Tudo sobre AgroSP
Suinocultura paulista investe em genética e sustentabilidade para ganhar mercados
Além de aumentar a produção para dar conta de uma demanda interna quatro vezes maior, granjas desejamaior participação no mercado externo

Igor Savenhago | Ribeirão Preto (SP)
20/07/2025 - 08:00

A relação do médico veterinário Francisco Rafael Martins Soto com a suinocultura vem da infância. Ele tinha dez anos quando o pai montou uma granja, com oito matrizes, em Ibiúna, no interior paulista. O ano era 1979. Hoje, aos 56 anos, ele tem Mestrado e Doutorado pela Universidade de São Paulo (USP), é professor, desde 2011, do Instituto Federal de São Paulo (IFSP) e já atuou também nos departamentos de Vigilância Sanitária e Controle de Zoonoses do município onde mora.
Essas atividades profissionais fizeram mais sentido por estarem alinhadas à lida diária com a criação. Soto parece ser adepto do ditado popular “o que engorda o porco é o olho do dono”. Tanto que nunca ficou distante dos negócios. Acompanhou cada passo da evolução da granja ao longo dessas mais de quatro décadas. Aquelas oito matrizes iniciais se multiplicaram por cem. E ajudaram a diversificar a atuação da empresa.
Além de produzir suínos desde o nascimento dos filhotes até a venda de animais vivos a frigoríficos parceiros, a Granja Ouro Preto, que tem um plantel de cerca de oito mil animais, ampliou seu portfólio para incluir a fabricação de ração e a gestão de coprodutos – resíduos ou subprodutos que são processados e reaproveitados para outras finalidades, como produção de biogás, adubo orgânico e água de reúso. “Temos uma política de aterro zero. Todos os nossos resíduos são reutilizados”, explica Soto.
Ele acredita ser este um dos principais caminhos para uma suinocultura sustentável, que alie preservação ambiental com a conquista de novos mercados – quase a totalidade da produção da granja é comercializada no próprio território nacional e um dos frigoríficos parceiros exporta miúdos para Hong Kong.

“A gente percebe que as práticas sustentáveis ainda não são valorizadas como a gente gostaria, mas buscamos enxergar lá na frente. Para produzir na suinocultura, precisamos de três éticas: a ambiental, a social, que consiste em valorizar o colaborador, dando condições dignas de trabalho, e a do bem-estar animal”, afirma.
Produção e consumo
Em 2024, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), foram abatidas 57,86 milhões de cabeças de suínos no Brasil, um recorde, que representou um aumento de 1,2% em relação a 2023. Depois de atravessar fortes instabilidades entre 2019 e 2024, por causa de valores altos para o milho, base da alimentação dos animais, e baixos para a carne, o setor vem se recuperando.
No ano passado, São Paulo ocupou a 5ª colocação no ranking nacional do IBGE, com pouco mais de 3,079 milhões de cabeças abatidas, 50 mil a mais que em 2023, ficando atrás dos estados da região Sul (Santa Catarina, com 16,8 milhões de cabeças, Paraná, com 12,4 milhões, e Rio Grande do Sul, com 9,9 milhões), tradicionalmente os maiores produtores do país, e Minas Gerais (com 6,7 milhões).
Os ingredientes apontados por Soto também estão na receita da Associação Paulista dos Criadores de Suínos (APCS) para continuar alavancando a suinocultura. Tanto em qualidade quanto em quantidade. Até porque, segundo a associação, São Paulo demanda muito mais do que produz. Para este ano, a expectativa é que o estado coloque no mercado 240 mil toneladas de carne, enquanto o consumo, o maior entre todas as unidades da federação, deve bater a marca de 1,050 milhão de toneladas – quatro vezes mais –, conforme a APCS.
Para promover novos incrementos na produção, o presidente da associação, Valdomiro Ferreira Júnior, aposta em nutrição e genética, que, segundo ele, tiveram avanços significativos, sobretudo na última década. “Podemos afirmar que temos, hoje, uma nutrição de alta capacidade para os nossos animais, tanto na questão proteica como em energia, vitaminas e aminoácidos. Tanto que a gente sempre faz um comentário em nossas palestras, que nenhum de nós, seres humanos, tem uma dieta tão balanceada quanto nossos suínos. Portanto, podemos dizer que esse desafio já foi conquistado”, declara.
Quando aborda a evolução da genética, Ferreira Júnior destaca que o Brasil – e aí se inclui São Paulo – está na vanguarda mundial. “Estamos muito bem. O ganho de peso diário dos animais, que era em torno de 400 gramas, hoje está no patamar de um quilo. A espessura de toucinho, que era de seis centímetros, está abaixo de um. Agora, o dado mais relevante é o aumento de leitões por porca/ano. Há tempos, produzíamos 24. Hoje, falamos em 35, com expectativa de atingir 40 em breve”, enumera o presidente. “Tudo isso é resultado de um forte investimento em genética”.
Entre os desafios, Ferreira Júnior elege, como um dos principais, a climatização das granjas, considerando que o aumento gradativo das temperaturas no planeta nos últimos anos pode impactar a produtividade. “Outro é o déficit de mão de obra, que vai exigir o uso de ferramentas como a inteligência artificial na automatização das granjas”, diz.
Comércio internacional
Apesar das dificuldades vivenciadas pela cadeia produtiva nos últimos anos, a produção brasileira de suínos não deixou de crescer. Em 2015, por exemplo, o abate foi de 39,26 milhões de cabeças, segundo o IBGE. De lá para cá, o salto foi de quase 50%. Enquanto isso, o consumo per capita, estimulado, na visão de Ferreira Júnior, por um trabalho de marketing bem feito pelo setor, aumentou 33% no período – de 15 kg por habitante/ano, em média, para 20 kg por habitante/ano.
As expectativas de consultores especializados apontam para um crescimento no abate de até 2,6% em 2025, enquanto o consumo per capita, conforme projeções da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), deve oscilar positivamente em 2,1%.
As expectativas com relação à demanda interna e à capacidade de responder a ela mantêm o otimismo dos criadores, não apenas para a sequência do ano, mas para temporadas seguintes. Inclusive, para estreitar contatos internacionais e ampliar as exportações.
Ferreira Júnior lembra que o Brasil manda para fora, atualmente, cerca de 25% do que produz. O restante fica no mercado interno. Os esforços são para atingir 30% nos próximos anos. São Paulo não está entre os maiores exportadores de carne do país, mas lidera em vendas de suínos reprodutores – em 2024, respondeu por uma receita de US$ 385 mil nesse quesito, correspondente a 44% do país, sendo seguido por Paraná e Minas Gerais.
“Estamos trabalhando com uma expectativa boa para o produtor, entendendo que o material genético vai nos levar a conquistar mercados, não só os da América do Sul [onde o Brasil tem boa aceitação], mas de outros continentes. Temos capacidade de produzir suínos com custos extremamente competitivos, o que nos facilita chegar ao mercado internacional”, acredita Ferreira Júnior. “A China é o grande mercado hoje em função da população. Todos querem vender para a China”, completa o presidente da APCS.
China
Por ser o maior consumidor de carne suína no país, São Paulo atrai as atenções de empresas que visam aumentar a capacidade produtiva, como a Topigs Norsvin, líder mundial em pesquisa e desenvolvimento de genética suína, com sede no Paraná, que mantém parcerias com três granjas paulistas – chamadas de multiplicadoras.

Em abril, uma delegação da Topigs Norsvin esteve na China para a 8ª edição do World Pork Event, realizado em Nanyang. O diretor de Negócios e Marketing da empresa, Adauto Canedo, que integrou a comitiva, conta que a viagem permitiu uma imersão no mercado do país oriental, que responde por 50% da produção mundial de carne suína – a maior do planeta. “Estar lá permitiu entender o ritmo, a escala e a visão de futuro com que o país encara a produção de proteína animal”, conta Canedo.
Durante a visita, os executivos da Topigs Norsvin conheceram a estrutura de trabalho das granjas, que eles definem como “altamente tecnológica”. São prédios verticalizados, que abrigam até 4 mil matrizes cada, com um sistema de biossegurança rígido, em que o funcionário fica por 30 dias seguidos nas instalações, para evitar riscos de contaminação, e sai por cinco dias para descansar e ver a família.
Uma dessas granjas é a Muyuan, com a qual a Topigs Norsvin firmou uma parceria para a construção de uma granja núcleo na China, para disseminar genética com marca brasileira. Isso porque, apesar de liderarem a produção mundo e terem um total de 3,2 milhões de matrizes, uma vez e meia a mais do que em todo o Brasil, os chineses não têm cultura de melhoramento genético. “Eles fazem pouca reposição e os cruzamentos são feitos com os próprios plantéis internos”, afirma Canedo.
O resultado é uma produtividade menor que no Brasil, fazendo a China ter que importar ainda 5% do que consome. “A ideia é começar um negócio lá para fazer avaliações do modelo de comercialização. Se a produtividade chinesa aumentar, o país pode começar a exportar para outros mercados da Ásia”.

Além de destacar os potenciais que permitem ao Brasil ser cada vez mais requisitado como um exportador importante, como sanidade e sustentabilidade, Canedo reafirma a relevância de São Paulo nesse contexto. “É um polo de produção que chama a atenção pela organização, modelo de gestão e sistema de produção. Por isso, temos parceiros importantes aqui. São granjas de terceiros, mas que seguem um alto padrão de qualidade para o fornecimento de matrizes”, conclui Canedo.

Newsletter
Acorde
bem informado
com as
notícias do campo
Mais lidas de Tudo sobre AgroSP
1
Barretos 70 anos: veja 10 curiosidades sobre a maior festa de peão da América Latina
2
Laser mede com precisão níveis de carbono em solos agrícolas
3
São Paulo reduz focos de incêndio em 51% em julho
4
Agfintechs crescem e viram alternativa para suprir demanda por crédito rural
5
Drones que batem asas? Pássaros inspiram pesquisa em SP
6
SP e Banco Mundial anunciam R$ 1,1 bilhão para o agro sustentável

PUBLICIDADE
Notícias Relacionadas

Tudo sobre AgroSP
Queimadas de 2024 entram na mira de investigação após pressão de PCC em usinas
Incêndios simultâneos destruíram milhares de canaviais no ano passado e deixaram prejuízo em torno de R$ 1 bilhão ao agronegócio paulista

Tudo sobre AgroSP
Encontro valoriza a força empreendedora das mulheres do campo
Inovação, oportunidades de negócios e exposição de produtos da agricultura familiar marcaram o encontro da Faesp em Ribeirão Preto

Tudo sobre AgroSP
SP: 3 mil mulheres são esperadas em evento sobre liderança no agro
3º Encontro Estadual de Mulheres do Agro será realizado em Ribeirão Preto (SP), com promoção da Faesp e do Sebrae

Tudo sobre AgroSP
SP e Banco Mundial anunciam R$ 1,1 bilhão para o agro sustentável
Com duração de seis anos, programa visa aumentar renda de produtores familiares e melhorar infraestrutura de cooperativas e agroindústrias
Tudo sobre AgroSP
Barretos 70 anos: veja 10 curiosidades sobre a maior festa de peão da América Latina
Com mais de 130 shows musicais e 150 apresentações culturais, a festa ocorre entre 21 e 31 de agosto
Tudo sobre AgroSP
Laser mede com precisão níveis de carbono em solos agrícolas
Pesquisa da Embrapa revela que, no Cerrado, práticas de manejo sustentáveis aumentam em até 50% a matéria orgânica disponível
Tudo sobre AgroSP
Estudo inédito liderado por SP mostra que 64% dos solos do mundo são frágeis
Mapeamento revelou que existe uma relação entre o desenvolvimento econômico dos países e o estoque de carbono nos solos
Tudo sobre AgroSP
São Paulo reduz focos de incêndio em 51% em julho
Segundo dados do Inpe, resultado também ficou abaixo da média histórica para o mês