Economia
Cacau atinge preço histórico e ultrapassa U$ 10 mil a tonelada; até quando os produtores vão lucrar?
Especialista diz que produção de cacau será o melhor negócio para o agro nos próximos anos; produtores pedem política de apoio
Fernanda Farias | fernanda.farias@estadao.com
25/03/2024 - 16:05
Dos 47 anos de vida, Adilson José Almeida já dedicou mais de 30 anos à produção de cacau. A fazenda em Jitaúna, no sul da Bahia, é da família há mais de 60 anos e garante o sustento, apesar das imensas dificuldades que ele relata enfrentar. Por isso, ao falar sobre os atuais preços do cacau, Adilson fica empolgado. “Vou comprar um trator para transportar o cacau”, disse por telefone ao Agro Estadão.
É que a produção dos 32 hectares ainda é carregada no lombo dos muares – animais frutos do cruzamento da égua com jumento. São 1,8 mil arrobas de cacau por ano. Além do primeiro trator, Adilson planeja investir na propriedade. “Fazer uma estrada para ter um acesso melhor às plantações, mais uma casa com banheiro para os funcionários”, planeja.
A tonelada do cacau atingiu um preço histórico nesta segunda-feira, 25, e está valendo US$ 9.660,00 na Bolsa de Nova Iorque. Ela serve de parâmetro para os valores praticados no Brasil. Por isso, a expectativa do Adilson é de que continue assim quando ele começar a colher o cacau, a partir de abril.
“Esse preço é o preço dos sonhos”, diz ele. “Minha mãe conta que lá por 1977, era US$ 7 mil a tonelada. E que com 200 arrobas dava para comprar uma caminhonete nova!”
Pelas previsões dos institutos e análises de economistas, o Adilson e os 93 mil produtores de cacau que existem no país podem ficar tranquilos. A tendência é de preços altos por um longo período. O economista Caio Augusto, da Terraço Econômico, afirma que só na próxima safra pode haver uma redução no preço – no segundo ou terceiro trimestre de 2025.
“Em mercado futuro, se fala em valores de até US$ 10 mil [a tonelada]. Os preços estão subindo, não porque se espera colher menos agora, mas porque efetivamente está sendo colhido muito menos na principal região produtora de cacau do mundo” afirmou ao Agro Estadão.
Por que o cacau está valorizado?
Os preços do cacau vêm subindo desde o início de 2023, quando a maior região produtora no mundo começou a enfrentar dificuldades na produção. A África Ocidental foi fortemente afetada pelas secas do El Niño e boa parte das lavouras foi destruída por doenças, entre elas a do “broto inchado”.
Os produtores de Costa do Marfim e Gana estão colhendo entre 400 mil e 500 mil toneladas de cacau, uma redução de 30% no resultado da safra anterior, quando colheram entre 600 e 620 mil toneladas do fruto.
“Costa do Marfim representa 44% da oferta global e Gana tem uma fatia de 14%. Ou seja: praticamente 2/3 de todo cacau produzido no planeta está numa região que passa por severa queda de produção nesse momento”, afirma Caio Augusto.
Indústria paga mais pelo cacau e o resultado é uma Páscoa mais cara
A lei da oferta e da procura não falha e o resultado está na valorização do cacau. A presidente-executiva da Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau (AIPC), Anna Paula Losi, diz que o chocolate comercializado nesta Páscoa já foi produzido com cacau mais caro. “Em outubro de 2023, quando o cacau foi contratado, o preço já era 70% maior que em 2022”, avalia ao Agro Estadão.
Anna Paula lembra que, em março de 2023, a tonelada era vendida a US$ 2.5 mil e exatamente um ano depois, em março de 2024, ela está acima de US$ 8 mil. E que cada indústria tenta absorver esse preço da melhor maneira possível, mas é inevitável que ele chegue até a ponta – no consumidor.
O Brasil já é autossuficiente na produção de cacau ou precisamos importar?
A Associação Nacional dos Produtores de Cacau (ANPC) afirma que o país já produz o suficiente para o consumo interno. A presidente, Vanuza Barroso, diz que 290 mil toneladas foram colhidas em 2023, de acordo com o IBGE. O Pará é o maior produtor (em relação à produtividade), junto com a Bahia. Mas existe produção também em Minas Gerais, Rio Grande do Norte, Mato Grosso, Tocantins e São Paulo.
“São Paulo já tem 400 hectares! A produção de cacau é crescente e temos muito potencial. Somos o único país socialmente correto, ambientalmente correto [em relação ao cacau] onde a indústria pode alavancar o maior aumento da produção”, reflete Vanuza.
Já a entidade que representa as indústrias afirma que elas receberam 220 mil toneladas de cacau brasileiro em 2023 e, por isso, 40 mil toneladas foram importadas.
“Essa importação é para atender aos clientes internacionais. O Brasil é o único na América Latina que produz derivados para o mercado interno e internacional. Se não tiver a importação, a gente perde um importante mercado”, explicou Anna Paula Losi, presidente-executiva da Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau (AIPC).
Os derivados são licor e manteiga para fazer o chocolate, e o pó do cacau, para outros produtos como os achocolatados. No ano passado, as exportações de derivados chegaram a 47 mil toneladas e as de amêndoas, 700 toneladas.
Produtividade pode aumentar com investimento e tecnologia
A produtividade do cacau ainda é um ponto frágil para o setor, desde a entrada da vassoura de bruxa na cultura. Para erradicar e amenizar a praga, foram desenvolvidos clones, que permitem o ano inteiro de produção. Mas segundo a ANPC, eles ainda são pouco usados.
A presidente da ANPC explica que o sistema cabruca [quando os cacaueiros estão misturados a outras árvores da mata] impera na produção de cacau. A pouca luminosidade devido à mata fechada, acaba reduzindo a produtividade.
Na Bahia, por exemplo, são 400 mil hectares, mas a produtividade é de 12, 15, até 25 arrobas por hectare, segundo a ANPC. O ideal, segundo os produtores, seria 50 arrobas por hectare, para que a cultura torne-se rentável. “Tem como chegar, mas produtor sem dinheiro, não compra adubo. A gente precisa de adubação e de assistência técnica”, afirma.
Desafios no cacau: produtores cobram políticas de apoio e incentivo
Quando a vassoura de bruxa dizimou lavouras de cacau no final dos anos 1980 e na década de 1990, o Adilson José Almeida era um menino, mas viu a luta do pai contra a praga. Hoje, ele diz que a produção de cacau aprendeu a conviver com o problema. “Naturalmente, a vassoura de bruxa perdeu força pelo nosso manejo, podando, tirando os frutos ruins… deu uma amenizada. Mas ela ainda provoca perda de 30% sempre”, conta o produtor da Bahia.
A ação da praga nas lavouras de cacau é uma das principais reclamações dos produtores. “Estamos deixados de lado há muito tempo, sem apoio. E o cacau preserva!” , desabafa Adilson. “Você consegue produzir, você consegue preservar. Mas não existe política pública”, completa.
Hoje, a média de produtividade nas lavouras do Adilson é de 60 arrobas por hectares. Ele conta que os baianos colhem até 25 arrobas/ha, mas alguns produtores conseguem alcançar 150. “A gente não aumenta a produtividade por falta de uma política exclusiva de financiamento, de crédito”, reclama
A Associação Nacional dos Produtores de Cacau (ANPC) denuncia que o órgão criado para desenvolver a cultura está abandonado. É a Ceplac – Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira, ligada ao Ministério da Agricultura e Pecuária e criada em 1951. “Não temos assistência técnica, extensão rural, tecnologia. Qual cultura sobrevive?” questiona a presidente, Vanuza Barroso.
Vanuza alerta para o perigo da importação de cacau de países africanos, sem nenhum controle fitossanitário. “A África tem várias doenças seríssimas que estão dizimando a produção de lá; é muita irresponsabilidade permitir a entrada sem controle fitossanitário”, afirma. Ela conta que a associação entrou com uma denúncia no Ministério Público Federal em Brasília (DF). “Já estivemos em audiência pública com o atual ministro Fávaro , e até agora não obtivemos nenhum retorno”.
A presidente da ANPC adiciona o endividamento, a falta de crédito e a falta de uma projeção de safra como outros problemas importantes na cadeia de produção de cacau. “Já pensou a hora que o produtor de cacau desanimar? O meio ambiente só vai perder. É urgente que o governo e os políticos olhem para a gente”.
Respostas para a cadeia do cacau
O Agro Estadão pediu uma entrevista para o Ministério da Agricultura. A resposta não foi enviada até a publicação desta reportagem.
A Conab respondeu, em nota, sobre a ausência do cacau na projeção de safra. Disse que há uma demanda da Ceplac para que haja a realização de levantamento do cacau.
“A Conab tem disposição e interesse em incluir o cacau entre os produtos levantados. No entanto, estamos na fase de desenvolvimento da metodologia, algo de grande complexidade devido às características da cultura”, disse a nota. “Dada a relevância do produto, está na meta para o próximo triênio da Companhia desenvolvê-la”, completa.
“A produção de cacau será o melhor negócio do agro nos próximos anos”
O pesquisador, técnico e produtor de cacau, Hilton Leal, tem uma história de vida que se mistura com o o fruto. Aos 73 anos, ele conta, orgulhoso, a trajetória. “Nascido em Ilhéus (BA), neto e filho de produtor de cacau. São 51 anos de Amazônia”, resumiu ao Agro Estadão.
Com conhecimento prático da lavoura, ele faz uma previsão ousada. “O cacau vai ser o melhor negócio do agro dos próximos anos, com destaque em quem investir na produtividade”. Ele lembra que o consumo do chocolate, que usa o cacau como matéria-prima, cresce 5% ao ano no mundo, e que a crise enfrentada pelos produtores africanos pode ser benéfica para os produtores brasileiros.
“O Brasil deveria aproveitar a oportunidade para ocupar espaços, aumentando a participação na produção mundial. Temos áreas disponíveis – áreas antropizadas que já foram desmatadas na Bahia, e com isso, evitamos as restrições da União Europeia sobre o uso das florestas”, argumenta.
Para Adilson, o produtor da Bahia que se considera “teimoso” por não abandonar a cultura, o cacau representa futuro. Dele, do negócio, da economia da região e do país e, com certeza, o futuro do meio ambiente. “Um alimento rico, muito especial. Não tem lavoura mais adaptada à sustentabilidade que a de cacau. É uma coisa linda você ver as nascentes correndo dentro do jequitibá, do cedro”.
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