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Cientistas usam cinzas de bagaço de cana para recuperar nutrientes da vinhaça
Além de permitir que cinzas sejam usadas como fertilizantes, pesquisa trata a vinhaça, deixando-a menos ácida para irrigação de canaviais

Igor Savenhago | Ribeirão Preto (SP)
14/07/2025 - 08:00

Pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), no campus de Araras (SP), desenvolveram um processo que utiliza cinzas de bagaço de cana para recuperar nutrientes da vinhaça. A pesquisa foi realizada no Centro de Ciências Agrárias da instituição, dentro do programa de pós-graduação em Agricultura e Ambiente.
Roselena Faez, química e professora do programa, explica que a proposta inicial do estudo foi levada por Milena Antônio, que era aluna do Mestrado e que trabalha em uma usina canavieira. A ideia era avaliar maneiras de aprimorar o aproveitamento de nutrientes de subprodutos da indústria sucroenergética.
A professora afirma que as propriedades de absorção e adsorção das cinzas do bagaço são bem conhecidas na literatura científica. A partir desse conhecimento, ela e a aluna começaram a se perguntar se seria possível transportar nutrientes da vinhaça para as cinzas, para que depois fosse possível usar essas cinzas como fertilizante.
Mas por que fazer isso se a vinhaça — resultante da produção de etanol — já é, por si só, rica em nutrientes e usada diretamente no solo em muitas usinas, por meio de irrigação?

No estado de São Paulo, maior produtor nacional de cana-de-açúcar, a aplicação da vinhaça em solos agrícolas foi regulamentada em 2005 pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb). Antes, porém, ela precisa passar por um tratamento. Roselena lembra que a vinhaça tem muito nitrogênio, fósforo e potássio, fundamentais para as culturas agrícolas, mas, em contrapartida, demanda muito oxigênio para decompor a matéria orgânica e tem um nível de acidez alto, o que, a longo prazo, pode comprometer o crescimento das plantas — além do que, se não for usada logo, pode se degradar.
O projeto da UFSCar, que conta com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), comprovou que as cinzas são capazes de recuperar os nutrientes da vinhaça. Com isso, além de permitir que as cinzas sejam aplicadas nas lavouras como fertilizante, a estratégia possibilita tratar a vinhaça, diminuindo a acidez dela, deixando-a com pH quase neutro, e elevando a característica bioquímica do oxigênio.
Sem contar que apenas uma parte dos nutrientes é transferida para as cinzas. Outra fica na vinhaça. “A gente conseguiu dar uma estabilizada na vinhaça também, observando que, se ela for armazenada por 15 dias depois de receber as cinzas, não sofre degradação”, explica a química.
Ineditismo

O estudo foi publicado no período científico Journal of Environmental Management e apresenta dois aspectos inéditos, segundo a professora. O primeiro é a própria reutilização de nutrientes da vinhaça. Roselena afirma que outras pesquisas existentes se ocupam de diminuir a demanda bioquímica de oxigênio, mas não foi encontrado nenhum trabalho na linha do que está sendo executado na UFSCar. O segundo é o uso das cinzas do bagaço, fonte de energia para a indústria por conter carbono e sílica — sendo muito usada para a fabricação de tijolos, asfalto e material cerâmico. Mas é a primeira vez que o material é destinado para tratar a vinhaça.
Ainda de acordo com Roselena, as cinzas são geralmente estudadas na academia para que se encontrem maneiras de melhorar as capacidades de absorção/adsorção. Para isso, as partículas de sílica passam por uma modificação, o que não aconteceu nos experimentos da UFSCar. Isso porque a proposta era aproveitar o resíduo bruto, submetido apenas a lavagem e secagem. “Pensamos que, quanto menos processamento for necessário, mais provável de convencer a indústria sucroenergética a adotar o processo”, conta Roselena.
Avaliação em solo
O projeto, no entanto, não para aí. Outra aluna de Mestrado, Beatriz Octaviano Pedroso da Cruz, sob orientação do professor Claudinei Fonseca Souza e com apoio de Roselena, está dando continuidade à pesquisa, testando a vinhaça tratada com as cinzas de bagaço em variados tipos de solo, para avaliar os efeitos da aplicação.
A universidade está aberta a empresas que desejam conhecer em detalhes as descobertas — que, segundo Roselena, podem ajudar o Brasil a reduzir a dependência do mercado internacional. Atualmente, o país, que consome 8% do total de fertilizantes do planeta, importa 96% do que usa, segundo o governo federal. Enquanto isso, em 150 metros cúbicos de vinhaça, conforme a professora, são encontrados, por exemplo, 340 quilos de potássio.
“Estamos em um processo de economia circular, em que os ciclos produtivos devem se fechar. Os fertilizantes que usamos são obtidos por mineração, o que provoca grandes impactos ambientais — que podem ser reduzidos com o aproveitamento do que antes era visto como resíduo. As indústrias estão sendo muito cobradas para que haja uma mudança de paradigma”, conclui Roselena.

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