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“Estamos atrasados”, diz especialista sobre regulamentação do mercado de carbono

Projeto que trata da regulamentação do mercado de carbono passa por impasse político e ainda não tem data para ser analisado; entenda os principais pontos da proposta

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Daumildo Júnior | Brasília| daumildo.junior@estadao.com

22/08/2024 - 08:00

Foto: Adobe Stock
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Com idas e vindas dentro das casas legislativas federais, o projeto de lei (PL) que institui e faz a regulamentação do mercado de carbono brasileiro parece estar encaminhado para ser aprovado. Trata-se do PL 182/2024, que chegou em fevereiro deste ano ao Senado, após a inclusão de textos de propostas mais antigas, uma inclusive do próprio Senado.

Porém, a matéria precisa vencer dois impasses: ajustes finais de conteúdo e a briga política entre Câmara e Senado, já que cada um quer ser a casa final da revisão do projeto. Nos bastidores, uma costura entre senadores e deputados tem sido ajustada para que o PL 182/2024 seja o definitivo e, até então, há uma expectativa de que haja um esforço em setembro para a votação do projeto. 

No entanto, saindo neste ano ou no próximo, a especialista no tema e diretora de Regulação da Biomas, Natália Renteria avalia que a legislação está chegando tarde. “A gente já está atrasado.[…] Agora, a gente precisa adotar um PL que tenha regras claras, que sejam regras operacionais, que tragam segurança jurídica e que impulsione um mercado novo”, afirma ao Agro Estadão.

Do que trata o PL do mercado de carbono?

Como o Agro Estadão mostrou na primeira reportagem da série, existem dois mercados para os créditos de carbono: o regulado e o voluntário. A proposta que tramita no legislativo cria o mercado regulado, mas também traz normas de comercialização para o mercado voluntário. É nele, principalmente, que estão as oportunidades para os produtores rurais. 

Ao menos três pontos criados na comercialização interferem no mercado voluntário:

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  • Criação de um novo ambiente de negociação: atualmente os créditos de carbono gerados no mercado voluntário são vendidos de forma direta. O projeto propõe uma segunda forma de venda, através do mercado financeiro, tornando os créditos um ativo mobiliário – como títulos públicos ou ações. 
  • Tributação: por ser um ativo novo, o crédito de carbono não se encaixa em naturezas jurídicas existentes, como explica a especialista. Com isso, a tributação também fica vaga. Com o mercado regulado, é criada uma formatação de tributação para os créditos, o que afeta também os créditos do mercado voluntário. Basicamente, dentro do mercado voluntário, os créditos negociados em venda direta serão tributados conforme ganho de capital e os créditos negociados pelo novo ambiente serão tributados conforme mercado financeiro.   
  • Exportação de crédito: Como esclarece a especialista, a intenção de um mercado de carbono é trazer capital, ou seja, recursos para uma área que não teria essa oportunidade se não houvesse esse empurrão. Por isso, umas das particularidades do mercado brasileiro, é a exportação de créditos de carbono. O PL traz essa oportunidade e regula os moldes legais para isso. 

Como fica o Agro na regulamentação do mercado de carbono?

O PL 182/2024 cria o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), que é o mercado regulado para todos os setores da economia brasileira. Porém, há alguns critérios de largada que filtram a entrada ou não dessas empresas nas obrigações de redução de carbono. 

Um dos primeiros itens do texto é a retirada do Agro do mercado regulado. Porém, isso vale somente para a produção primária. Isto quer dizer que parte do setor não precisaria observar as medidas de redução das emissões de carbono.  

“Da porteira para dentro, ele [setor] está fora, ou seja, as emissões diretas ou indiretas do produtor não são reguladas. Agora, as indústrias de insumos e matérias-primas que vão vender produtos para esse produtor, serão reguladas se elas entrarem nos critérios. Do outro lado, as agroindústrias, de processamento de carne, laticínio, madeira, por exemplo, também acabam sendo reguladas igualmente”, comenta Renteria.

Outro critério trata da quantidade das emissões dos chamados operadores regulados, que nada mais são do que as empresas que terão que cumprir as metas colocadas no mercado. Nesse sentido, são dois gatilhos:

  • empresas que emitem acima de 10 mil toneladas de dióxido de carbono (CO²) anualmente terão que reportar as emissões;
  • empresas que emitem acima de 25 mil toneladas de dióxido de carbono (CO²) anualmente serão obrigadas a reduzir suas emissões, o que implica que estarão dentro do mercado regulado. 

Além disso, o projeto também altera o Código Florestal. “No início da negociação, houve uma certa dúvida se isso iria ser repetido no PL, o fato de que o Código Florestal permite o uso de áreas como reserva legal para a geração de crédito de carbono. Prevaleceu o entendimento de que é importante trazer isso de maneira clara [no PL] para que justamente o produtor rural tenha esse incentivo resguardado na lei de valorar ou de atrair capital para ele conseguir realizar a regularização ambiental da propriedade,  para ter segurança jurídica”, afirma Renteria.

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Créditos do mercado voluntário no mercado regulado

Na segunda reportagem da série, o Agro Estadão mostrou as formas que o produtor rural tem de gerar créditos de carbono, porém com uso no mercado voluntário. Uma das particularidades do mercado regulado brasileiro é o que se chama de interoperabilidade, que consiste na venda de créditos do mercado voluntário dentro do mercado regulado. 

Por isso, o PL traz a figura do Certificado de Redução ou Remoção Verificada de Emissões (CRVE). A proposta prevê que uma parcela dos créditos gerados no mercado voluntário entre no mercado regulado através da transformação em CRVE pelo Registro Central – um dos órgãos de controle previstos no mercado regulado. Isso beneficia os produtores rurais, já que eles estão gerando créditos no mercado voluntário. 

Mesmo com essa possibilidade, a ideia é que apenas uma parte dos créditos de carbono do mercado regulado venham do voluntário. Essa quantia ou o percentual não está definido no PL, já que a intenção do projeto é estabelecer regras gerais. Segundo a diretora da Biomas, o que existe são especulações baseadas em pesquisas.  

“Existia um estudo chamado PMR Brasil, desenvolvido em parceria entre o Ministério da Economia e o Banco Mundial, e nesse estudo se avaliou as melhores oportunidades de mitigação para o Brasil. O mercado de carbono foi indicado como o mais adaptado aos nossos perfis de emissões e se afastou da possibilidade de imposto [sobre as emissões]. Dentro dessa possibilidade do mercado de carbono, foi indicado que é do interesse do Brasil ter essa portinha, essa possibilidade de entrada do crédito do mercado voluntário, porque isso atenderia ao interesse do país. Esse estudo também indicou que essa porcentagem [de entrada] poderia variar entre 15% e 20%”, pontua Renteria.

Próximos passos para a regulamentação do mercado de carbono

Como mostrado pela reportagem, ainda não há uma previsão de quando a proposta deve ser analisada, além do caminho que ela deve seguir após uma aprovação no Senado. Até então, o PL 182/2024 já contou com algumas audiências públicas, porém não há um despacho oficial sobre a decisão da relatoria ou se irá passar por alguma comissão no Senado. 

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O entendimento é de que a relatoria fique com a senadora Leila Barros (PDT-DF), antiga relatora de um projeto anterior do mesmo tema, e que o anúncio da relatoria e da data da votação aconteça na sequência.

Confira as outras duas matérias da série sobre o mercado de carbono:

Produtor rural no mercado de carbono: quais são as oportunidades e como aproveitar?

Mercado de carbono: entenda o que é e como funciona 

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