Inovação
Pesquisadores obtêm mel com sabor chocolate da casca da amêndoa do cacau
Usando mel de abelhas sem ferrão, estudo da Unicamp transforma resíduo da indústria em ingrediente sustentável
Igor Savenhago | Ribeirão Preto (SP)
01/11/2025 - 05:00

Pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) desenvolveram um novo tipo de mel com sabor e propriedades semelhantes ao chocolate. A inovação resulta da combinação entre mel de abelhas nativas brasileiras e cascas de amêndoa de cacau — subproduto normalmente descartado na produção de chocolate. O estudo, destaque de capa da revista científica internacional ACS Sustainable Chemistry & Engineering, propõe uma alternativa sustentável que pode interessar tanto ao setor alimentício quanto ao cosmético.
O grupo utilizou o mel como solvente natural e comestível para extrair da casca compostos bioativos, como teobromina e cafeína — substâncias associadas a efeitos estimulantes do sistema cardiovascular. A técnica empregada, chamada extração assistida por ultrassom, também aumentou a concentração de compostos fenólicos no mel, que têm propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias.
Segundo Felipe Sanchez Bragagnolo, autor principal do artigo e pesquisador de pós-doutorado na Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) da Unicamp, o produto combina sabor e funcionalidade. Segundo ele, além do apelo sensorial, o mel enriquecido apresentou quantidades expressivas de compostos benéficos.
Os primeiros testes sensoriais, ainda informais, indicaram que o sabor lembra bastante o do chocolate, dependendo da proporção entre mel e cascas utilizada na mistura. A equipe, em parceria com a Inova Unicamp — agência de inovação da universidade –, busca agora empresas interessadas em licenciar a tecnologia, que já tem patente depositada, e explorar comercialmente o novo produto.

Foto: Adobe Stock
Abelhas nativas e sustentabilidade
O estudo também destaca o papel das abelhas sem ferrão na valorização da biodiversidade brasileira. O mel dessas espécies possui mais água e menor viscosidade que o da abelha-europeia (Apis mellifera), o que o torna um melhor solvente.
Cinco tipos diferentes de mel encontrados no País foram avaliados: das abelhas borá (Tetragona clavipes), jataí (Tetragonisca angustula), mandaçaia (Melipona quadrifasciata), mandaguari (Scaptotrigona postica) e moça-branca (Frieseomelitta varia). As cascas de cacau foram cedidas pela Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (Cati), em São José do Rio Preto (SP).
O mel de mandaguari foi o escolhido para otimizar o processo, por apresentar níveis intermediários de água e viscosidade. Entretanto, os pesquisadores destacam que o método pode ser facilmente adaptado a outros tipos de mel, de acordo com a disponibilidade regional.
Tecnologia limpa e eficiente
A extração assistida por ultrassom funciona com uma sonda metálica que, ao emitir ondas sonoras dentro do recipiente contendo o mel e as cascas, cria microbolhas que implodem e rompem as células vegetais, liberando os compostos desejados.
A técnica é considerada uma solução de “química verde”, pois reduz o uso de solventes artificiais e diminui o tempo de processamento, tornando o método mais sustentável e econômico.
A sustentabilidade do processo foi avaliada com o software Path2Green, criado pelo grupo do professor Mauricio Ariel Rostagno, orientador de Bragagnolo e coordenador do estudo. “Com equipamentos de ultrassom relativamente simples, cooperativas e pequenas indústrias que já lidam com mel e cacau poderiam diversificar sua produção e criar um item de alto valor agregado, inclusive para a gastronomia de ponta”, observa Rostagno.
Próximos passos
O grupo prepara novos experimentos para verificar se o ultrassom também contribui para eliminar microrganismos naturalmente presentes no mel, o que poderia aumentar seu tempo de prateleira. Diferentemente do mel da abelha Apis, o das espécies nativas geralmente precisa ser refrigerado ou pasteurizado.
Os cientistas também pretendem explorar outras aplicações do método, utilizando o mel de abelhas sem ferrão como solvente para extrair compostos de diferentes resíduos vegetais.
O trabalho recebeu apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e contou com diversas bolsas de estudo. O artigo completo pode ser acessado clicando aqui.
São Paulo receberá curso

Foto: Felipe Meireles/Arquivo pessoal
A diversidade de sabores, cores, texturas e usos gastronômicos do mel de abelhas sem ferrão, que a cada dia ganha novos elementos, será tema de um curso de sommelier de mel entre os dias 5 a 7 de novembro em São Paulo.
A formação visa capacitar para a análise, percepção e descrição das características de cada tipo de mel, utilizando metodologia própria desenvolvida em parceria com instituições de pesquisa do País. Será abordado, também, o mel de abelhas com ferrão.
O conteúdo do curso será composto por informações como: de onde vem o mel, como se forma e por que cada tipo é único no mundo; análise sensorial aplicada ao mel; introdução à palinologia, ciência que estuda os grãos de pólen no mel; roda sensorial como ferramenta de degustação, comunicação e curadoria; metodologias usadas em concursos profissionais de mel; além de storytelling gastronômico e criação de produtos.
O curso será ministrado por Felipe Meireles, analista sensorial de alimentos, botânico e sommelier de mel, Fernanda Cunha, produtora gastronômica do MasterChef Brasil, e o chef Gabriel Vidolin.
Segundo Meireles, um dos objetivos da iniciativa é buscar a valorização do mel brasileiro, que tem chegado ao berço da gastronomia global. “Grandes chefs franceses começam a descobrir as possibilidades e a tratá-los como novas iguarias. Tanto que isso tem estimulado ensaios para exportação de mel de abelhas nativas pelo Brasil, que ainda é bem incipiente”.
O impulso às vendas no mercado interno também está no radar. De acordo com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), a população brasileira consome, em média, 60 gramas por pessoa/ano de mel. Nos Estados Unidos, são 850 gramas; na China, 1,5 quilo; e, na Alemanha, 3 quilos.
“Além de dar a oportunidade de os produtores decidirem o que querem fazer com o mel deles e como podem agregar valor, o curso vai apontar que o aumento do consumo passa por uma educação das pessoas, para que se interessem em conhecer a biodiversidade que o País é capaz de oferecer”, diz Meireles.
Mais informações sobre o curso podem ser obtidas aqui.
Pesquisas sobre cacau
No caso do cacau, as potencialidades, que estão até na casca das amêndoas, têm atraído o interesse de investidores nacionais e estrangeiros, especialmente diante das dificuldades enfrentadas pelos países africanos, principais produtores da commodity.

Foto: Adobe Stock
Com isso, o Brasil ganha relevância estratégica, já que o aumento da produtividade nacional pode contribuir para um mercado internacional mais sustentável. Apesar de já ter sido o maior produtor mundial, o País ainda busca retomar a competitividade: a produção atual é de cerca de 200 mil toneladas anuais, quando seriam necessárias mais de 300 mil para atender à demanda interna. A meta é alcançar 400 mil toneladas até 2030.
Um dos caminhos para esse avanço está na expansão do cultivo em áreas não tradicionais, como São Paulo e Minas Gerais. Nesse contexto, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) aprovou o projeto “Cacau 360”, dentro do edital Centros de Ciência para o Desenvolvimento (CCD), coordenado pela Diretoria de Pesquisas dos Agronegócios (APTA) por meio do Instituto de Tecnologia de Alimentos (ITAL).
O projeto abrange cinco plataformas: agronômica, processamento, coprodutos, aplicação em alimentos e suporte técnico, com duração de cinco anos. E reúne instituições como CATI, USP, Unicamp, ESALQ, UFSCar, CEPLAC, Instituto Biológico e Instituto Agronômico de Campinas (IAC), com foco na integração de pesquisas e fortalecimento da cadeia cacaueira paulista.
Em Minas, a Empresa de Pesquisa Agropecuária (Epamig) desenvolve seu primeiro projeto voltado ao cultivo de cacau, voltado a gerar conhecimento técnico e científico sobre o comportamento do cacaueiro em diferentes sistemas de produção sob as condições climáticas do norte do Estado. A região apresenta grande potencial para a cultura, favorecida por solo, clima e infraestrutura. Além do valor econômico, o cacau é considerado uma alternativa sustentável, capaz de recuperar áreas degradadas e contribuir para o enfrentamento das mudanças climáticas.
O projeto “Desempenho agronômico do cacaueiro cultivado em pleno sol e consorciado com bananeira no semiárido mineiro”, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas (Fapemig), está na fase de preparo das áreas experimentais e aquisição de mudas, que serão plantadas nas unidades da Epamig Norte, em Mocambinho e Gorutuba, a partir de abril de 2026.
Coordenado pela pesquisadora Wlly Dias, o estudo analisará o impacto do consórcio com bananeiras, o efeito da exposição solar nas folhas e a viabilidade do cultivo no semiárido. A meta é criar e difundir tecnologias para toda a cadeia do cacau — do viveiro ao processamento das amêndoas — e fortalecer a produção mineira e nacional, ainda insuficiente para atender à demanda interna.
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