Agropolítica
BR do Mar tem efeito limitado no agro, dizem especialistas
Programa pode ajudar no abastecimento interno de arroz e etanol, indicando efeitos em rotas pontuais de escoamento da produção

Sabrina Nascimento | São Paulo | sabrina.nascimento@estadao.com
22/07/2025 - 08:00

Depois de três anos desde a sua sanção, o programa BR do Mar foi regulamentado. O programa visa, em linhas gerais, a expansão da cabotagem no Brasil — o transporte de cargas por via marítima entre portos do mesmo país.
A promessa oficial, reforçada na cerimônia de assinatura do decreto, é ambiciosa: tornar a cabotagem mais acessível, baratear o frete em até 60% e estimular a construção naval brasileira. “Nós temos oito mil quilômetros de litoral, mais o rio Amazonas inteiro para movimentar carga. Então, à medida em que você aumenta a oferta de navios, a tendência é ter uma redução no custo do frete e isso deve ampliar os fluxos internos no Brasil”, disse Olivier Girard, sócio da Macroinfra Consultores, ao Agro Estadão.
Porém, quando se trata do agronegócio, um dos setores vitais da economia nacional, o impacto dessa nova rota não deve ser tão amplo quanto o esperado. Atualmente, a cabotagem responde por cerca de 11% da carga transportada por navios no Brasil.
Segundo dados da Agência Nacional de Transportes Aquaviários, compilados pela Esalq/Log, em 2024 esse volume foi de 213 milhões de toneladas. Mas o número, no detalhe, indica que 75% dessa carga é de petróleo e derivados. O agronegócio, contudo, aparece de forma discreta nas estatísticas da cabotagem. Por exemplo, o etanol — um dos poucos produtos do agro a circular em maior escala por cabotagem — movimentou 653 mil toneladas no último ano.
Entretanto, apesar da pouca movimentação de cargas do setor, a BR do Mar pode, sim, ter impacto na cadeia, mesmo que limitado. Um dos itens beneficiados é o arroz. “Hoje, por exemplo, o arroz produzido no Rio Grande do Sul vai até o Nordeste por caminhão, o que encarece muito o frete”, aponta Edeon Vaz Ferreira, diretor-executivo do Movimento Pró-Logística. Segundo ele, com a cabotagem, o trajeto rodoviário seria apenas até o Porto de Rio Grande, seguindo dali de navio até Fortaleza ou Recife, reduzindo custos e, em tese, o preço ao consumidor final.
Outro exemplo citado por Edeon é o milho do Pará, escoado via Santarém, que pode abastecer Santa Catarina. Ou o etanol produzido em Mato Grosso, transportado até o Nordeste. Mas todos esses casos compartilham uma condição essencial: o ponto de origem ou destino precisa estar relativamente próximo a um porto marítimo ou fluvial, no caso da Amazônia. “Se a carga está no interior do Mato Grosso, ou em Goiás, ou no Mato Grosso do Sul, a BR do Mar’ não muda nada, destaca Edeon.
Na visão do coordenador do Grupo de Pesquisa e Extensão em Logística Agroindustrial (Esalq-Log) da Universidade de São Paulo, Thiago Guilherme Pera, o impacto da BR do Mar sobre o agro é localizado. “O Brasil tem sua produção agrícola muito voltada para a exportação. E a cabotagem não tem papel relevante nesse mercado. O que a BR do Mar favorece é o abastecimento interno”, explica.
Outro ponto a considerar, no entanto, é que a cabotagem exige operações multimodais. “Na logística rodoviária, a carga sai do interior do estado de São Paulo e chega direto ao interior do Maranhão, por exemplo. Se for por cabotagem, será necessário embarcar até Santos por caminhão, transbordar no navio, desembarcar em São Luís e seguir novamente de caminhão”, explica Pera. Por isso, ele acredita que a cabotagem só se torna competitiva em distâncias superiores a 1.200 ou 1.500 quilômetros.
Mais navios, menos caminhões?
Uma das intenções do programa BR do Mar é aliviar as rodovias brasileiras — historicamente sobrecarregadas — ao estimular o uso do transporte marítimo. Mas o caminhão continuará sendo indispensável, mesmo nas rotas em que a cabotagem avançar. “A ideia não é tirar o caminhão da equação, mas reduzir a distância percorrida”, afirma o sócio da Macroinfra Consultores.
Ao invés de atravessar o país de Sul a Norte, o caminhão faria apenas o trecho até o porto. Um efeito colateral positivo pode ser a menor incidência de roubos de carga, que tem um risco reduzido no transporte marítimo.
Além disso, o Ministério de Portos e Aeroportos projeta uma redução de custos de até 60% no setor portuário com a BR do Mar. Isso pode fazer a diferença para cargas de alto valor agregado ou aquelas mais sensíveis ao custo logístico — como alimentos perecíveis e combustíveis.
Porém, na esmagadora maioria dos grãos e commodities agrícolas destinadas à exportação, esse corte não terá reflexo. “O mercado interno é pequeno diante do mercado externo, quando falamos de grãos, soja, milho, algodão”, aponta Pera. De acordo com o especialista, mesmo para proteínas animais, a cabotagem só será vantajosa em fluxos bem definidos, como o abastecimento das regiões Norte e Nordeste.

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