Pecuária
Setor lácteo quer proibir uso de “leite” em produtos vegetais
Especialistas dos dois setores divergem sobre regulamentação que tramita desde 2018

Daumildo Júnior | Brasília (DF) | daumildo.junior@estadao.com
10/09/2025 - 07:00

Representantes de diferentes elos da cadeia leiteira no Brasil se posicionaram favoráveis a um projeto de lei que proíbe o uso do termo “leite” em produtos análogos ou à base de planta — chamados de plant based. O tom do discurso é de que ambos os tipos de produtos podem coexistir, mas sem um “pegar carona” no outro.
O debate foi sobre o projeto de lei 10.556 que tramita na Câmara dos Deputados desde 2018, sem grandes avanços nas discussões. A audiência pública desta terça-feira, 09, na Comissão de Indústria, Comércio e Serviços teve a participação de representantes do governo federal, dos produtores de leite, laticínios, da indústria de alimentos plant based, de consumidores e de especialistas.
O presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Leite (Abraleite), Geraldo Borges, afirmou que a inclusão de “leite” em produtos de origem vegetal pode trazer confusão. “Às vezes traz uma competição desleal, porque nem todos aqueles produtos de origem vegetal trabalham de uma forma coerente, às vezes utilizando a palavra leite para vender o seu produto. Nós do leite não condenamos, pelo contrário, elogiamos os produtos de leite vegetal, mas a gente não pode gerar uma confusão na cabeça do consumidor”, comentou.
Entendimento semelhante ao apresentado pelo diretor executivo da Associação Brasileira de Laticínios (Viva Lácteos), Gustavo Beduschi. Ele reforçou que é necessária uma regulamentação para os produtos plant based para trazer segurança a todos os segmentos, inclusive aos órgãos de fiscalização. Além disso, apontou questões técnicas que distanciam a semelhança entre os produtos de origem distintas.
“A gente não consegue conceber que dois produtos que têm ingredientes e composições nutricionais tão distintas, como lácteos e produtos plant based, tenham a mesma denominação de venda”, apontou.
Indústria plant based diz não haver confusão
O diretor da Associação Brasileira de Alimentos Alternativos (Base Planta), Álvaro Gazolla, ponderou que quando o projeto começou a tramitar algumas empresas podem ter feito um posicionamento errado. Porém, com o tempo, elas foram se adequando para evitar uma indução ao erro pelo consumidor na hora da compra.
“O nosso interesse é tornar esses produtos cada vez mais acessíveis com relação, principalmente, a preço, disponibilidade. […] A gente não vê essa situação [de confusão entre produtos] no cenário atual. No passado, pode ter tido algumas rotulagens diferentes, mas o setor está se regularizando e as pessoas estão entendendo mais essa categoria”, afirmou.
A Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB) fez uma defesa sobre a necessidade da categoria de produtos similares, mas que não são à base de leite. De acordo com dados apresentados pela diretora do Departamento de Saúde e Nutrição (SVB), Alessandra Luglio, cerca de 5,4% das crianças brasileiras têm alergia ao leite. “Se trata também de inclusão”, destacou ela.
Regulamentação existe, mas tem lacunas
Na análise da pesquisadora da Universidade de Santa Cruz do Sul e doutora em Ciência e Tecnologia de Alimentos, Roberta Santos, falta clareza para que “fique melhor explicado” o que pode ou não ser usado, por isso a importância de uma regulamentação sobre o tema.
Ela lembrou que há um decreto de 2017 que denomina o leite como “produto oriundo da ordenha completa, ininterrupta, em condições de higiene, de vacas sadias, bem alimentadas e descansadas”. Mas não há uma referência nessa norma sobre produtos plant based, pois o decreto trata de produtos de origem animal.
“Nós entendemos que novos produtos com extratos vegetais representam um avanço importante porque amplia opções para consumidores que tentam reduzir ou evitar os produtos de origem animal. Contudo, que se reconheça que apesar de ter uma aparência semelhante ao leite, esses produtos têm características nutricionais distintas e não podem ser confundidos”, destacou.
Um dos órgãos responsáveis pela fiscalização dos alimentos, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) diz ser favorável ao projeto, mas com alguns pontos de ressalva e de sugestões de mudança. A gerente-geral de Alimentos da agência federal, Patrícia Castilho, apontou que é preciso tomar cuidado com uma proibição completa do termo.
“Nós entendemos que a proibição ampla do uso do termo de ‘leite’ pode ser excessiva para os consumidores e setor produtivo”, disse ao lembrar que isso pode afetar, por exemplo, denominações já consolidadas, como o leite de coco.
Nesse sentido, uma das propostas de mudança no texto do projeto de lei comentadas por Castilho foi não limitar o uso de forma geral. “Permitir termos relacionados a leite, produtos lácteos, desde que acompanhados por qualificadores descritivos da fonte vegetal com mesmo destaque tipográfico”, sugeriu
Outro ponto que foi muito criticado pelo setor leiteiro são as publicidades ou imagens com elementos relacionados ao leite animal. Além disso, o setor também condenou ações publicitárias que diminuam o leite para favorecer o produto plant based. Uma das sugestões levantadas pela Anvisa trata sobre isso: “Vedar imagens de leite mamíferos e proibir alegações comparativas com o leite”, acrescentou Castilho.
O projeto de lei ainda não tem data de votação na comissão, mas o relator da matéria, deputado federal Heitor Schuch (PSB-RS), afirmou que espera apresentar um relatório até o fim do mês.

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