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Celso Moretti

Engenheiro Agrônomo, ex-presidente da Embrapa

Esse texto trata de uma opinião do colunista e não necessariamente reflete a posição do Agro Estadão

Opinião

Um exército de microrganismos à serviço do agro

Foi na segunda metade do século passado que pesquisadores descobriram, sob a liderança da cientista checa, naturalizada brasileira, Johanna Döbereiner, uma bactéria do gênero rizobio. O microrganismo consegue sequestrar nitrogênio, o gás mais abundante da atmosfera e, numa relação simbiótica, entrega o nutriente para a planta.

3 minutos de leitura 06/03/2024 - 18:25

Foto: Adobe Stock
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O Brasil tem uma das maiores biodiversidades do mundo. Os seis biomas possuem flora e fauna exuberantes. Boa parte ainda é desconhecida e inexplorada. A ciência agrícola brasileira conhece esse potencial há bastante tempo. Foi na segunda metade do século passado que pesquisadores descobriram, sob a liderança da cientista checa, naturalizada brasileira, Johanna Döbereiner, uma bactéria do gênero rizobio. O microrganismo consegue sequestrar nitrogênio, o gás mais abundante da atmosfera e, numa relação simbiótica, entrega o nutriente para a planta. A tecnologia se disseminou de tal forma na agricultura brasileira que hoje ao redor de 90% da área cultivada com soja (algo em torno de 40 milhões de hectares) empregam a fixação biológica de nitrogênio (FBN). O benefício financeiro é monumental: somente em 2022, segundo dados da Embrapa, o Brasil economizou aproximadamente R$ 70 bilhões em adubo à base de nitrogênio, um insumo importado e que vem de uma fonte fóssil. Na época em que descobriram o rizobio, Döbereiner e colaboradores nem imaginavam que contribuiriam para um outro desafio global do século 21: as mudanças climáticas. Por ser de fonte fóssil, o adubo contendo nitrogênio, utilizado em larga escala em todo o mundo, emite gases de efeito estufa na sua produção. Ao se utilizar da FBN o Brasil deixa de emitir milhões de toneladas de CO2 equivalentes, contribuindo para os compromissos brasileiros do Acordo de Paris.

Além do rizobio, um outro gênero de bactérias tem se destacado nestas últimas décadas: o Bacillus. Sua função é múltipla. A espécie B. subitilis ajuda o produtor a controlar doenças foliares e de raízes em culturas como café, batata, tomate, berinjela e beterraba. Por outro lado, a espécie B. thuringiensis (Bt) compõe o rol de estratégias biológicas para controlar insetos que causam prejuízos nas lavouras de soja, milho, algodão e feijão. O gênero Bacillus é tão versátil que, em 2019, descobriu-se que duas espécies (B. megaterium e B.subtilis), atuando em parceria, auxiliam as plantas na absorção de fósforo retido no solo. Como o elemento se move com dificuldade nos solos, ficando muitas vezes longe do alcance das raízes, o produtor precisa aplicar todo ano os chamados adubos fosfatados, importados de países como o Marrocos, que detém as maiores jazidas do elemento no mundo. O emprego das duas espécies de Bacillus aumenta a disponibilidade de fósforo para a planta, trazendo economia de adubos. Reduzir a importação é estratégico para o Brasil, que traz do exterior ao redor de 85% de todos os fertilizantes que utiliza. É também o gênero Bacillus (ele, de novo!) que contribui para aumentar a resistência de plantas à seca. Estudando o mandacaru, planta imortalizada por Luiz Gonzaga na música “Xote das meninas”, pesquisadores constataram que a bactéria ajuda a cactácea a atravessar períodos de seca, fechando aberturas existentes nas raízes chamadas de estômatos.     

 Os exemplos do uso de microrganismos e de outros insumos biológicos na agricultura brasileira são eloquentes. O emprego de tais tecnologias vem crescendo ano após ano, a uma taxa anual de dois dígitos. Estima-se que até 2025 o país será líder global na produção de bioinsumos, tanto para controle de pragas e doenças, quanto para a nutrição de plantas. Isso tem atraído a atenção de países como o Canadá. Uma empresa de bioinsumos canadense ensaia a entrada no país com soluções biológicas para a entrega de micronutrientes para as plantas. O método é inovador: ao invés da aplicação via foliar, cara e nem sempre eficiente, a tecnologia de aplicação é no solo. Os resultados obtidos no cinturão do milho e soja (corn belt) americano são encorajadores. O emprego de microrganismos no controle de pragas e doenças, na adaptação à seca e no fornecimento de nutrientes demonstra que o agro brasileiro é uma fonte de inspiração e inovação para a economia brasileira. Afinal de contas, qual outro setor conta com um “exército inteiro de microrganismos” à seu serviço, contribuindo para uma produção mais competitiva e sustentável?

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