Welber Barral
Conselheiro da Fiesp, presidente do IBCI e ex-secretário de Comércio Exterior do Brasil
Esse texto trata de uma opinião do colunista e não necessariamente reflete a posição do Agro Estadão
Opinião
O canto aflitivo dos cafezais
Em um mundo onde o café é mais do que uma mercadoria — é cultura, sustento e identidade —, ignorar os recentes efeitos climáticos no cafezais brasileiros seria um erro catastrófico
Na balança comercial brasileira em 2024, o café se destacou como produto fundamental. Com 41,5 milhões de sacas exportadas, a receita superou os impressionantes 9 bilhões de dólares, reflexo de preços elevados em patamares históricos. Esse cenário, contudo, revela mais do que um ciclo virtuoso de mercado; expõe o grito abafado de uma cultura agrícola ameaçada pelas mudanças climáticas.
Os preços recordes não são fruto apenas da dinâmica de oferta e demanda, mas de uma tempestade perfeita que abalou os principais produtores globais. No Brasil, maior exportador mundial, uma das piores secas em décadas castigou as plantações de arábica, especialmente em Minas Gerais. Simultaneamente, no Vietnã, um dos maiores fornecedores de robusta, o tufão Yagi devastou plantações, comprometendo safras atuais e futuras. Esses eventos climáticos extremos impulsionaram os preços do café arábica e robusta a níveis inéditos em quase uma década, revelando a vulnerabilidade de uma cadeia global já fragilizada.
Segundo analistas do setor, não há qualquer perspectiva de redução de preços nos próximos anos. Ao contrário, demanda crescente (inclusive na Ásia, por mudança cultural) e oferta em queda indicam elevação de preços. Os preços do café arábica atingiram recentemente níveis historicamente altos, com cotações na bolsa de Nova York superando US$ 3,20 por libra-peso, o que alguns analistas consideram ser o maior valor desde o final da década de 1960.
Entretanto, os desafios enfrentados pelos cafeicultores brasileiros transcendem os ciclos de clima adverso. A questão central repousa na ameaça persistente das mudanças climáticas, que projetam uma redução de 50% na área apta para cultivo de café até 2050, fenômeno conhecido como o “Problema do Café 2050”. Esse impacto já é visível: temperaturas médias em ascensão, períodos de seca mais prolongados e a crescente instabilidade das chuvas prejudicam os cafezais, tornando os custos de produção insustentáveis para muitos pequenos produtores.
Diante desse cenário, o café emerge como o canário na mina das mudanças climáticas, segundo a professora Elizabeth Shapiro-Garza, da Duke University. Assim como os pássaros que outrora alertavam mineiros sobre a presença de gases perigosos, o sofrimento dos cafezais sinaliza os riscos iminentes para outras culturas agrícolas. O mesmo destino pode atingir o cacau, a soja e o milho, todos sensíveis às variações climáticas. O canto aflitivo dos cafezais brasileiros deve servir como um chamado à ação para governos, empresas e consumidores.
Adaptar-se é inevitável, e iniciativas já despontam. Empresas como Starbucks e Lavazza investem em regiões alternativas, enquanto startups exploram substitutos inovadores para o café tradicional. No entanto, tais esforços ainda são insuficientes diante da magnitude do problema. Políticas públicas urgentes, aliadas à ciência e tecnologia, precisam proteger os cafeicultores e reduzir a pegada climática da agricultura. Neste sentido, reflorestamento, práticas regenerativas e o financiamento de culturas resilientes seriam alternativas para o setor.
A agricultura regenerativa na cafeicultura envolve diversas práticas eficientes que visam a melhorar a saúde do solo, aumentar a biodiversidade e promover a sustentabilidade da produção. Algumas das principais práticas regenerativas para a cultura do café incluem: manejo do solo, com manutenção de cobertura vegetal e café sombreado; consórcio com outras culturas; práticas de conservação; uso de bioinsumos e preservação da biodiversidade são experimentos recentes que têm de ser ampliados e acatados pelo setor.
Em um mundo onde o café é mais do que uma mercadoria — é cultura, sustento e identidade —, ignorar esse alerta seria um erro catastrófico. Cada xícara consumida, cada contrato negociado, carrega o peso de história, gastronomia, sociabilidade, cultura. Recorde-se como o historiador Jules Michelet descreveu como o café, com seus poderes estimulantes e de insônia, foi personagem da Revolução Francesa, quando “aqueles que se reuniam viram, com um brilho penetrante no fundo de sua bebida preta, a iluminação do ano da revolução”
O futuro do café está intrinsecamente ligado ao futuro do planeta, e ambos clamam por respostas à altura. Afinal, o que será de nossas manhãs sem o aroma de esperança que emana de nossas xícaras?
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