Economia
Decisão dos EUA frustra produtores de mel, pescado e café solúvel; veja a reação do setor
Setores que ficaram de fora da isenção de tarifas dos EUA relatam dificuldades de crédito, perda de mercado e risco de redução de produção

A retirada das tarifas adicionais de 40% dos Estados Unidos (EUA) sobre alguns itens de exportação brasileira, gerou um mix de sentimentos dentro das cadeias agropecuárias. Enquanto alguns setores comemoram a retomada de sua competitividade, outros seguem frustrados pela permanência das tarifas.
No caso do café, o sentimento é duplo, uma vez que as tarifas foram retiradas para a exportação dos grãos, mas segue em vigor para o café solúvel. Diante do cenário, o Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé) celebrou a reversão das medidas após meses de intenso trabalho de representação dos interesses dos cafés brasileiros. “Nós vamos conseguir, com isonomia, buscar recuperar os espaços perdidos nos blends e retomar todos os contatos comerciais com os nossos importadores. Temos todas as condições para reduzir os impactos. Esses impactos poderiam ser incalculáveis e irreparáveis. Então, nós vamos correr para minimizá-los e em breve a gente está retomando todas as nossas participações nos principais blends”, disse Marcos Matos, diretor executivo do Cecafé.
O Conselho, entretanto, reitera que as negociações seguem em busca da reversão das tarifas para o café solúvel, que representa 10% das exportações totais do setor. “Já estamos debruçados para trabalhar também no solúvel, que está tarifado não só para o Brasil. Mas existe um consenso da parte dos elos da cadeia, de uma abordagem junto ao governo norte-americano, para que também sejam retiradas urgentemente as tarifas do café solúvel”, destaca o presidente do Cecafé, Márcio Ferreira.
O dirigente reforça ainda que o café solúvel é um importante gerador de empregos, sendo que, para cada emprego gerado pelo café em grão, três ou quatro são gerados pelo café solúvel, que, segundo Ferreira, possui maior valor agregado por se tratar de um produto final acabado.
Perspectiva de queda nas exportações de solúvel
Sem a reversão das tarifas, o movimento de queda nos embarques de café solúvel, verificados desde agosto — mês em que a medida do governo Trump entrou em vigor —, deve continuar. “Perder um mercado que representa 20% das nossas exportações, representa os produtores brasileiros perderem um mercado de 800 mil sacas de café. São negócios equivalentes a mais de US$ 200 milhões por ano”, salienta o diretor de Relações Institucionais da Associação Brasileira da Indústria de Café Solúvel (Abics), Aguinaldo Lima.
Ele explica que, inicialmente, neste ano, havia uma projeção de superar o recorde de volume embarcado no ano passado. Porém, o impacto das tarifas mudou completamente o quadro. “O setor bateu mais um recorde de volume no ano passado. A situação do Brasil era promissora para este ano também, mesmo com a forte competição do Vietnã. Com o tarifaço, no entanto, o volume deve cair em torno de 16%, porque os Estados Unidos representam 20% das nossas exportações”, detalha, ressaltando que, com a queda verificada em outubro, a retração acumulada do ano já é de 6,8%.
Por outro lado, devido a alta das cotações mundiais do café, a receita deve seguir positiva. “Como os preços estão mais altos, isso vai refletir no equilíbrio de receita deste ano com essa perda [de volume]. A gente deve ter um recorde muito bom em termos de receita, deve ultrapassar US$ 1 bilhão, mas nós poderíamos ter tido mais”, salientou.
O dirigente da Abics destacou que, em conjunto com o Cecafé, mantém diálogo com o governo federal, através da assessoria do vice-presidente Geraldo Alckmin, a Secretaria de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) e outros representantes, em busca da reversão das tarifas norte-americanas também sobre o café solúvel.
Cenário nebuloso para o pescado
No setor de pescado, o clima é de frustração. Eduardo Lobo, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Pescados (Abipesca), afirma que a manutenção das tarifas norte-americanas sobre o produto pegou o segmento de surpresa. Segundo ele, o setor tinha expectativa de que o pescado fosse incluído na lista de itens contemplados pela retirada das sobretaxas, dada sua elevada dependência do mercado dos EUA. “O pescado foi negligenciado, não foi priorizado como esperávamos e pedimos”, disse.
Em conversa com o Agro Estadão, Lobo lembrou que os EUA respondem por mais de 65% do valor e do volume exportado pelo setor, somando mais de US$ 300 milhões anuais. Diante disso, a permanência das tarifas tem potencial de causar ainda mais perdas expressivas.
Ele pondera que, caso a decisão norte-americana tenha sido unilateral — motivada por pressões internas relacionadas à inflação e ao abastecimento —, ainda há esperança de que novas listas sejam divulgadas e que o pescado seja incluído futuramente, assim como ocorreu com carne, café e frutas. “Temos um sentimento de felicidade pelos setores que voltaram a ser competitivos, mas a nossa situação permanece indefinida”, destaca.
Entre os produtos mais afetados está a tilápia, carro-chefe das exportações brasileiras de pescado. A manutenção das tarifas, segundo Lobo, já provoca reflexos no mercado interno. Com menor competitividade no exterior, produtores reduzem o volume colocado nos tanques, o que diminui a oferta doméstica e pressiona os preços. “A situação é muito ruim. Há queda de produção, menos investimento, menos emprego, desaceleração da economia e retrocesso em uma cadeia que se preparou por anos para transformar o Brasil no maior produtor global de tilápia”, apontou.
O presidente da Abipesca relata que a entidade buscou esclarecimentos junto ao governo brasileiro, mas ainda sem respostas conclusivas.
Dificuldade de acesso ao crédito
Além das questões comerciais, o setor de pescados enfrenta dificuldades no acesso ao crédito prometido pelo governo no âmbito do Plano Brasil Soberano. Lobo afirma que os recursos ainda não chegaram às empresas exportadoras, que dependiam da linha para estocar produtos e buscar novos mercados sem prejuízo imediato. Ele acrescenta que as compras governamentais anunciadas para absorver parte dos estoques destinados originalmente aos EUA também não se concretizaram.
A dificuldade no acesso ao crédito, segundo Lobo, decorre de exigências bancárias consideradas incompatíveis com a capacidade das empresas. “Os bancos estão pedindo garantias adicionais muito acima do que as exportadoras têm. As garantias já estão comprometidas no operacional, e o fundo garantidor, que deveria viabilizar as operações, não está funcionando”, indica.
Mel: esperança no fim do túnel
Assim como no setor de pescados, na cadeia de mel o sentimento também é de frustração. O presidente da Associação Brasileira dos Exportadores de Mel (Abemel), Renato Azevedo, se surpreendeu com a manutenção das tarifas norte-americanas para o segmento, especialmente pela relevância do Brasil no fornecimento do produto aos EUA. “Achávamos que, dentro dos produtos do agro, o mel estaria na lista, porque os Estados Unidos têm déficit de produção e precisam importar. O Brasil é o principal exportador de mel orgânico para os EUA e nenhum outro país consegue atender essa demanda”, disse ao Agro Estadão.
Segundo ele, ainda que o setor esteja decepcionado, a continuidade das negociações mantém certa dose de otimismo. “Quando a gente considera a particularidade do mel, a necessidade que os EUA têm e o fato de o Brasil ser praticamente o único fornecedor em larga escala, ficamos esperançosos de que isso possa ser resolvido em breve”, diz.
A dependência do mercado norte-americano torna o impacto das tarifas ainda mais sensível. Cerca de 70% da produção brasileira é destinada à exportação, e aproximadamente 80% desse volume segue para os EUA.
Diante desse cenário, alternativas de curto prazo são limitadas. Nenhum outro mercado consegue absorver rapidamente o volume produzido ao mercado norte-americano. Por isso, o setor vem discutindo com produtores e governo uma estratégia de médio a longo prazo para elevar o consumo doméstico. “O brasileiro consome entre 130 e 150 gramas de mel por ano. Nos EUA e na Alemanha, o consumo supera 400 gramas. Temos enorme potencial interno, que paga bem pelo produto”, explica. Azevedo ressalta, porém, que essa mudança é gradual e não resolverá o problema imediato.
No curto prazo, algumas circunstâncias têm amortecido os efeitos negativos. A entressafra prolongada, causada por uma primavera mais fria, reduziu a produção e atrasou a formação de estoques. Com isso, mesmo com importadores pressionando por preços menores — alegando a tarifa —, a redução momentânea de oferta limita quedas mais bruscas.
A redução dos embarques, contudo, já começa a aparecer. Azevedo relata que as exportações recuaram em setembro e outubro. Em meses anteriores, o efeito não era perceptível porque contratos de três meses já estavam firmados e foram mantidos pelos importadores, que temiam a falta do produto. “Agora, por uma combinação de falta de oferta e incerteza na demanda, os embarques estão retraindo”, diz. A expectativa do setor é que, quando a produção voltar a crescer no fim do ano, a pressão aumente, reduzindo os preços.
Segundo o dirigente, o setor aguarda os próximos desdobramentos das negociações entre Brasil e EUA, mantendo esperanças de que novas listas de isenção incluam o mel, dada sua relevância estratégica para o mercado norte-americano. “A gente vê uma luz no fim do túnel e não é o trem que está vindo. Apesar do momento de decepção, a gente também está esperançoso”, aponta.
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