Welber Barral
Conselheiro da Fiesp, presidente do IBCI e ex-secretário de Comércio Exterior do Brasil
Esse texto trata de uma opinião do colunista e não necessariamente reflete a posição do Agro Estadão
Opinião
Suspiros de Espanha
Quando se fala no Acordo Mercosul-União Europeia, é bom recordar a Espanha; um país que saltou do atraso para o protagonismo europeu
13/07/2025 - 08:00

Desembarcar no Aeroporto de Barajas é sempre uma experiência reveladora. A nova linha de metrô que liga o aeroporto ao centro de Madrid, com conforto e eficiência, é apenas uma das faces de uma transformação profunda. Para quem conheceu a Espanha de três décadas atrás, como este colunista — que ali viveu em 1993, como professor visitante da Universidade de Castilla-La Mancha —, trata-se quase de outro país.
Naquele tempo, a Espanha recém-ingressara na então Comunidade Econômica Europeia, junto com Portugal. O clima era de efervescência e esperança. O país apostava na modernização da infraestrutura, na abertura comercial e na integração institucional. Os investimentos externos afluíam. A cada visita, viam-se mais estradas duplicadas, portos requalificados, trens de alta velocidade, universidades expandidas. E também, de modo ainda mais importante, via-se uma consolidação democrática depois de um passado marcado por uma das guerras civis mais sangrentas do século XX e quase quatro décadas de ditadura franquista.
O resultado foi a metamorfose positiva do país. O PIB per capita espanhol multiplicou-se por dez em três décadas. A qualidade de vida melhorou substancialmente, com ganhos em educação, serviços públicos e mobilidade social. A Espanha tornou-se, enfim, uma sociedade europeia em todos os sentidos.
Essa trajetória oferece lições valiosas para o Brasil e para os países do Mercosul. Especialmente agora, quando se abre uma nova janela para o Acordo entre Mercosul e União Europeia. Há, entre os economistas, consenso quanto aos impactos positivos de longo prazo: ampliação de mercado, ganhos de escala, previsibilidade para investimentos, modernização das cadeias produtivas.
Mas tampouco se pode ignorar a força do protecionismo. Setores politicamente influentes, ainda que economicamente pouco relevantes, resistem dos dois lados do Atlântico. No Brasil, os exemplos incluem produtos como o alho e os lácteos; na Europa, o receio é a concorrência de commodities agrícolas mais eficientes do cerrado e dos pampas. Haverá perdedores, sim — mas também um horizonte de adaptação e ganhos líquidos para a sociedade.
O exemplo espanhol é eloquente ao mostrar que os maiores benefícios da integração vêm não só da economia, mas da institucionalidade. Espanha, Portugal e Grécia só puderam integrar-se de modo pleno à Europa depois de seus respectivos processos de redemocratização. O compromisso com a democracia, com o Estado de Direito e com a transparência são pré-requisitos para qualquer inserção internacional duradoura.
É uma lição oportuna, num momento em que o mundo volta a enfrentar surtos de autoritarismo e fechamento. Diante de uma era marcada por crises climáticas, rupturas tecnológicas e tensões geopolíticas, a resposta passa por fortalecer os valores compartilhados do Ocidente: o liberalismo político, o livre comércio com regras, e a cooperação multilateral.
O Brasil tem muito a aprender — e a ensinar — nesse cenário. Uma inserção internacional madura exige estabilidade institucional, previsibilidade regulatória, abertura econômica, mas também sensibilidade social. E exige, sobretudo, visão estratégica: de longo prazo, acima das pressões de curto prazo.
Por isso, quando se fala no Acordo Mercosul-União Europeia, seria útil recordar a Espanha. Um país que, com reformas difíceis, mas com um pacto institucional claro, saltou do atraso para o protagonismo europeu. Um país que se reinventou sem abandonar sua identidade, e que fez da integração um caminho para a modernização.
P.S.: “Suspiros de España” é um clássico passo doble espanhol, e elemento central no esplêndido romance Soldados de Salamina, de Javier Cercas.
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