Sustentabilidade
Com boom de etanol de milho, biorrefinarias avançam e produção pode dobrar até 2032
Setor cresce 30% ao ano e aposta em novas demandas, como combustível de aviação e exportação de subprodutos, para sustentar crescimento

Sabrina Nascimento | São Paulo | sabrina.nascimento@estadao.com
23/04/2025 - 08:00

Em menos de dez anos, o Brasil assistiu a uma verdadeira revolução no setor de biocombustíveis. Impulsionada pela expansão das biorrefinarias — instalações que convertem biomassa em uma variedade de produtos, como biocombustíveis —, a indústria de etanol de milho deixou de ser um nicho, crescendo acima de 30% por ano, segundo dados da União Nacional do Etanol de Milho (Unem).
Somente no último ano, o setor respondeu por 23% da produção nacional de etanol, com mais de oito bilhões de litros gerados por ano. Atualmente, o país conta com 25 biorrefinarias em operação. Outras dez já têm autorização de construção, enquanto outros 20 novos projetos estão programados, conforme levantamento da Unem.
A produção, inicialmente concentrada ao longo da BR-163, em Mato Grosso, expandiu-se e hoje o Centro-Oeste responde pela maior quantidade de unidades: 21 biorrefinarias, distribuídas entre os três estados.
Mas a produção não se restringe à região. Há avanço sobre o chamado Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), além de Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

Guilherme Nolasco, presidente da Unem, explica que o crescimento do setor é sustentado por fundamentos sólidos. O primeiro deles é a posição do Brasil como um dos grandes produtores e exportadores de milho. “Temos uma produção maior do que a demanda e o consumo doméstico. E essa produção é muito concentrada no Centro-Oeste, a partir do milho de segunda safra”, afirma Nolasco, ressaltando que a cultura é semeada no processo de rotação de lavoura com a soja.
A deficiência em infraestrutura de armazenagem e logística também contribuiu para o avanço do setor. O presidente da Unem lembra que, no passado, era comum observar montanhas de milho a céu aberto, pois, logo depois da safra de milho, chegava a safra de soja, o que exigia o esvaziamento dos armazéns disponíveis. Com abundância de matéria-prima e preços baixos, o ambiente se tornou favorável à instalação de biorrefinarias. “A partir do momento em que o milho entra na indústria, começamos a agregar valor”, destaca Nolasco.
Produção de DDG
O impacto da indústria vai além da energia renovável. A produção de DDG (grão seco de destilaria) como subproduto do etanol impulsionou a pecuária nacional. Animais alimentados com DDG têm ciclos de produção mais curtos, o que reduz a demanda por novas áreas de pastagem e abre espaço para a expansão do cultivo de grãos, promovendo segurança alimentar e energética.
“A indústria do etanol de milho criou um círculo virtuoso: gera etanol, aumenta a produção de carne e libera terras de baixa produtividade para novos plantios, sem a necessidade de desmatamento”, afirma Nolasco. “É uma relação de ganha-ganha”, complementa.
Além de abastecer o mercado interno, o Brasil avança na agenda internacional para exportação de DDG — com destaque para mercados como Turquia, Vietnã, Nova Zelândia e Arábia Saudita. Em 2023, a Unem e a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil) firmaram um convênio para promover o DDG/DDGS no mercado externo, aproveitando a expansão da produção brasileira e a crescente demanda global por insumos de origem sustentável.
Em 2024, o Brasil exportou cerca de 900 mil toneladas do produto. Para 2025, a expectativa é ultrapassar 1,5 milhão de toneladas. “Toda essa cesta de produtos da transformação do milho chega a agregar 87% de valor àquela tonelada de milho exportada. Isso gera riqueza, gera impostos para o Estado, gera empregos e gera previsibilidade ao produtor de milho, que tem uma indústria forte, que compra milho antecipado, um, dois anos antes do plantio, estimulando o aumento do plantio da área de segunda safra”, destaca Nolasco.
Meta: dobrar de tamanho até 2032
O presidente da Unem afirma que o setor tem capacidade para dobrar a produção até 2032, com uma produção anual de 16,63 bilhões de litros gerados, segundo projeções da associação.

No entanto, Nolasco pondera que a expansão depende da geração de demanda. Entre os fatores que podem impulsionar o consumo, ele cita a Lei do Combustível do Futuro, que prevê o aumento da mistura de etanol anidro na gasolina para 30%, com possibilidade de chegar a 35% em uma segunda etapa.
Outro vetor é o desenvolvimento do mercado de combustível sustentável de aviação (SAF), no qual o etanol pode ser uma das rotas tecnológicas. Além disso, o biocombustível também é cotado como solução para a descarbonização da navegação internacional.
Para que o crescimento seja sustentável, Nolasco ressalta que o Brasil precisará ampliar a produção de milho. “Depende de crédito rural, seguro agrícola e incentivos à produção primária”, afirma. A infraestrutura logística também é um desafio, uma vez que, a produção de etanol está descentralizada em relação ao consumo, ele pondera que será necessária a integração de modais de transporte, expansão da malha ferroviária e, no médio prazo, a criação de um alcoolduto ou poliduto — rede de tubulação para o transporte — para ligar o Centro-Oeste ao polo de Paulínia (SP).
“Uma coisa é dizer que temos a capacidade de dobrar a produção. Outra é ter a responsabilidade de afirmar que isso depende de um ambiente favorável, com geração de demanda e redução de custos logísticos”, afirma. Segundo ele, também é fundamental avançar na agenda internacional do etanol de milho como solução de transição energética para outros países.

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