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Economia

Do cavalo arreado à amêndoa de ouro: desafios e oportunidades do cacau brasileiro

Com preços recordes e oferta restrita de amêndoas, produtores e indústria do cacau têm desafio de elevar a produtividade

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Rafael Bruno* | São Paulo | rafael.bruno@estadao.com

31/08/2024 - 09:00

Cacau recém-quebrado, polpa fresca. Foto: Ciapra
Cacau recém-quebrado, polpa fresca. Foto: Ciapra

Ao caminhar pelas lavouras de cacau no sul da Bahia e degustar a fruta diretamente do pé, uma frase imperativa ressoa: “não joguem a amêndoa fora, coloquem aqui, está valendo ouro!”. 

A orientação parte da presidente-executiva da Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau (AIPC), Anna Paula Losi, que, além de conhecer a realidade das moageiras, também faz questão de acompanhar de perto o trabalho duro de milhares de cacauicultores Brasil afora. 

Anna Paula Losi, presidente-executiva da AIPC. Foto: Ana Lee Sales/Banco de Imagens AIPC e CocoAction Brasil

Se por um lado a indústria se depara com déficit da matéria-prima, por outro, o produtor tem encontrado nas cotações motivos para sorrir: os preços da commodity bateram recordes neste ano. Desta forma, se de amêndoa em amêndoa se chega a uma tonelada, desperdício é uma palavra proibida no setor.

Em abril de 2024, o cacau chegou a ser negociado em torno de US$ 12 mil a tonelada na Bolsa de Nova Iorque. Neste segundo semestre, os preços têm variado entre US$ 7 mil e US$ 8 mil, patamar ainda elevado em comparação ao observado um ano antes, quando a tonelada chegava a US$ 3,5 mil. 

O cenário altista é justificado pela perspectiva de queda na oferta global do produto. De acordo com a Organização Internacional do Cacau (ICCO), o déficit da produção no mundo passa de 400 mil toneladas na atual temporada (2023/2024).

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O principal impacto parte de problemas nas safras da Costa do Marfim e de Gana, países que representam aproximadamente 58% da produção mundial de cacau e que foram afetados por condições climáticas.

Para o sócio-diretor da consultoria Markestrat, José Carlos de Lima Júnior, devido ao desalinhamento entre oferta e demanda, os preços deverão continuar elevados. 

“Com os dois maiores produtores enfrentando problemas com pragas e seca severa; redução de área no Brasil e efeitos climáticos, a oferta tem caído significativamente. Por outro lado, a demanda tem se mantido constante e com incremento de consumo ano após ano. Ainda que novos investimentos possam ser feitos, até essas novas áreas entrarem em produção, teremos alguns anos de gap. Possivelmente, de uns cinco anos, no mínimo”, diz Lima Júnior ao Agro Estadão.

O cavalo está passando arreado pelos cacaueiros

Diante das incertezas mundiais quanto à produção de cacau, em paralelo aos altos preços pagos pela commodity, o Brasil chama atenção pelo potencial produtivo, sendo capaz de atingir 400 mil toneladas de amêndoas de cacau até 2030 e superar esse número no médio/longo prazo. Mas, para isso é preciso estar atento.

“Está havendo uma confluência, vamos dizer de interesses, que eu tenho falado nas palestras, o cavalo tá passando arreado aqui – no no jargão do Campo, né!? Temos que subir nesse mangalarga marchador arreado… agora é a nossa hora de fazer essa virada e realmente acompanhar esse mercado, se tornar autossuficiente e virar exportador”, comenta  Pedro Ronca, diretor do CocoaAction Brasil, destacando que o nível institucional do Brasil tem viabilizado o desenvolvimento da cadeia produtiva nos últimos anos. 

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Pedro Ronca, diretor do CocoaAction Brasil. Foto: Ana Lee Sales/Banco de Imagens AIPC e CocoAction Brasil

“A indústria está interessada que o Brasil volte a ser uma origem importante [de produção], não necessariamente a maior, mas uma origem com relevância e a gente sentiu essa mudança muito forte nos últimos dois anos”, diz Pedro, que ainda afirma: “eu tenho vergonha de falar que eu trabalho com cacau e que a gente é importador de cacau, que a gente não tem capacidade de produzir para atender a indústria nacional. É uma vergonha! E nós ainda somos o quinto maior consumidor de chocolate do mundo, isso é incrível”.

Anna Paula Losi concorda e enaltece a demanda interna entre os diferenciais competitivos da cacauicultura nacional. “O  Brasil é o único país ou um dos poucos países que têm todos os elos da cadeia, então, aqui a gente tem a produção de amêndoa, a gente tem a indústria moageira – que compra esse cacau e transforma no derivado -, a gente tem a indústria chocolateira e a gente tem consumidor”, comenta. 

A presidente-executiva da AIPC também destaca a vantagem brasileira frente a mercados internacionais. “A Europa é a maior região moageira, a maior região chocolateira ou maior a consumidora de chocolate, mas depende 100%  [da importação] e – a não ser que mudem muita a tecnologia – eu acho que a Europa nunca vai conseguir produzir cacau, então, eles vão ser sempre 100% dependentes da importação. Nos Estados Unidos a mesma coisa, dependem 100% de importação de cacau. Já na África, apesar da gigantesca produção, não tem indústria chocolateira e não tem a força motriz de qualquer cadeia, que é o consumo”.

Para a executiva, existe um grande potencial de crescimento do setor no Brasil, fato que deve seguir atraindo a atenção de agentes internacionais. “E esse crescimento, essa possibilidade de desenvolvimento da nossa cadeia [produtiva], é resultado de um trabalho conjunto de anos entre governos [estaduais e federal], indústria moageira, indústria chocolateira e produtores que têm buscado aumentar a produção”, explica Losi.

Desafios e projetos para o desenvolvimento da cadeia produtiva do cacau

Atualmente, o Brasil ocupa a sexta posição no ranking mundial de produção de cacau. Em 2023, a indústria processadora recebeu 220 mil toneladas de amêndoas nacionais. Apesar do crescimento de 7% frente às 205 mil toneladas de 2022, o país ainda não é autossuficiente na produção do fruto

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No primeiro semestre deste ano, o volume de amêndoas nacionais (58,3 mil t) que chegou às indústrias processadoras caiu 37,4%, na comparação com o primeiro semestre do ano passado. A escassez do produto brasileiro impactou as operações de industrialização nesse período, resultando no recuo de 9,5% na moagem de cacau. O volume industrializado de amêndoas no semestre foi de 114,3 mil toneladas, frente às 126,4 mil toneladas observadas de janeiro a junho do ano anterior.

Para reverter esse quadro, ou ao menos minimizar, diferentes atores da cadeia produtiva têm participado e desenvolvido inúmeras ações que visam aumentar a produção e a produtividade do cacau brasileiro. Entre os principais projetos para alavancar e qualificar ainda mais a produção do Brasil está o Plano Inova Cacau 2030, empreendimento liderado pelo Ministério da Agricultura e Pecuária, por meio da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (CEPLAC), e pelo CocoaAction Brasil, uma iniciativa da Fundação Mundial do Cacau (WCF). 

Entre as metas para o incremento de produtividade e expansão sustentável da produção brasileira de cacau estão:

  • Aumentar para 30% o número de produtores e produtoras recebendo assistência técnica qualificada;
  • Aumentar o número de contratos/ano para 15 mil e atingir R$250 milhões em valor do crédito tomado por produtores e produtoras no âmbito do Plano Safra;
  • Revitalizar 100 mil hectares de áreas de produção, melhorando a densidade de cacaueiros e/ou renovando-os;
  • Ter 30% dos produtores e produtoras inseridas em programas públicos ou privados de sustentabilidade;
  • Expandir em pelo menos 120 mil hectares de áreas de produção de cacau;
  • Produzir cerca de 30 milhões de sementes e mudas de cacau por ano até 2030;
  • Capacitar, treinar e certificar 150 viveiros de produção de sementes e mudas de cacau.

Investimento, produtividade e rentabilidade

A média de produtividade atual do Brasil é de 350 quilos de amêndoas por hectare, um patamar muito baixo. Para atingir a meta de processamento de 400 mil toneladas ao ano, a produtividade média tem que subir para cerca de 650 quilos por hectare, número ainda razoável diante da capacidade já observada em demais produções.

“Se o produtor faz o básico agronômico – aplicação de calcário, gesso e etc. – ele faz mil quilos, se ele [produtor] caprichar ele faz 2 mil quilos… e a média nacional é 350 [kg/ha]”, comenta Pedro Ronca.

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“Por exemplo, em regiões de alta tecnologia, que a gente chama de novas fronteiras, que já entra com cacau irrigado, com tecnologias, tem quem faz 3 mil, até 3,5 mil quilos por hectare.  É por isso que a gente diz que se a gente investir em melhorias, a gente vai chegar nas 400 [mil t para moagem] que é algo que a gente precisa chegar e  não vai levar nem dez anos”, diz Anna Paula Losi.

Entre os desafios para o desenvolvimento, os especialistas apontam a baixa capacidade de investimento dos produtores, que inviabiliza a renovação de áreas produtivas.

“Se o produtor não renova, ele não tem produção lá na frente e permanece no mesmo ciclo: não investe, aí não tem retorno, sem retorno não investe novamente e segue num ciclo negativo. Mas se ele conseguir elevar a produtividade, ele duplica a renda e, então, ele começa a retomar a capacidade de investimento dele, começa a botar mais mudas de cacau, começa a cuidar da poda […]”, contextualiza o diretor da CocoaAction Brasil.

Mas para que esse desenvolvimento seja possível e tangível à cacauicultura brasileira, composta em maioria  por pequenos agricultores familiares – que representam aproximadamente 70% do setor -, é preciso informação, qualificação e orientação. A assistência técnica, nesse âmbito, é fundamental. 

Nesse sentido, um projeto no sul da Bahia, por exemplo, vem transformando a vida de produtores da região, promovendo o desenvolvimento sustentável e a melhoria das condições de vida, não só dos agricultores, mas também da comunidade ao redor; é o Programa Cacau+, que você, leitor, vai conhecer em breve aqui no Agro Estadão. 

*Jornalista viajou para Ilhéus (BA) a convite da AIPC e CocoaAction Brasil

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