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Welber Barral

Conselheiro da Fiesp, presidente do IBCI e ex-secretário de Comércio Exterior do Brasil

Esse texto trata de uma opinião do colunista e não necessariamente reflete a posição do Agro Estadão

Opinião

O Dissenso de Washington e a Desordem Comercial

A era de ouro do comércio internacional, que floresceu à sombra do pós-guerra, está com os dias contados. É o que alerta Uri Dadush em seu livro Geopolitics, Trade Blocs, and the Fragmentation of World Commerce

Foto: Adobe Stock
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O que este autor descreve não é uma simples desaceleração ou ajuste nas trocas globais, mas um movimento de ruptura profunda. O que antes era o “Consenso de Washington”, um conjunto de diretrizes que norteava a abertura econômica e a globalização, hoje se transforma no “Dissenso de Washington”, onde o protecionismo e as disputas geopolíticas ganham força, esfarelando o sistema que já foi sinônimo de prosperidade.

Se parece dramático, é porque a proporção da crise é titânica. A fragmentação do comércio mundial não é um evento isolado. Ela é o acúmulo de uma série de crises. A crise financeira de 2008 abalou as certezas sobre o livre mercado e a racionalidade do sistema financeiro. Depois, vieram as tensões entre Estados Unidos e China, a pandemia de Covid-19 que paralisou o mundo, e, mais recentemente, a guerra na Ucrânia. Cada uma dessas crises adicionou uma camada de desconfiança sobre a globalização. Se antes o comércio internacional era visto como um caminho para o crescimento e a paz, agora ele é visto, em muitos cantos do mundo, como fonte de desigualdade e instabilidade.

Descrevendo este cenário, Dadush destaca um ponto central: enquanto as evidências de que o comércio traz benefícios são abundantes e datam de séculos, os interesses políticos locais constituem uma barreira ideológica crescente. A verdade inconveniente é que, embora o comércio traga benefícios para a economia global como um todo, ele não distribui esses benefícios de maneira equitativa. Setores não competitivos globalmente são esmagados, gerando reação política que pressiona os governos a fecharem suas aduanas. Esquecem-se da frase célebre, segundo a qual “por fronteiras por onde não passa mercadoria acabam passando soldados”.

Mas o que realmente está na raiz dessa fragmentação, segundo Dadush, é a rivalidade entre as duas maiores economias do mundo: Estados Unidos e China. Não é apenas sobre comércio, claro. A disputa é por hegemonia geopolítica, para a qual o comércio é elemento crucial. Quando Trump iniciou a guerra comercial com a China, muitos analistas acreditavam numa fase isolada. Mas não apenas a política econômica norte-americana se voltou para seu mercado interno, abandonando a postura que mantinha desde a Segunda Guerra, quando era o arquiteto das regras do comércio global, como os EUA caminharam mais ainda para um protecionismo explícito.

O resultado foi a Organização Mundial do Comércio (OMC) enfraquecida, com disputas que se arrastam e sem uma liderança clara. Países agora se voltam para acordos bilaterais ou regionais, que criam blocos comerciais mais fechados, destruindo a ideia de um sistema multilateral garantindo o acesso aos mercados.

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E daí vem um elemento complicador. A mudança climática adiciona uma nova camada de complexidade, a descarbonização da economia, com novas disputas. Surgem novas barreiras comerciais sob a justificativa de proteger o meio ambiente, criando tensões adicionais no sistema comercial global.

Aqui está a grande ironia: o mundo precisa de mais comércio para enfrentar a crise climática, mas as políticas climáticas estão levando a mais fragmentação. Como alerta Dadush, o mundo terá de escolher entre manter o comércio aberto para bens ambientais ou enfrentar os efeitos devastadores do aquecimento global, incluindo migrações em massa e colapso econômico.

Apesar do cenário sombrio, Dadush ainda tem esperanças. Seria necessário, em primeiro lugar, um entendimento estratégico entre Estados Unidos e China. Sem isso, a fragmentação do comércio só tende a piorar. Além disso, Dadush sugere que os governos precisam ser mais proativos em ajudar os perdedores do comércio. Em vez de fechar as portas, eles deveriam fornecer redes de proteção social mais concretas para trabalhadores e setores que estão sofrendo com a concorrência global. É um equilíbrio delicado, que demandaria uma racionalidade distante da atual polarização política.

Ao final, o livro de Dadush nos leva a uma conclusão inevitável: estamos em uma encruzilhada. O sistema comercial global está sendo erodido por dentro, tanto por disputas geopolíticas quanto por mudanças internas nas grandes economias. Somente políticas corretas e cooperação internacional poderiam evitar desintegração institucional e a reconstrução de um sistema comercial mais resiliente e inclusivo. Uma reflexão necessária diante das propostas simplistas, e beócias, que escutamos de muitos líderes atualmente.

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