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Economia

Para especialistas, boicote do Carrefour é guerra comercial ‘disfarçada de virtude’

Após frigoríficos suspenderem entregas para unidades no Brasil, CEO global do Carrefour pede "desculpas"

4 minutos de leitura 27/11/2024 - 08:20

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Fernanda Farias | Porto Alegre | fernanda.farias@estadao.com

Foto: Adobe Stock
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A decisão da rede francesa de supermercados Carrefour de suspender a carne brasileira uniu o agro do Brasil em torno de um mesmo tema. Segundo os especialistas ouvidos pelo Agro Estadão, a medida é parte de uma guerra comercial “disfarçada de virtude”.

E a resposta imediata ao anúncio do presidente global do Carrefour, Alexandre Bompard, de que a marca não compraria mais carne do Mercosul na França, envolveu a suspensão de entregas de produtos às unidades no Brasil e declarações de repúdio de empresas e autoridades.

“Paramos completamente de entregar ao Carrefour e isso é uma coisa clara. Se não mudar a postura, não tem fornecimento”, informou o diretor institucional da Minerva, João Sampaio. Segundo o executivo, os grandes frigoríficos [BRF e JBS, por exemplo] estão juntos nessa iniciativa de não fornecer carnes bovina, suína e de aves à empresa e aguardam uma retratação da marca francesa, que não enviou comunicado oficial confirmando as declarações do CEO.“

A gente precisa deixar de hipocrisia. Essa fala do Carrefour – assim como foi da Danone – é uma fala hipócrita. A gente tem que ser mais maduro, mais inteligente e agir de uma maneira mais consciente”, avalia Sampaio. Na opinião do executivo, o prejuízo à imagem do Brasil é gigante, já que outros clientes do Brasil nas Américas e na Ásia podem considerar a fala polêmica. “O europeu quer qualidade? Então o Brasil não tem qualidade […] Por isso, a gente precisa reagir à altura e contestar isso e dizer: ‘Vamos respeitar o Brasil’”, comenta.

O governador de Mato Grosso, principal Estado produtor de carne bovina, disse que o Carrefour desrespeitou o Brasil e as regras internacionais de comércio. “Espero que eles aprendam a lição e se restabeleça uma relação de igualdade, isonomia e reciprocidade na forma como o Brasil trata as empresas aqui”, afirmou Mauro Mendes. “O Brasil não pode ser desprezado. Nós importamos muitos produtos de muitos países e não ficamos boicotando ninguém”, completou.

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Cerca de 15 dias separam as declarações de boicote do Carrefour do anúncio com mesmo conteúdo de outra empresa francesa – a Danone disse que não compraria mais soja brasileira. Não foi coincidência. “Isso nos parece uma ação orquestrada para enfraquecer a implementação do acordo União Europeia-Mercosul, que está na iminência de vigorar”, avalia o governador de MT.

De fato, os agricultores franceses vêm protestando com mais força contra o acordo comercial há alguns meses. “O que está acontecendo é que nós estamos ocupando mercados de primeiro mundo e isso incomoda”, reflete Antonio Salvo, presidente da Federação da Agricultura e Pecuária de Minas Gerais (Faemg).

Incômodo que não começou agora, como lembra o professor Sérgio de Zen, da Esalq/USP. “O movimento começou quando eles detectaram que não eram mais competitivos. Na década de 90, ficou evidente que o Brasil se tornou uma potência agrícola”, comenta o professor da Esalq, reforçando que, desde então, a França vem tomando atitudes protecionistas em menor ou maior escala – taxando produtos ou impondo restrições. “É uma jogada de imagem. Nesse caso, eles estão usando de um artifício midiático para tentar atingir a reputação do produto brasileiro”, avalia, destacando que as declarações não têm base técnica.

Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior do Brasil, Ph.D. em Direito Internacional, também avalia que a postura não é nada mais do que marketing e, além disso, momentânea. “É difícil imaginar que, com o acordo eventualmente assinado e uma queda nos preços dos produtos agrícolas, algum supermercado europeu se abstenha de buscar maiores margens”, pontua.

Impactos e postura do Brasil

O ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, reagiu imediatamente à declaração do CEO do Carrefour. “Se não serve para os franceses, não vai servir para os brasileiros”, declarou Fávaro, quase como um incentivo às empresas para decidirem suspender o fornecimento de alimentos para a marca.

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Economicamente, o impacto da decisão da França é mínimo. Em 2023, as exportações de carnes para o país europeu somaram 794 mil quilos e, neste ano, estão em 380,5 mil quilos até agora, de acordo com o Agrostat – sistema de estatísticas de comércio exterior do agronegócio do Mapa. A preocupação do setor é com tudo que envolve as relações comerciais do Brasil com outros países da Europa.

“Tem impacto ideológico, porque isso se propaga. A nossa carne é uma das melhores do mundo e produzida sob rigorosas regras sanitárias e ambientais. É importante o posicionamento como cadeia”, afirma Guilherme Bumlai, presidente da Associação dos Criadores de Mato Grosso do Sul. Ele ainda cita que o Carrefour Brasil é o segundo maior mercado do mundo do Carrefour e, por isso, deveria se preocupar com a própria imagem.

Desfecho do caso Carrefour

Após intensas negociações diplomáticas, o CEO global do Carrefour “pediu desculpas” em carta de retratação enviada ao ministro Carlos Fávaro. Segundo Alexandre Bompard, “na França, o Carrefour é o primeiro parceiro da agricultura francesa: compramos quase toda a carne que necessitamos para nossas atividades na França e assim seguiremos fazendo”.

Para Bompard, a decisão do Carrefour França não teve como objetivo mudar as regras de um mercado amplamente estruturado em suas cadeias de abastecimento locais, que segue as preferências regionais dos clientes. “Com essa decisão, quisemos assegurar aos agricultores franceses, que atravessam uma grave crise, a perenidade do nosso apoio e das nossas compras locais”, diz.

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