Celso Moretti
Engenheiro Agrônomo, ex-presidente da Embrapa
Esse texto trata de uma opinião do colunista e não necessariamente reflete a posição do Agro Estadão
Opinião
Incêndios no Brasil e a equivocada demonização dos produtores rurais
Os incêndios verificados no Brasil nas últimas semanas têm causado enormes prejuízos tanto para o público urbano quanto para o rural
O período seco começou mais cedo neste ano. No início de junho o número de focos era 52% maior que no ano anterior, segundo institutos que monitoram a situação. Isso levou a uma diminuição da umidade do solo e vegetação mais seca, dois vetores que contribuem para a propagação de incêndios.
Em São Paulo várias áreas agrícolas foram afetadas. Mapas de calor mostravam no final da semana passada quase 1.900 focos no país, sendo que o estado de SP tinha o maior número. A situação paulista, neste ano, é completamente atípica se comparada a anos anteriores. Segundo estudos realizados, o ano de 2024 mostra o maior número de focos de calor quando se compara uma série histórica de 26 anos no estado. Mais de 40 cidades paulistas estão em situação de emergência, dois aeroportos foram fechados e parte da fumaça se espalhou pelo país. Nos últimos dias, a chuva, ainda que pouca, trouxe alívio.
A disparidade da situação com anos anteriores levou a investigações sobre incêndio criminoso. A suspeita começou a ser levantada na semana passada ao se observar que os incêndios no estado ocorreram praticamente ao mesmo tempo em áreas agrícolas estratégicas para a agricultura paulista. Desde o último final de semana, cinco pessoas foram presas suspeitas por provocar focos. Pelo menos uma delas parece estar ligada ao PCC. É importante que as investigações sigam de forma independente e as autoridades competentes responsabilizem os envolvidos.
Os incêndios atingem também outros estados da Federação, como Rio de Janeiro, Piauí, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte. Goiás e Tocantins também são afetados. A exceção do estado de SP, onde parece haver uma situação criminosa, a ocorrência de incêndios nesta época do ano está relacionada a diversos fatores, como a seca em várias regiões do país. Ela é influenciada por padrões de precipitação (variabilidade das chuvas e padrões sazonais), temperatura elevada, baixa umidade, ventos e outros fenômenos climáticos. No domingo (25), boa parte do Distrito Federal amanheceu com muita fumaça. A qualidade do ar no DF piorou drasticamente. A capital federal está há mais de 100 dias sem chuvas. Os prejuízos causados pelos incêndios são enormes, afetando não somente a produção agropecuária sustentável como a biodiversidade.
Neste momento não faltam pessoas que, movidas pelo desconhecimento da agricultura altamente tecnificada, por questões ideológicas ou má fé apontem o dedo para o produtor rural como o principal responsável pela situação. Errado. Os produtores sabem que, além de produzir alimentos, fibras e bioenergia para a população brasileira, precisam preservar o meio ambiente. Em São Paulo, maior produtor de cana-de-açúcar do país, até o surgimento da tese criminosa, muitos acreditavam que as queimadas feitas de forma proposital nos canaviais seriam as grandes responsáveis pelos incêndios descontrolados. Estão equivocados. Na verdade, a cadeia produtiva da cana-de-açúcar tem trilhado o caminho inverso, proibindo o uso do fogo. O protocolo ambiental Etanol Mais Verde proíbe o uso do fogo na colheita da cana. Os produtores têm consciência de que as queimadas prejudicam o meio ambiente e impactam a sustentabilidade e a rentabilidade do seu negócio. A maior parte da cana já foi colhida e boa parte dos canaviais está brotando. O uso do fogo para a colheita de cana está proibido há vários anos.
Com exceção do estado de SP, onde tudo indica haver uma situação criminosa orquestrada, é de suma importância buscar a adoção de ações preventivas, focando no manejo sustentável da atividade agroflorestal. A agricultura climaticamente inteligente (climate smart agriculture, em tradução livre) pode ser uma estratégia aliada interessante para prevenir incêndios no meio rural. A combinação de sistemas integrados, a intercalação de culturas com baixa habilidade de pegar fogo, manejo de resíduos, a construção de aceiros e a existência de sistemas de alerta e antecipação, dentre outros, são práticas testadas em outros países que poderão ajudar o Brasil.
Siga o Agro Estadão no Google News, WhatsApp, Instagram, Facebook ou assine nossa Newsletter
Newsletter
Acorde
bem informado
com as
notícias do campo
Mais lidas de Opinião
1
Agro em janeiro: 5 pontos para ficar de olho
2
2024: setores público e privado juntos para fortalecer a transição energética
3
Política Agrícola: Câmbio e China
PUBLICIDADE
Notícias Relacionadas
Opinião
Política Agrícola: Câmbio e China
Produzir proteína em larga escala implica ficar mais exposto à dependência que o câmbio e o comércio internacional têm com relação à situação geopolítica. Trump rugindo será um gato ou um leão?
José Carlos Vaz
Opinião
Agro em janeiro: 5 pontos para ficar de olho
Dólar em patamares recordes, início do novo governo Trump e efeitos do clima nas lavouras; o que esperar de janeiro para o agronegócio
Marcos Fava Neves
Opinião
2024: setores público e privado juntos para fortalecer a transição energética
Este ano de 2024 acumulou boas notícias para o setor de biocombustíveis, em especial para a indústria de biodiesel, que completa 20 anos
Francisco Turra
Opinião
O canto aflitivo dos cafezais
Em um mundo onde o café é mais do que uma mercadoria — é cultura, sustento e identidade —, ignorar os recentes efeitos climáticos no cafezais brasileiros seria um erro catastrófico
Welber Barral
Opinião
O acordo Mercosul-União Europeia e a competência do agro brasileiro
A competitividade e a sustentabilidade da agricultura brasileira assustam os produtores europeus, sobretudo franceses, que têm um setor agropecuário altamente subsidiado
Celso Moretti
Opinião
A informação a serviço do produtor
A atuação integrada é indispensável para fortalecer a representatividade dos produtores rurais, aprimorar o planejamento estratégico do agronegócio e posicionar o Brasil como líder global em sustentabilidade e produtividade
Tirso Meirelles
Opinião
Marcos Fava Neves: 5 pontos para ficar de olho no mercado agro em dezembro
Dezembro será um mês extremamente importante para acompanhar o andamento das lavouras no Brasil, de olho no mundo dos grãos e das carnes
Marcos Fava Neves
Opinião
Política Agrícola: novidades regulatórias
O Bacen deu um passo importante para dar mais segurança e transparência à matriz de recursos do sistema produtivo rural
José Carlos Vaz