Sustentabilidade
Conheça o programa que inspirou o Brasil a recuperar 40 milhões de hectares degradados
Com mais de R$ 2 bilhões já financiados, expectativa agora é de ter recursos mais atrativos com o Eco Invest
Daumildo Júnior* | Itaúba (MT) | daumido.junior@estadao.com
24/10/2025 - 05:00

A cerca de 115 quilômetros de Sinop (MT), o que era uma terra vermelha, seca e sem uma microbiologia rica tem ficado preta, úmida e até com minhocas. O que aconteceu na Fazenda Itaúba, do Grupo Biancon, começou em 2020 e transformou a fertilidade de 4 mil hectares. Antes usada como pastagem, hoje essa área cultiva soja, milho, algodão e o que se chama de lavoura de pasto — Integração Lavoura-Pecuária.
A propriedade foi a pioneira no programa Reverte, implantado pela Syngenta e pelo Itaú BBA. A iniciativa foi uma das inspirações para o Programa Caminho Verde Brasil, do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), que pretende fazer a conversão de 40 milhões de hectares de pastagens degradadas no prazo de 2023, data de lançamento, a 2033.
A intenção é que, até 2030, o Reverte alcance 1 milhão de hectares recuperados. Atualmente, a parceria entre as empresas já recuperou 279 mil hectares de áreas degradadas em 11 Estados, sendo Mato Grosso o principal.
Como funciona o Reverte?
De forma geral, o início é feito com uma proposta aos agricultores que os agentes de campo das empresas identificam ter “potencial” para o programa e querem expandir a área agrícola. Foi assim com a Fazenda Itaúba. Uma vez que o produtor aceita, começa um processo de análise.
“A gente faz toda uma análise socioambiental para entender se aquele produtor está adequado à legislação brasileira. Passando por essa elegibilidade, o Itaú começa o processo de análise de crédito para entender qual é a necessidade de limite de crédito e montar uma proposta individualizada para aquele produtor em termos de prazo, carência e também da taxa de juros”, destaca ao Agro Estadão o gerente do Reverte e de projetos de Sustentabilidade da Syngenta, Jonas Oliveira.
Nessa avaliação, alguns critérios são observados:
- Cadastro Ambiental Rural (CAR) da área beneficiada e das outras propriedades do grupo ou produtor;
- Todas as áreas do grupo ou do produtor não podem ter desmatamento ilegal desde 2008;
- A área beneficiada não pode ter desmatamento legal a partir de 2018;
- Produtor precisa ter experiência prévia nas culturas que pretende plantar.
Uma vez que o contrato está firmado, o Itaú entra com a liberação do crédito e a Syngenta com uma assessoria agronômica, mantida durante a vigência do contrato. Nesse acordo firmado, há também contrapartidas do produtor, como explica Oliveira.
“A gente aplica um questionário anual para entender como o produtor está fazendo esse processo. Por exemplo, lá no contrato fala que ele tem que aplicar boas práticas agrícolas como manejo de planta de cobertura, rotação de culturas, mas a definição de como fazer é do agricultor”, comenta. Na parte financeira, o produtor tem até 240 dias depois do dinheiro liberado para apresentar notas fiscais de que os recursos foram aplicados na área foco.

Foto: Daumildo Júnior/Agro Estadão
Prazos alargados são apontados como diferencial
De 2020 até o momento, o programa já desembolsou um pouco mais de R$ 2 bilhões. A expectativa é de que até 2030 esse montante alcance algo entre R$ 7 bilhões e R$ 10 bilhões.
Como esclarece o head de ESG Agro do Itaú BBA, João Adrien, o produtor do Reverte tem acesso a duas linhas de crédito. “No desenho desse projeto com o cliente, a gente entende se ele precisa de capital para fazer a conversão ou se ele também precisa de capital para a conversão e para o custeio dessa operação ao longo dos anos”, comenta à reportagem. Há também flexibilidade para uma tomada de custeio durante a vigência do contrato, mesmo se, no início, a decisão foi apenas pela linha de investimento.
Quanto as condições, Adrien diz que a proposta é individualizada. Um diferencial em relação ao mercado são os prazos — até dez anos, sendo até três de carência. Já os juros são livres, mas com uma taxa melhor, pois a Syngenta entra como avalista no negócio.
“Depende de várias condições, se tem garantias reais ou não. Tem várias questões, mas o Reverte tem taxas melhores que o mercado, mas não tão atraentes quanto Plano Safra, porque, de fato, é muito difícil conseguir esse tipo de incentivo somente no setor privado”, complementa.
Eco Invest e Reverte
Dos recursos utilizados no financiamento, 70% vêm de CPRs. Há ainda um bond (título) de biodiversidade emitido no exterior para captar recursos de fora do país.
O head do Itaú BBA também revela a intenção de fazer uma “dobradinha” com o Eco Invest. A ideia é que os recursos do 2º leilão do Eco Invest também possam ser aplicados dentro do Reverte — R$ 3,8 bilhões no caso do Itaú. No entanto, há certo desafio quanto ao enquadramento, já que os projetos com recursos do Eco Invest precisam atender mais exigências.
“Estamos estudando bastante essa estratégia. Existe um grande potencial em mesclar o Eco Invest e o Reverte. Evidentemente, a gente tem que compreender um pouco o perfil do produtor, porque o Eco Invest traz contrapartidas bastante robustas em termos de questões socioambientais. Então, a gente precisa encontrar o produtor que tem interesse em assumir todas as responsabilidades e ainda também ser um produtor parceiro da Syngenta”. A expectativa é de que o primeiro financiamento nesses moldes seja feito em breve.
Sistema Integrado é prática adotada por maioria de áreas recuperadas
Das propriedades participantes do Reverte, 70% adotam, em alguma medida, o Sistema Integração Lavoura-Pecuária (ILP). Na Fazenda Itaúba, 2,3 mil hectares da propriedade estão no ILP. O uso tem sido vantajoso, não só pela questão de trazer mais fertilidade ao solo, mas por ser uma opção para terrenos mais arenosos e para os quais não se conseguiria fazer uma rotação de cultura com o milho ou algodão na segunda safra. Por isso, os produtores entram com a soja no início da safra e, na colheita da oleaginosa, plantam a braquiária.
O agrônomo do Grupo Biancon, Deivid Signor, explica que esse tipo de capim ajuda na estruturação do solo. Outro ponto é a presença de matéria orgânica. Isso ajuda na retenção de água e no enriquecimento da microbiologia daquela área. Em contrapartida, plantar a braquiária após a soja contribui para uma menor adubação química, já que há uma fertilidade residual e o nitrogênio fixado.
“A braquiária é uma grande ferramenta na questão da ciclagem de nutrientes, principalmente de potássio. Ela consegue jogar esse potássio que já vem de adubações anteriores e colocar ele para cima”, incrementa Signor.
*Jornalista viajou a convite da Syngenta e do Itaú BBA
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