Economia
Soja brasileira será brutalmente atingida pelo acordo entre EUA e China?
Especialistas indicam redução dos prêmios e redução das margens dos produtores, porém, com grão brasileiro mantendo competitividade
Sabrina Nascimento | São Paulo | sabrina.nascimento@estadao.com
29/10/2025 - 14:14

Cresce a expectativa no mercado global de grãos — especialmente entre os produtores brasileiros de soja — em relação ao encontro entre os presidentes dos Estados Unidos (EUA), Donald Trump, e da China, Xi Jinping, nesta quarta-feira, 23h, pelo horário de Brasília (às 11h da quinta-feira, 30, em Seul, na Coreia do Sul).
O possível acordo comercial que pode ser firmado entre as duas maiores economias do mundo pode redefinir a dinâmica de preços dos grãos. Uma amostra das mudanças ocorreu no início da semana, quando as cotações da soja em Chicago subiram consideravelmente, após declarações do secretário do Tesouro norte-americano, Scott Bessent, de que Pequim deve realizar compras “substanciais” de soja dos EUA.
Nesta quarta-feira, 29, porém, investidores realizam lucros e os contratos futuros voltam a operar em leve baixa. A movimentação ocorre mesmo após a notícia de que a Cofco, estatal chinesa de grãos, realizou compras de soja norte-americana.
Para o Brasil, o movimento acende um sinal de atenção. Desde a retomada da guerra comercial entre as duas potências, o país reforçou o seu papel como principal fornecedor de soja à China — consolidado desde 2017/2018, quando houve o primeiro conflito tarifário entre ambos países.
Exportações dos EUA e do Brasil de complexo soja para a China (em bilhões de US$ – entre 2000 e 2024)

Legenda: Brasil em verde e EUA em azul
Elaborado pelo Insper Agro Global com base nos dados do Trade Data Monitor (2025).
Somente em setembro deste ano, a China importou 12,87 milhões de toneladas de soja — um recorde para o mês. Porém, nenhum grão era dos EUA — algo inédito em sete anos. Desse total, 10,96 milhões vieram do Brasil e 1,17 milhão da Argentina, mostrando que o gigante asiático veio buscar seu abastecimento na América do Sul.
Dados compilados pela Cogo Inteligência em Agronegócio mostram que, no acumulado de 2025, o Brasil já ampliou em 10 milhões de toneladas seus embarques à China, ocupando integralmente a fatia norte-americana. Já a Argentina elevou sua participação de 3,6 para 8,5 milhões de toneladas.
Prêmios e margem negativa
Agora, com a possibilidade de um acordo entre EUA e China, o que representou uma oportunidade começa a se transformar em desafio. O primeiro obstáculo está nos prêmios pagos pela soja. “Os prêmios estavam positivos desde o início do ano durante a colheita da soja, algo que não é natural, e foram só subindo ao longo dos meses. Agora, com o acordo se aproximando, o mercado antecipa a virada e começa o processo de derretimento dos prêmios”, explicou Cogo, apontando que na quarta-feira, 28, os prêmios de abril/26 caíram 100%, enquanto para março/26 o recuo chegou a 80%.
Para o especialista, o movimento já era esperado, representando uma mudança de rumo de preços. Caso o cenário atual se perpetue, ele indica que o impacto mais severo tende a ser sentido nas regiões mais afastadas dos portos, especialmente em Mato Grosso, onde a margem líquida de lucro da soja, que era projetada em 4,1% para a próxima safra 2025/26, pode se tornar negativa. “O produtor mato-grossense está mais exposto. A soja que teria um pequeno lucro pode virar prejuízo se os prêmios voltarem ao campo negativo”, alertou.
Apesar da expectativa, Cogo observa que, dependendo dos termos estabelecidos e do cumprimento do possível acordo, o comércio de soja voltaria a um equilíbrio, com os chineses comprando algo em torno de 65% do Brasil, 20% dos Estados Unidos e o restante de outros países. “A partir de janeiro, fevereiro, quando a soja brasileira começar a ser colhida e entrar no mercado, ela volta a ser competitiva como tradicionalmente é”, salienta.
Efeito imediato de um acordo entre EUA e China

Esse reequilíbrio de mercado é o ponto inicial observado pelo sócio diretor da Pátria Agronegócio, Matheus Pereira. Para ele, o conflito comercial entre as duas potências já dura quase uma década — desde o primeiro mandato de Donald Trump — e provocou uma reconfiguração estrutural no mercado de soja. “Ao longo desses anos, a China se adaptou e construiu laços com o Brasil. Tanto que o país ampliou sua presença aqui por meio de tradings como a Cofco e consolidou o Brasil como sua principal origem de fornecimento de soja. Esse vínculo é muito difícil de ser rompido”, destacou.
Na avaliação de Pereira, a eventual assinatura do acordo deve ter um efeito psicológico e imediato sobre a bolsa de Chicago, como observado nos últimos dias: reforçando a alta nos contratos futuros. Ele não vê, entretanto, nenhuma alteração profunda no fluxo comercial global.
Assim, mesmo que o acordo reduza tarifas ao grão norte-americano, Pereira avalia que a soja brasileira seguirá competitiva. “Mesmo com tarifas caindo de 30% para 25%, ou até 5%, a soja norte-americana continuará mais cara que a brasileira. O grão brasileiro tem ainda vantagem em logística e teor proteico. A China pode até diversificar, mas não substitui o Brasil”, afirmou.
Benefícios à indústria esmagadora nacional
Já para Marcela Marini, analista de grãos do Rabobank Brasil, o acordo entre EUA e China pode representar uma virada de jogo para a indústria esmagadora nacional, ainda que não traga ganhos diretos ao produtor no curto prazo.
Ela lembra que o prêmio elevado observado em 2025 foi um dos fatores que encareceram a soja em Reais e apertaram as margens das indústrias. “Se o acordo se confirmar, esses prêmios devem cair, tornando a soja mais competitiva no mercado interno e favorecendo as margens de esmagamento em 2026”, explicou durante coletiva de imprensa nesta quarta-feira, 29.
Marini acrescenta que, mesmo com uma possível reaproximação entre Pequim e Washington, os volumes embarcados pelos EUA tendem a ser menores que na safra 2024/25, quando o país exportou cerca de 22 milhões de toneladas à China. “A safra americana foi menor, e parte da janela de exportação já passou. Mesmo que haja acordo, a China ainda vai depender do Brasil para complementar suas compras”, apontou.
Abate de suínos na China manterá demanda por grãos
Em relatório, a Biond Agro indica que, mesmo que um eventual acordo comercial entre Donald Trump e Xi Jinping reduza tarifas e reaproxime os EUA do mercado chinês, a demanda interna por soja e milho na China seguirá elevada. Segundo a consultoria, o país vive um novo ciclo de aumento no abate de suínos, sustentando o consumo de ração e mantém o ritmo das importações de grãos.
A projeção da Biond indica importações próximas de 110 milhões de toneladas de soja em 2025/26 — patamar semelhante aos últimos anos, mas com origem cada vez mais concentrada na América do Sul. Para os especialistas, a China tende a recorrer aos EUA apenas de forma complementar.
Newsletter
Acorde
bem informado
com as
notícias do campo
Mais lidas de Economia
1
China acelera compras de carne bovina à espera de decisão sobre salvaguardas
2
Governo confirma municípios habilitados para renegociação de dívidas rurais
3
Metanol: como falhas na produção podem causar contaminação
4
Onde nascem os grãos da xícara de café mais cara do mundo?
5
Banco do Brasil dá início à renegociação de dívidas rurais com recursos livres
6
Setor de café pede urgência em negociação das tarifas com os EUA
PUBLICIDADE
Notícias Relacionadas
Economia
Custos de produção estão maiores na safra 2025/2026, diz presidente da CNA
Estimativas preliminares da confederação revelam redução de 15% na margem bruta da soja para a temporada
Economia
Alugar, comprar ou terceirizar máquinas agrícolas? Estudo da CNA orienta produtores
Calculadora permite comparar custos e rentabilidade de cada modelo com base em dados reais do campo e nas condições regionais de produção
Economia
BB: restrição a produtores em recuperação judicial visa garantir sustentabilidade dos negócios
Inadimplência na carteira do agronegócio do banco atingiu, em junho de 2025, o maior nível da série histórica, 3,49% — cerca de R$ 12,7 bilhões em dívidas atrasadas
Economia
Sicredi inicia renegociação de dívidas rurais
Instituição cooperativa tem R$ 2,2 bilhões em recursos controlados e prevê disponibilizar R$ 10,1 bilhões em recursos livres
Economia
Senado dos EUA barra, simbolicamente, tarifaço ao Brasil
Medida segue vigente, aguardando desenrolar das negociações entre representantes de ambos países
Economia
China retoma compras de soja dos EUA, antes de encontro Trump-Xi Jinping
Gigante Cofco comprou cerca de 180 mil toneladas com entrega entre dezembro e janeiro; mercado reagiu com queda em Chicago
Economia
Crédito rural sustentável cai R$ 5 bi no 1º tri com alta dos juros
Investimentos em sustentabilidade recuam pela primeira vez desde o início do levantamento da Agroicone
Economia
Porto de Santos tem movimentação recorde; complexo soja é destaque
Autoridade Portuária de Santos (APS) registrou 16,5 milhões de toneladas em setembro e 138,7 milhões no período janeiro-setembro