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Welber Barral

Conselheiro da Fiesp, presidente do IBCI e ex-secretário de Comércio Exterior do Brasil

Esse texto trata de uma opinião do colunista e não necessariamente reflete a posição do Agro Estadão

Opinião

Mercosul e o leite derramado

Preço médio do leite caiu 14% enquanto a importação cresceu

4 minutos de leitura 07/02/2024 - 15:11

Foto: Adobe Stock
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Durante cinco décadas, Luiz Barral pelejou para obter resultados econômicos da produção de leite. Dono de uma pequena fazenda na região de Montes Claros, seu grande entusiasmo e maiores frustrações com a produção leiteira tinha mais ou menos um ciclo: quando o preço melhorava, ele investia em um plantel de vacas leiteiras. Amainados os preços, ele vociferava contra as beneficiadoras, contra o transporte incerto, os funcionários omissos, as secas prolongadas, os prejuízos acumulados. Irritava-se finalmente, vendendo suas queridas girolandas. Depois de dois ou três anos, o ciclo iria se repetir, quando um novo preço aparecesse no horizonte.

Haver testemunhado os ciclos frustrados de seu pai leva o autor deste artigo a compadecer-se da situação atual do setor leiteiro no Brasil. Somente em 2023, o preço médio caiu 14% abaixo do patamar já deprimido dos anos anteriores. Tais preços implicam prejuízos e endividamento para um setor historicamente pauperizado.

Várias lideranças do setor leiteiro se mobilizaram, e as romarias a Brasília foram contínuas, incluindo audiências no Congresso e discursos retumbantes. Em geral, os ataques se dirigem contra as importações de leite em pó. Como uma tarifa alta impede o ingresso do produto europeu e neozelandês, os alvos são as importações do Mercosul: leite em pó oriundo da Argentina e Paraguai.

E, de fato, as importações subiram 10% em 2023, auxiliadas pela grande desvalorização do peso argentino e pelo consumo industrial brasileiro que consome avidamente o leite do Mercosul em razão de seu preço, qualidade e viabilidade logística.

Este cenário impele várias lideranças a apontar as canhoneiras comerciais contra o Mercosul. O discurso contra o inimigo externo, apontado como origem de todos os males, sempre é fácil e simplório, sendo historicamente utilizado para mobilizar as massas.

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Infelizmente, a realidade é bem mais complexa, e ao se concentrar no combate às importações, as lideranças do setor leiteiro adotam uma estratégia ineficaz, incompleta e de pouco impacto futuro.

Ineficaz porque as possibilidades de imposição de barreiras às importações do Mercosul são juridicamente limitadas. Medidas afoitas adotadas para agradar o setor tendem a cair por ordem judicial, por negociação regional ou por pressão dos parceiros no Mercosul.

As dificuldades para o governo brasileiro impor medidas também devem considerar o comércio bilateral com os vizinhos: mesmo em crise, a Argentina importou quase US$ 20 bilhões do Brasil, com quase US$ 6 bilhões de superavit. O Brasil também fornece 20% de todas as importações uruguaias, sendo o principal parceiro comercial daquele país. Isso falando apenas de interesses comerciais, e sem mencionar todos os interesses estratégicos que o Brasil tem nesses países. De outro lado, leite em pó (ao lado de arroz e grãos) é um dos poucos produtos em que os vizinhos têm competitividade no mercado brasileiro.

Mas demonizar as importações também é uma análise incompleta. O setor leiteiro tem problemas históricos, relacionados com qualidade, baixa escala de produção e gigantescos custos logísticos, sobretudo em comparação com seus concorrentes. Há também questões novas, como o aumento da produção no Sul do Brasil, substituição por produtos vegetais, e percepção dos consumidores quanto a alternativas alimentares. Em conjunto, estes fatores ainda pouco estudados levarão a uma pressão constante sobre os preços do setor, dificultando a situação financeira dos produtores.

Isso não implica, obviamente, que o setor leiteiro brasileiro deve assistir impassível a seu ocaso. As pressões sobre autoridades governamentais tiveram reflexo positivo nas regras para o Programa Mais Leite Saudável, que privilegiará o produto nacional. Pressões para preços mínimos e para estoques reguladores fazem parte do jogo da política agrícola e da negociação com o governo. Medidas financeiras podem aliviar a situação emergencial dos produtores.

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No médio prazo, entretanto, este alívio pode ser contraproducente, na medida em que cria incentivos para aumento de produção, que de novo deprimirá preços futuros.

Daí a necessidade de uma estratégia realista e de longo prazo para o setor, muito além do discurso imediatista e falastrão. Há iniciativas relevantes de maior eficiência na fazenda e qualidade ao pé da vaca, que devem ser difundidas. Há necessidade de estender regionalmente as tecnologias eficientes de secagem do leite, para evitar carregar 90% de água em estradas inviáveis.

E há que desafogar o mercado nacional com exportações do leite, que por sua vez dependem de preços competitivos, acordos sanitários, financiamento externo e logística eficaz. O Brasil pode ter compradores regulares para leite em pó na Ásia e África, auxiliando a elevar o consumo de proteínas para uma população crescente. Aqui, a necessidade de coordenação sobretudo com o governo federal será um pressuposto para resultados efetivos.

Não há soluções fáceis, como tampouco adiantará lamuriar-se sobre o leite derramado.

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