Economia
Gergelim: após crescer mais de 3.000% em 10 anos, cultura esbarra em entraves
Antes ligada especialmente à agricultura familiar, produto virou opção na segunda safra, principalmente em Mato Grosso
Sabrina Nascimento | São Paulo | sabrina.nascimento@estadao.com
09/06/2025 - 08:00

Há alguns anos, o gergelim deixou de ser uma cultura semeada pela agricultura familiar no Brasil para se transformar em uma opção importante na segunda safra, especialmente em Mato Grosso — maior produtor nacional de grãos.
A cultura, que, de acordo com dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) na safra 2014/2015 ocupava 20 mil hectares no país, com uma produção de 14 mil toneladas, despertou os olhares de grandes produtores.
Como resultado, dez safras depois, avançou para 660 mil hectares, atingindo 361 mil toneladas no ciclo 2023/2024 — um crescimento de 3.200% na área plantada e de 2.478% na produção. Mato Grosso liderou a produção nacional, respondendo por 64%. Na sequência, vêm Pará (22%), Tocantins (13%) e Goiás (1%).

No entanto, o mais recente levantamento da Conab aponta uma leve retração no cultivo no ciclo atual (2024/25). A área semeada no país deve recuar 4,1%, para 632,9 mil hectares, enquanto a produção está estimada em 318,8 mil toneladas — queda de 11,8%.
Segundo a Associação dos Produtores de Feijão, Pulses, Colheitas Especiais e Irrigantes de Mato Grosso (Aprofir), a continuidade da expansão do gergelim esbarra em alguns desafios. Isso acende um sinal de alerta sobre a sustentabilidade do crescimento dos últimos anos.
“Foi uma ascensão muito rápida, mas hoje estamos vivendo uma pressão muito forte sobre os preços, justamente porque 97% do que plantamos no Brasil é uma única variedade, chamada K3, que é de gergelim amargo, próprio para a extração de óleo, mas que não atende a indústria alimentícia, que paga mais”, afirmou Marcos da Rosa, vice-presidente da Aprofir.
Conforme da Rosa explicou ao Agro Estadão, o K3 ganhou espaço no campo por uma característica agronômica importante: a cápsula que envolve as sementes é mais fechada, o que reduz significativamente as perdas na colheita.
No gergelim, essa é uma questão crítica, já que a maioria das variedades disponíveis abre facilmente, derrubando as sementes ainda na lavoura, causando perdas. “O problema [das demais cultivares] não é nem a máquina, é a genética. A semente é muito leve, se perde muito fácil. Por isso, os produtores migraram para o K3, que tem baixa perda”, contou.
Um outro resultado da dependência de uma única variedade é uma pressão crescente sobre os preços. De acordo com o vice-presidente da Aprofir, o valor pago ao produtor tem recuado. “Nós chegamos a um ponto em que ou desenvolvemos novas variedades que garantam uma melhor rentabilidade ou o gergelim começa a perder espaço. Como o preço já caiu mais de US$ 400 dólares por tonelada, o custo de produção já começa a ficar apertado”, salienta.

Gargalo da pesquisa e na estrutura portuária
A falta de pesquisa com foco no desenvolvimento de sementes adaptadas às condições brasileiras e com perfil para o mercado de alimentação é, segundo Rosa, o principal entrave para o avanço sustentável da cultura. “O produtor correu na frente, mas a pesquisa ficou para trás. Precisamos de variedades doces, com cápsula fechada e boa produtividade. Só assim vamos acessar mercados que pagam melhor”, disse.
Porém, atualmente, há esforços para reduzir a dependência do K3. A Aprofir firmou convênios com instituições internacionais, como uma universidade na China, que pesquisa gergelim desde 1986. Há também parcerias com empresas de outros países. “Temos uma novidade este ano, uma variedade trazida por uma empresa israelense, com base genética de gergelim doce. Vamos começar a colher agora, é promissora, mas só dá para dizer algo depois que estiver no armazém”, ressalta.
Com esse movimento, o setor almeja um melhor cenário de preços e elevar suas exportações para o Oriente Médio, Ásia e África, onde há preferência pelo gergelim doce, principalmente para a produção de tahine e panificação, além de outros pratos típicos.
Outro entrave dos produtores está nos portos. Conforme relata Rosa, a estrutura portuária do país é prioritariamente voltada para os grandes volumes de soja e milho, o que acaba deixando produtos como o gergelim em segundo plano. “Nós temos hoje um problema de atraso hoje. O exportador atrasa porque não há espaço para ele ou a própria verificação fiscal vegetal lá no porto demora mais, não há rapidez. Então, o exportador tem sofrido um pouco”, detalha, ressaltando que esses problemas portuários também são relatados por produtores de feijão da Aprofir.

Derivados e mercado nacional
Além da demanda internacional, o movimento de expansão do gergelim no Brasil é impulsionado também pela valorização dos seus derivados no mercado nacional.
À frente desse desenvolvimento, estão empresas como a Sésamo Real, fundada pelos irmãos Fábio Benatti e Túlio Benatti, pioneiros no processamento de gergelim no Brasil, ainda na década de 80. “Até então, a colheita era manual e isso inviabilizava a entrada de grandes produtores. Mas, com o avanço da mecanização, o gergelim ganhou escala e começou a ocupar uma posição mais relevante na agricultura brasileira”, explicou Túlio ao Agro Estadão.
Há alguns anos, além do mercado de grãos, a Sésamo Real apostou na agregação de valor por meio dos derivados de gergelim. O portfólio inclui gergelim descascado, torrado, óleo de gergelim natural e pasta de gergelim, conhecida como tahine.
No Brasil, a adesão crescente à culinária oriental e a busca por alimentos mais naturais, ricos em proteínas e gorduras saudáveis, contribuem para manter uma demanda aquecida.
E, mesmo com uma variedade predominando entre os cultivos, segundo Benatti, a oferta que chega do campo tem sido suficiente para manter um mercado equilibrado. “O gergelim deixou de ser apenas um grão para decoração de pães. Ele virou protagonista em várias cadeias alimentares e industriais”, destacou.
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