Sustentabilidade
Governo federal quer restaurar florestas com ajuda da iniciativa privada
Manejo florestal em Unidades de Conservação ainda é pouco utilizado e esbarra em desafios para acelerar processos de concessão

Daumildo Júnior* | Brasília | daumildo.junior@estadao.com
11/12/2024 - 08:00

Com a aprovação da legislação sobre o mercado de carbono, o governo federal prepara a primeira concessão de restauração florestal dentro das Unidades de Conservação (UCs). A expectativa é de que já no próximo ano, cerca de 15 mil hectares da Floresta Nacional do Bom Futuro, em Porto Velho (RO), sejam cedidos à iniciativa privada para começar um processo de recomposição florestal.
Como explica o diretor de Concessão Florestal e Monitoramento do Serviço Florestal Brasileiro (SFB), Renato Rosenberg, há muitas florestas que estão degradadas, ou seja, mesmo conservadas, elas não estão apresentando todo o potencial florestal. A ideia é que esses novos tipos de concessões possam restaurar essas áreas e a forma de “exploração” seja com a geração de créditos de carbono.
“São créditos muito nobres. Estamos falando de restauração em Unidades de Conservação e em parceria com comunidades indígenas. Então o preço de equilíbrio desse crédito na nossa modelagem é cerca de US$ 50 a tonelada”, pontua o diretor.
Ao todo, o investimento estimado para esse primeiro projeto é de R$ 600 milhões. A expectativa do governo é de que não haja problemas para encontrar empresas ou consórcios empresariais interessados na concessão.
“É um setor que tende a crescer muito. São empresas novas que já estão capitalizadas, estão programando projetos e a principal dificuldade para essas empresas é encontrar áreas que estão regulares da perspectiva fundiária no Norte, grandes áreas degradadas regulares na questão fundiária. É isso que o setor público está oferecendo para o mercado”, comenta Rosenberg.
A proposta de concessão passou por consulta pública e recebeu mais 250 apontamentos. A etapa seguinte é enviar para o Tribunal de Contas da União (TCU) para obter a aprovação do órgão e dar início ao leilão. Em janeiro, a proposta deve ser apresentada ao TCU, que tem até 90 dias para analisar.
Intenção é ampliar manejo florestal em UCs
O diretor também conta sobre outros objetivos que o governo pretende no âmbito das concessões das Unidades de Conservação. O Manejo Florestal Sustentável, além de uma alternativa para a rentabilização da reserva legal nas propriedades rurais, é também uma opção para o governo, já que essa atividade ajuda na preservação das UCs.
“As regras do manejo são as mesmas dentro ou fora de Unidade de Conservação, ou seja, numa concessão ou numa reserva legal. Ele é um instrumento muito eficaz para a conservação das áreas porque dá o direito apenas de explorar de uma forma muito cirúrgica e sustentável a floresta. […] A gente entende que a concessão é uma zona de proteção de áreas que são mais sensíveis”, esclarece.
Atualmente, o Brasil tem 1,3 milhões de hectares concedidos para empresas que podem fazer o manejo. A nível de comparação, somente o estado de Mato Grosso, que só tem manejo em áreas privadas, tem mais de 5 milhões de hectares. Em 2006, com a lei de gestão de floresta pública, a expectativa era de alcançar 25 milhões de hectares em áreas públicas. No entanto, Rosenberg aponta que “é um processo muito mais lento do que o desejado”.
A meta do Ministério do Meio Ambiente (MMA) é alcançar 5 milhões de hectares até 2026. Mas a celeridade nos processos de concessão tem esbarrado em duas questões: uma com o Ministério Público Federal e a outra dentro do próprio governo.
No caso do MPF, o diretor explica que é uma questão de negociação com o MPF. “De uma forma geral, os procuradores, principalmente, da área ambiental, têm uma visão positiva [do manejo florestal]. Agora você tem outros procuradores que são críticos, como é comum em todos os temas na sociedade. Então, você tem procuradores que não acreditam no manejo florestal como modelo de desenvolvimento e a gente precisa negociar com eles e cumprir a lei. Eles têm o papel deles e a gente tem o nosso”.
Já na parte interna do Executivo, há “uma falta de normatização sobre a relação entre o manejo florestal e a questão indígena”. Rosenberg pontua que são três aspectos da temática indígena que têm influência na hora de uma concessão.
- Distância entre terras indígenas e concessões de manejo: está previsto em lei que as concessões não podem ocorrer em áreas de comunidades indígenas. Além disso, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) garante que seja feita uma consulta livre, prévia e informada nos casos em que uma ação ou obra pública ou privada afete os povos indígenas. No entanto, não está claro qual a distância entre a terra indígena e a área imaginada para a concessão que seria necessário fazer essa consulta.
- Áreas em estudo para demarcação: nesta situação estão locais que ainda não estão demarcados como terras indígenas, mas estão passando por estudo com essa finalidade. Nesses casos, a solução que o SFB tem encontrado é não seguir com as análises dessas áreas com a finalidade de concessão de manejo florestal.
- Indígenas isolados: segundo o diretor, há 118 indícios ou provas de indígenas isolados no Brasil. A atuação do poder público é respeitar esse isolamento por entender ser voluntário. No entanto, como isso é determinado por provas e indícios, esses elementos se deslocam mostrando que esses indígenas também se deslocaram. Isso traz uma imprecisão na hora de delimitar uma área para o manejo florestal.
O tema indígena está sendo tratado internamente com um grupo de trabalho (GT) composto por MMA, Casa Civil e Ministério dos Povos Indígenas. A intenção é que desse grupo saiam regras capazes de acomodar os interesses de todas as partes e assim facilitar os processos de concessão de manejo florestal em áreas públicas.
Outra intenção do governo para ampliar as áreas com manejo florestal são concessões sobre terras não destinadas. Essas áreas são de domínio público, mas não tem uma definição sobre a finalidade delas, ou seja, não foram encaminhadas para Reforma Agrária, nem para serem Unidades de Conservação, nem para terras indígenas ou terras quilombolas. Devido a esse limbo de destinação, elas estão entre as mais violadas no Brasil.
“A gente pensa que a primeira concessão em área pública não destinada seria a gleba do Castanho no Amazonas, sul de Manaus (AM), porque a gente acha que é uma estratégia superinteressante de conservação. Essas áreas concentram a maior parte do desmatamento no Brasil”, ressalta Rosenberg.
Confira as outras reportagens da série:
Manejo Florestal Sustentável: entenda o que é e como produtor pode gerar receita com reserva legal
Restrições com ipê e cumaru devem reduzir vendas internacionais de madeira em 2025
*Jornalista viajou a Belo Horizonte a convite do Fórum Nacional das Atividades de Base Florestal
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