patamar da Selic, considerado por ele ainda elevado. “Muitas vezes a gente não percebe o efeito colateral do juro alto. Um dos efeitos colaterais da taxa básica nesse nível é que a poupança rural, o depósito à vista, começa a minguar”, afirmou o ministro em coletiva técnica após o anúncio do Plano Safra.
De acordo com o subsecretário de Política Agrícola do ministério da Fazenda, Gilson Bittencourt, as taxas do novo programa agrícola foram definidas considerando os recursos disponíveis para equalização em 2024/2025 e demais anos.
“Mesmo com as taxas de juros definidas para este plano Safra, os custos de equalização subiram de 5,1 para 5,9 bilhões, isso só considerando a agricultura empresarial. Foi um aumento de 16,4% nos custos”, justifica Bittencourt ao Agro Estadão.
O subsecretário também explica que a estabilidade das taxas decorre da menor disponibilidade de recursos da poupança rural e dos depósitos à vista. Além disso, o representante da Fazenda argumenta que “houve um aumento dos spreads bancários devido ao aumento da inadimplência no setor rural, elevando ainda mais os custos.”
Por fim, Bittencourt diz ao Agro Estadão que para atender as demandas do setor, a distribuição da equalização levou em conta a performance na aplicação dos recursos na safra passada, que, segundo ele, elevou os custos, dificultando uma redução nas taxas de juros.
“Nossa preocupação é garantir mais recursos para o setor. De nada adiantaria, para reduzir as taxas de juros, reduzir o volume de recursos equalizados, especialmente para investimento”, finaliza.
Para o coordenador do Centro de Estudos em Agronegócios da Fundação Getúlio Vargas, Guilherme Bastos, além do “menor apetite para investimento”, a manutenção das taxas de juros no novo plano safra é “uma sinalização muito ruim do governo”.
Houve certo esforço do governo, porém, insuficiente, avalia Guilherme Bastos.”De fato colocaram mais recurso para equalização do que no ano passado, então, realmente fizeram um esforço de aumento, mas esse esforço não foi suficiente para baixar as taxas de juros em boa parte das linhas”, afirma.
Também ex-secretário de Política Agrícola do Mapa, Bastos destaca que a principal dificuldade desse plano safra parte da restrição orçamentária. Para ele, será cada vez mais difícil a construção de um plano que possa atender a todos.
“Pelo jeito esse vai ser o cenário daqui para frente, tem que se pensar em alguma coisa em termos de reestruturação dessa política agrícola”, analisa. Para ele, o atual modelo agrícola dá “sinais claros de esgotamento”.
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