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Maionese, azeite e cosméticos: produtores diversificam uso do abacate
Frutas que seriam descartadas viram alternativa de negócios no interior de São Paulo

Igor Savenhago | Ribeirão Preto
02/04/2025 - 08:00

O produtor rural Carlos Alberto Pinto Gonçalves só aguarda o aval da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para começar a produzir uma maionese com ingrediente diferente das encontradas nos supermercados: o abacate.
O produto foi desenvolvido em parceria com o Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital), em Campinas (SP), e deve começar a ser fabricado até o final deste ano. “É uma maionese que não existe no Brasil e atenderá o apelo de uma alimentação saudável”.
Processar parte da safra de abacate colhida nas propriedades rurais da família em uma indústria própria, a Flor do Abacate, foi a saída encontrada para evitar jogar fora cerca de 20% dos frutos. “Eram aqueles que tinham uma pintinha, uma deformação, que não atendiam ao mercado consumidor, que está cada vez mais exigente”.
Esses abacates descartados somavam mil toneladas por ano. O pai de Carlos Alberto, José Carlos, inconformado com as perdas, buscava encontrar um caminho para eliminar o desperdício. “Ele soube que, na Nova Zelândia, estavam extraindo um azeite de abacate com qualidade. E decidiu que a gente deveria experimentar”, conta Carlos Alberto.
A família começou a produzir abacates no final da década de 1980, em uma fazenda comprada por José Carlos em Cajuru (SP). No início do cultivo, o fruto dividia espaço com gado leiteiro e café. Com o tempo, os Gonçalves foram desistindo do gado. O café se manteve e passou a ter como companheiro apenas o abacate — cuja área crescia a cada ano. Tanto que hoje ocupa 500 hectares, com as variedades Hass, de origem norte-americana, e as brasileiras Margarida, Quintal e Breda — desta última, a família é a maior produtora do país. As plantas estão divididas em nove propriedades, entre os estados de São Paulo e Minas Gerais.
A ideia de produzir azeite surgiu em 2013, em conversas com a Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig), que tinha uma estrutura para extrair o óleo da azeitona. “Como a Epamig demonstrou interesse, fomos com uma caminhonete cheia de abacates para lá. Deu certo, mas surgiu outro desafio: transformar uma produção artesanal em comercial, porque não havia um modelo para copiar”.
Carlos Alberto e o pai começaram, então, a garimpar equipamentos e desenvolveram um método único. “A gente adiciona água [para bater o abacate]. Depois, a centrífuga separa a mistura em água, polpa e o óleo, que é só filtrado. Não tem nenhum conservante”.
A aceitação foi tão boa entre os consumidores que, além dos frutos que seriam descartados nas próprias fazendas, a fábrica passou a adquirir abacates de outros produtores. A planta industrial da Flor do Abacate fica em São Sebastião do Paraíso (MG) e funciona desde 2019, conseguindo extrair mais de mil litros do óleo por dia. A empresa mantém um ciclo sustentável — a caldeira da indústria, por exemplo, é alimentada com madeira proveniente da poda dos abacateiros. E os resíduos do processamento — casca e caroço — viram adubo para o pomar.

O azeite com qualidade excelente é engarrafado e distribuído no Brasil todo, além de abastecer uma linha farmacêutica. O restante, ainda de boa pureza, é destinado a uma linha de cosméticos, que inclui xampus, sabonetes, hidratantes… Ao todo, são mais de 30 opções de derivados do óleo. E em breve, virá a maionese!
Extração a frio e azeites saborizados
Na Fazenda Irarema, em São Sebastião da Grama (SP), perto da divisa com Poços de Caldas (MG), Moacir Carvalho Dias montou uma estrutura para produzir azeite de oliva, mas o óleo de abacate acabou se tornando o principal atrativo da propriedade.

“Eu já tinha experimentado azeites dessa região e percebi que o clima era propício para o cultivo de azeitonas. Comprei uma máquina para extrair o azeite e depois abri a fazenda para o turismo, para os interessados em conhecer a produção”, afirma.
A azeitona ganhou as terras da fazenda em 2015. O lugar, centenário, já tinha estado nas mãos da família dos anos 1950 até os 1990, quando foi vendida, mas, em 2014, foi comprada novamente pelos Dias. As oliveiras deram a primeira safra em 2018.
Como a temporada de azeitonas é curta, se concentrando somente em janeiro e fevereiro, o maquinário ficava muito tempo ocioso. “Comecei a pensar em alternativas para pagar o investimento. Fiz um curso de sommelier de azeites e o de abacate me chamava muito a atenção pela sua composição saudável”, explica o produtor.
Em 2021, foram feitos os primeiros testes com o fruto. Em 2024, Dias já processava um milhão de quilos de abacate, dos quais eram extraídos 120 mil litros por ano. No mesmo ano, a azeitona rendeu 100 mil quilos, que se transformaram em 12 mil litros de azeite. O abacate havia assumido o posto de negócio principal da Irarema. “Já em 2025, por causa do clima, quase não colhi azeitona. Foram apenas 100 quilos. O que salvou foi o abacate”.
Agora em 2025, ele pretende aumentar o volume de óleo de abacate produzido para 150 mil litros. A fábrica, que, para processar a azeitona, tinha três funcionários, já tem 15. E isso sem plantar um abacateiro sequer. Toda a matéria-prima vem de parceiros de São Paulo, Minas Gerais, Paraná e Espírito Santo. A variedade usada é a Hass, conhecida no Brasil como Avocado. “Os frutos que eu compro são os muito pequenos, com pequenos machucadinhos ou fora de formato comercial. Antes, eles viravam compostagem nas propriedades. Agora, os produtores estão monetizando”.

Durante os experimentos para produção de azeite de abacate, Dias tentou a centrífuga, mas preferiu apostar em uma fórmula diferente: fazer a extração em temperatura ambiente. “Pessoal do México, do Chile e outros países, que também produzem o azeite de abacate, vêm conhecer o método de extração a frio. E alguns envasadores estão comprando o meu produto para melhorar o processo deles”, diz.
Outras duas novidades apresentadas pelo produtor, a partir de conhecimentos buscados em universidades da Nova Zelândia e dos Estados Unidos, são o processamento da fruta inteira — não apenas da polpa, como é mais comum —, e a fabricação de azeite de abacate saborizado, com laranja, limão-siciliano, pimenta, alho, manjericão, alecrim, entre outros.
Quase a totalidade do azeite extraído vai para exportação. Para atender à demanda crescente, Dias precisou transformar um estacionamento da casa dele em packing house para os frutos. Todos os dias, são esmagadas cargas de três caminhões. “E, mesmo assim, a procura tem sido maior que a oferta. A minha luta diária tem sido comprar fruta suficiente para fazer cada vez mais óleo”, garante.

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