Sustentabilidade
Falha do pinhão: do descarte à exportação para a China
Escamas da pinha viram cosmético no Brasil e artesanato na Ásia; pesquisa da Embrapa incentiva pomares comerciais de cultivar enxertada

Mônica Rossi | Porto Alegre | monica.rossi@estadao.com
16/05/2025 - 08:00

Pequenos produtores catarinenses estão exportando pinhão e a falha — as escamas estéreis que preenchem a pinha para que fique redonda e acomode os pinhões —, para a China pelo segundo ano consecutivo. Mas o interesse dos chineses pelas sementes da araucária esbarra em uma cultura extrativista sem previsibilidade de produção. Para permitir a abertura de novos mercados e potencializar a cadeia produtiva da araucária, a Embrapa Florestas incentiva a implantação de pomares comerciais com uso de cultivares precoces.
Produção à base do extrativismo
A produção de pinhão no Brasil ainda é extrativista na maioria das regiões, baseada na coleta manual das sementes em florestas nativas. Por isso, não há uma estimativa oficial sobre o total coletado no país, mas se sabe que são os três estados do Sul os que mais produzem. Nos 18 municípios da Serra Catarinense, por exemplo, a Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri) estima que a safra deste ano deve alcançar 4,5 mil toneladas.
O modo de produção impõe grandes limitações para a expansão e a regularidade da oferta. “Hoje, todo mundo olha para a araucária como uma atividade extrativista. Vai lá na mata, recolhe aquilo que consegue, mas precisamos ter mais planejamento”, relata Zen Amstrong, presidente da Associação dos Produtores Rurais de Painel (SC), que reúne ainda as cidades catarinenses de Urupema e Bom Jardim da Serra.
De acordo com o pesquisador da Embrapa Florestas, Ivar Wendling, a dependência do extrativismo significa que a produção é sazonal, na maioria das regiões está concentrada entre abril e julho. Os produtores estão sujeitos a variações climáticas, legais (a coleta é permitida somente em alguns meses do ano) e ambientais, dificultando a previsibilidade necessária para contratos de exportação ou até mesmo exploração do pinhão pela indústria brasileira. Segundo ele, esse panorama só deve mudar com a adoção de tecnologias como a enxertia e o cultivo planejado, capazes de antecipar o início da produção nas araucárias, padronizar e até mesmo estender a colheita do pinhão para a primavera.
Tecnologia de clonagem via enxertia
A Embrapa Florestas tem pesquisas, conduzidas por Wendling, para tornar o cultivo da araucária mais atrativo e viável economicamente. “A técnica de clonagem via enxertia permite que as araucárias iniciem a produção de pinhões, em média, entre seis a dez anos após o plantio, enquanto no cultivo tradicional esse período varia de 12 a 20 anos”, explica. A técnica reduz também o porte das árvores, facilitando o manejo e a colheita. “Com a produção precoce, o retorno do investimento é mais rápido, incentivando o plantio, a geração de renda e, consequentemente, a conservação da espécie pelo uso sustentável”. Além disso, Wendling enfatiza a importância da profissionalização da cadeia.

Recentemente, o grupo de Wendling publicou análises da composição nutricional dos pinhões de araucárias clonadas por enxertia. Os resultados indicam que a qualidade se mantém quando comparados aos pinhões de árvores tradicionais. Uma publicação técnica foi criada para orientar a implantação de pomares comerciais com o uso de cultivares registradas no Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa).
Nos últimos dois anos, viveiros parceiros da Embrapa venderam cerca de 30 mil mudas de araucária enxertada, estima o pesquisador. Ele ressalta que o maior gargalo, atualmente, é o custo da muda, que pode variar de R$50 a R$200, dificultando a expansão do plantio, principalmente para os pequenos produtores.
Uma saída é o incentivo governamental, como faz o município paranaense de Bituruna com o programa “A Força das Araucárias”, que já tem a adesão de mais de 100 produtores rurais. A prefeitura distribuiu mudas, apoia os produtores e implantou uma agroindústria para o beneficiamento da farinha do pinhão.
Wendling confirma que além de atender o mercado interno, a exportação é outro motivador para o incentivo aos pomares comerciais de araucárias. “Percebemos um interesse do mercado internacional pelo pinhão por ser um alimento natural e por suas características benéficas à saúde. Eu aqui, por exemplo, já recebi três delegações de empresários querendo exportar para a China. Mas, antes de tudo, precisamos aumentar a produção para termos uma constância de matéria-prima, não dependermos do extrativismo e podermos atender toda demanda sem escassez”, reforça.
Na rota de exportação
No último ano, produtores da Serra Catarinense exportaram seis toneladas de falha (as escamas achatadas que compõe a pinha) e 400 quilos de sementes. Segundo a Embrapa, cada pinha madura é composta por, aproximadamente, 30% de falha e 70% de pinhão. O embarque foi feito em parceria com a empresa baiana Licuri Brasil que já atua com exportação para o mercado chinês. “O pinhão foi vendido para a China a US$ 3,50 o quilo (cerca de R$ 19), enquanto a falha sai por US$ 0,50 o quilo. Enquanto isso, o mercado atacadista catarinense paga cerca de R$ 10 o quilo aos produtores”, relata Zen Amstrong, produtor extrativista em Painel (SC).

Para ele, a exportação é um divisor de águas. “Aqui no Brasil, a falha era vista, na maioria das vezes, como lixo. Lá na China, usam a falha para artesanato e também extraem o óleo para indústria cosmética”, explica.
Geise Santana, administradora da Licuri Brasil, conta que a previsão é de repetir o volume em 2025, mas destaca os desafios logísticos. “Estamos no interior da Bahia e reunir material do Sul para envio por navio foi um desafio enorme. Demorou bastante para a carga ser enviada e isso acabou comprometendo a qualidade do que chegou na China. Foi a nossa primeira vez com o pinhão, então foi uma experiência”.
Amstrong contou à reportagem do Agro Estadão que foi preciso adaptar equipamentos para fazer a secagem das falhas. “Se embarcar com a umidade natural, ela mofa devido ao transporte de navio ser longo. A gente fez um pré-secamento dela aqui, tirando parte da umidade, depois ensaca e joga no contêiner. A gente tá quase chegando lá no jeito certo de fazer”, complementa o produtor. Nesta safra, a associação de Painel já embarcou cargas de falhas e pinhão pré-cozido. Os envios devem se repetir nas próximas semanas junto com um contêiner de pinhão in natura.
A administradora da Licuri Brasil ressalta que as expectativas para o crescimento das exportações dependem da experiência deste ano, mas ela acredita que, com ajustes no pré-secamento e embalagem, a qualidade melhore e o volume exportado possa dobrar ou triplicar nos próximos anos.
Novos usos para a falha e sustentabilidade
O aproveitamento da falha já é feito por alguns produtores para soluções de problemas das próprias propriedades como cobertura morta de canteiros de outras culturas e cama de animais, como na criação caseira de aves ou em estábulos. Mas o pesquisador da Embrapa afirma haver várias outras aplicações possíveis para essa parte do pinhão. “Tem estudos para produção de compósitos com a falha, tipo um compensado de boa qualidade, mas não tem volume de produção de pinhas para uma indústria se estabelecer. Até na produção de farinha integral ela entraria já que é rica em fibras e antioxidantes. Então, veja que está tudo pronto até nós termos um volume significativo de produção, tanto do pinhão quanto das falhas. Acredito que nos próximos 10 anos a gente veja muita evolução nesse sentido”, declara otimista.
No setor de cosméticos, uma empreendedora já aposta na araucária há mais de uma década. “Trabalhamos com a falha do pinhão há 12 anos, evitando o desperdício e valorizando a cadeia produtiva local”, conta Rose Bezecry, fundadora da Cativa Natureza, empresa do ramo de cosméticos orgânicos.


A partir da falha do pinhão, a empresa extrai um extrato oleoso que pode ser usado direto na pele. “O extrato de pinhão, obtido por percolação da casca/falha, tem altos níveis de compostos fenólicos e antioxidantes, podendo ser usado puro ou em formulações cosméticas”, explica a farmacêutica. Além do extrato, há outros 5 produtos à base de pinhão sendo comercializados pela Cativa incluindo óleos e cremes. A empreendedora explica que todos possuem certificações como orgânicos e veganos.
Ela destaca ainda que a empresa prioriza a sustentabilidade, comprando de pequenos produtores que ficam na região de Curitiba (PR). Todo ano são utilizados aproximadamente 500 quilos de falha e pinhão na fabricação dos cosméticos. O resíduo obtido após extração dos óleos e extratos volta para a natureza como adubo.
“A primeira vez que vi a árvore de araucária foi lá em Manaus quando eu estava na segunda série em um livro sobre o Sul do país. Passados todos esses anos, fico até arrepiada em poder contar que levo essa maravilha da natureza para as casas de clientes de todo Brasil e até do exterior por meio dos meus produtos”, conclui emocionada a empresária.

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