Agropolítica
RS: Farsul aponta entraves na renegociação de dívidas rurais
Governo Federal, Banco do Brasil e entidades discutiram, nesta quinta-feira, 4, soluções para agilizar o crédito subsidiado aos produtores gaúchos

Representantes do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), do Banco do Brasil (BB), de instituições bancárias e de entidades de agricultores estiveram reunidos em Porto Alegre (RS) nesta quinta-feira, 4, para discutir as operações de renegociação de dívidas rurais instituídas pela Medida Provisória n.º 1.314/2025.
A comitiva federal veio ao Rio Grande do Sul para entender e encontrar alternativas que façam avançar as renegociações com recursos subsidiados. Segundo análise do governo federal, a efetivação da repactuação no Estado está abaixo da esperada.
Durante a reunião na sede da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), os representantes da entidade relataram, mais uma vez, que muitos produtores continuam sem conseguir enquadrar suas dívidas na MP e apresentaram um documento sobre as dificuldades operacionais na implementação da repactuação.
“O que está causando estranheza é que a demanda por recursos continua elevada, mas estão saindo mais recursos livres do que recursos controlados, o que é uma incoerência. Quem é que vai querer pegar recurso livre se pode pegar recurso controlado? E, na realidade, o que estávamos vendo, e foi um levantamento do nosso Departamento Econômico, é que, realmente, a burocracia que está envolvendo esse recurso do BNDES está fazendo com que muito produtor fique alijado do processo”, avaliou o presidente da Farsul, Gedeão Pereira.
Farsul expôs entraves da renegociação no RS

O Agro Estadão teve acesso, com exclusividade, ao documento que aponta os gargalos enfrentados — por quem está na ponta — para viabilizar o crédito.
O levantamento feito pela Farsul junto a bancos e cooperativas autorizados no Estado mostra que as dificuldades envolvem principalmente a linha com juros controlados, que receberam aporte de R$ 12 bi do BNDES.
Segundo os bancos, há diversas barreiras que travam o acesso à renegociação subsidiada. Um exemplo é o ponto de corte estabelecido pelo BNDES, que permite enquadrar apenas dívidas contratadas até 30 de junho de 2024 — deixando de fora operações contratadas a partir de julho do ano passado, mesmo entre produtores que foram igualmente afetados pelas enchentes e secas.
Além disso, a linha controlada da MP só ajuda produtores que estavam com os financiamentos em dia (adimplentes) até 30/06/2024, ou seja, quem já estava inadimplente antes dessa data não pode acessar o programa.
Em relação a uma possível alteração nesses critérios, o vice-presidente de Agronegócios e Agricultura Familiar do Banco do Brasil, Gilson Bittencourt, afirmou que serão levados para discussão em Brasília. “Tem coisas que precisa mexer na resolução e, portanto, teríamos que convencer o Ministério da Fazenda e, principalmente, o Banco Central, e tem coisas que são mais complexas, como a questão da MP. Então, acho que, mais do que somente ouvir as questões, agora é endereçar a busca de soluções. Acho que o compromisso dos ministérios, e no caso aqui do Banco do Brasil, é exatamente esse” analisou.
Outro entrave apontado pelas instituições financeiras, segundo a Farsul, é a exigência de laudos técnicos formais comprovando perdas de pelo menos 30% em dois eventos distintos nos últimos cinco anos. Bancos e cooperativas afirmam que a regra “burocratiza o processo e dificulta o enquadramento” dos tomadores de crédito.
As instituições financeiras também relatam problemas de sistema e documentação. Em alguns casos, a regulamentação exige o registro detalhado de amortizações e liquidações parcela por parcela, e não apenas do valor total da dívida — aumentando o volume de preenchimento e o risco de erro operacional.
“Tem coisa que dá para ajustar já de forma imediata, do ponto de vista de orientação. Os demais pontos a gente está levando para a análise dos ministérios setoriais para uma discussão com a área econômica do governo, Ministério da Fazenda, Banco Central e Planejamento. Nós acolhemos [os apontamentos] e a conversa foi muito positiva”, pondera José Henrique Silva, coordenador de crédito do Plano Safra da agricultura familiar do MDA.
Haveria ainda limitações de prazo operacional, segundo o documento. A Resolução CMN 5.247/2025, publicada em 19 de setembro e que regulamenta a MP, determina que “os recursos não comprometidos no prazo de até sessenta dias após a disponibilização da linha pelo BNDES serão realocados conforme demanda das instituições financeiras credenciadas”. O programa do BNDES abriu protocolo em 16 de outubro. Assim, houve entendimento de que os valores poderiam começar a ser realocados ainda em dezembro.
O secretário Nacional de Políticas Agrícolas do Mapa, Guilherme Campos Júnior, esclareceu que a finalidade dos 60 dias é realizar realocações de recursos entre as instituições, caso necessário, e que não acarretará novos prazos. “Foi colocado um prazo de 60 dias para que todas as instituições financeiras pudessem colocar na rua e, ao término disso, ser colocado todo mundo na mesa, ver como foi o desempenho de cada um e quem tiver o recurso sobrando a gente busca o recurso e bota naquele onde o recurso está sendo mais bem usado” relata.
No caso dos recursos livres, o principal problema — já esperado pela Farsul — é o valor total. O crédito com custo de mercado (com recursos próprios dos bancos) “deixa as taxas finais aos produtores mais elevadas” — inviabilizando a renegociação para milhares de trabalhadores rurais.
Para o economista-chefe da Farsul, a avaliação é que o conjunto de normas criou um “labirinto burocrático”, que impede os produtores de acessar a renegociação. A entidade defende ajustes imediatos na regulamentação e flexibilização de critérios técnicos para tornar o crédito emergencial, de fato, acessível e rápido.
Diálogo direto é celebrado

Bittencourt reforça que as reuniões desta quinta servem para o BB e o governo federal ouvirem sobre pontos de melhoria. “O objetivo era ouvir do setor produtivo e foi totalmente cumprido. Tivemos uma conversa muito positiva, ouvindo reclamações e sugestões, e é com base nisso que a gente volta para Brasília, buscando ver o que a gente consegue facilitar para avançar nas demandas que foram colocadas”.
Para o presidente da Farsul, a proatividade da comitiva precisa ser celebrada. “Se temos algo para comemorar é que isso foi uma iniciativa deles. Eles é que vieram para saber o porquê, o que está acontecendo e ouviram atentamente. Ouviram, comentaram, discutiram, e vamos tentar minimizar, pelo menos, aquilo que for possível. Porque tem um arcabouço legal todo, mas o que for possível, parece que vamos ter uma melhora nesse aspecto”, concluiu Pereira.
O grupo também esteve na sede do Sistema Ocergs. Segundo nota da entidade, ao final do encontro, o vice-presidente do Banco do Brasil “comprometeu-se a atuar junto com sistema cooperativo, buscando soluções técnicas e financeiras adequadas à realidade das cooperativas do ramo agro, que assegurem a sustentabilidade das operações”.
O comunicado ainda afirma que Sistema Ocergs e FecoAgro/RS firmaram compromisso para ampliar a divulgação junto às cooperativas para evitar a perda dos prazos e garantir que os produtores acessem a repactuação.
Os representantes do Mapa, MDA e BB reforçaram que a meta é também incentivar os produtores a buscarem a repactuação. “A gente ainda tem um prazo até 10 de fevereiro. Então, a gente está vindo aqui fazer essa discussão tempestivamente e a divulgação disso é de extrema importância. Falamos isso na Farsul, na Ocergs e faremos a mesma coisa na Fetag”, pontuou José Henrique Silva.
“Produtor quer negociar”
O presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar do Rio Grande do Sul (Fetag-RS), Carlos Joel da Silva, gostou da reunião e espera que ela gere frutos logo. “A gente dialogou bastante, inclusive para ver se dá para alinhar a questão das garantias da safra 2024/2025, que estão fora. Vamos ter que trabalhar isso também”, afirmou.
Sobre as informações do Banco do Brasil de que os produtores não estariam buscando os recursos subsidiados, Silva afirma haver uma aparente contradição. “Uma coisa não está fechando. O produtor quer negociar, ele precisa. Ele diz que está indo e não está resolvendo. Por outro lado, estão dizendo que ele não está indo. Então, agora nós vamos começar a fazer uma campanha nos sindicatos, para chamar os agricultores que estão indo, [para que digam] por que o banco está negando, o que está acontecendo que não estão conseguindo buscar [os recursos]. Vamos identificar e encaminhar para eles [BB e governo]”.
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