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José Carlos Vaz

Advogado e consultor, mestre em direito constitucional, ex-secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura

Esse texto trata de uma opinião do colunista e não necessariamente reflete a posição do Agro Estadão

Opinião

Política Agrícola: e agora? e depois?

No campo da política agrícola e do crédito rural, não há como deixar de jogar as dívidas vencidas ou vincendas em 2024 para os próximos exercícios

Foto: Adobe Stock
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“Ao resgatar minha filha ontem à tarde pude sentir de perto as emoções da chegada dos barcos de salvamento: salvas de palmas, gritos, choros… cadeirantes, idosos, deficientes, gatos, cachorros… pessoas voluntárias para transporte, acolhimento, oferta de ração para animais… atos de heroísmo, grandiosidade… Ao mesmo tempo, oportunismo, saques, vigarice… Naturalmente que quase nada surpreende. Apenas reforça o que já se sabe sobre o ser/não ser humano. Mas, olha, gente, baixando a água, muita história vai ficar na memória. Os prejuízos são inimagináveis” (relato de um bancário aposentado morador em Porto Alegre).

Enquanto as chuvas não escasseiam e as águas escorrem, o momento no RS é o de resgatar as pessoas e seus animais, objetos de maior estima, dar-lhes guarida, alimento e atenção à saúde. 

A tragédia humana está em seu auge. Depois virá o inventário das perdas materiais e suas consequências sobre o ânimo, a dignidade e a felicidade dos atingidos, conforme o estado de cada instalação, a capacidade de recomeçar de cada família, empresa, a competência das autoridades e a solidariedade dos brasileiros das demais regiões. 

Reconstruir infraestrutura é algo que os executivos federal, estadual e municipal sabem como fazer (afinal uma tragédia dificilmente deixa passar mais de 20 anos da última), ainda mais com flexibilização orçamentária e dispensa de licitação. E nos próximos cinco anos certamente serão feitas as obras de proteção contra as enxurradas e as enchentes que ocorrerão nos próximos 20 anos (tomara não se esqueça de novo de reforçá-las depois disso…).

As operações econômicas, tanto na indústria quanto no comércio quanto na agricultura são viáveis, e ao longo do segundo semestre obterão os recursos necessários para a sua reativação – provavelmente com perdas patrimoniais para os atuais proprietários, alguns deixando de sê-lo, em parte ou no todo. O setor de serviços vai sofrer por mais tempo.

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Um pouco mais pobre do que antes das enchentes, o Rio Grande seguirá no seu rumo dos últimos 30 anos, o da decadência econômica, salvo se suas “lideranças” conseguirem consenso para trabalhar por um novo estado para o estado, e não somente para conseguir votos e vitórias ideológicas.

As autoridades nacionais poderiam sair do “quadrado dos compromissos com a OCDE e similares” e levar para o RS algum tipo de investimento estrangeiro agregador de valor à produção local, em contrapartida, por exemplo, ao aluguel de uma base naval para uma das grandes potências mundiais.

No campo da política agrícola e do crédito rural, não há como deixar de jogar as dívidas vencidas ou vincendas em 2024 para os próximos exercícios. Aliás, o Congresso vai autorizar isso brevemente, e com o custo correspondente ficando fora do ajuste fiscal, que é o que tem que ser feito, aliás. 

A situação no campo gaúcho está tão complicada que não dá tempo de fazer individualmente laudos de comprovação das perdas (nem há gente e estrada para isso). Também não há condições para fazer os estudos de capacidade de pagamento, que, com as metodologias usuais, inclusive, darão elevado número de empreendimentos inviáveis (mas isso de exigir capacidade de pagamento para prorrogar é invenção do Conselho Monetário Nacional).

Minha sugestão é de uma operacionalização diferente dos reescalonamentos ocorridos desde 1995: de imediato, decisão do CMN de prorrogar automaticamente, por mais 90 dias, os prazos de pagamento a vencer até 30 de setembro de 2024, dos produtores (para estes independentemente de pedido) e das cooperativas de produção.

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E até o vencimento daqueles novos prazos disponibilizar uma linha de crédito específica para financiar a liquidação das dívidas, por um prazo entre três e 12 anos, a critério do agente financeiro, podendo inclusive ser usada para a concessão de novo custeio.

Para lastrear aquelas operações, os bancos poderiam resgatar parte dos compulsórios/encaixes mantidos no Banco Central.

Para garantir as primeiras ou parte das perdas, o tesouro gaúcho constituiria um fundo garantidor, sob administração autônoma da Secretaria do Tesouro Nacional (STN) ou do Banco Central, mediante emissão de títulos estaduais de longo prazo a serem adquiridos pelo tesouro nacional na medida das necessidades de liquidez. 

As novas operações teriam o mesmo risco de crédito observado por ocasião da contratação das últimas operações antes das inundações.

Uma medida provisória seria necessária para agilizar a vinculação à linha de garantias reais (inclusive penhor de safras futuras), mesmo se com hipoteca ou alienação fiduciária para outros compromissos em ser.

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A nova linha deverá ter encargos positivos, pós-fixados, mas com spread baixo e exigência de pagamento em função de uma relação produto/preço pré-especificada. 

Seria admitido o uso de recursos dos próximos planos safras para a concessão de bônus de adimplência (não para a equalização de encargos), conforme regulamentação específica a cada exercício orçamentário.

O acesso à nova linha não impediria o produtor,cooperativa de obter financiamentos de custeio, comercialização ou capital de giro nas linhas de crédito dos novos planos de safra. De investimento e industrialização sim (salvo, claro, para a recuperação/substituição das instalações, máquinas e benfeitorias perdidas com as enchentes).

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